Por Jeniffer Mendonça — Ponte Jornalismo
Familiares que foram agredidos e tiveram o velório de um jovem invadido pela Polícia Militar (PM) em Bauru, no interior paulista, denunciam que estão sendo alvo de ameaças e intimidações. Segundo a auxiliar de cozinha Nilceia Alves Rodrigues, de 43 anos, ao menos quatro vezes faixas e cartazes em homenagem ao filho Guilherme Alves Marques de Oliveira, de 18 anos, e ao amigo Luís Silvestre da Silva Neto, de 21 anos, mortos em outubro em ação da polícia, foram rasgadas e queimadas.
O incidente mais recente teria ocorrido no domingo (15/12), após Nilceia colocar duas faixas com os dizeres “justiça” e “eterno Luizinho” em frente ao terreno do Departamento de Água e Esgoto (DAE) da cidade, onde os jovens foram mortos.
“À noite, o pessoal começou a me chamar porque uma viatura da Polícia Militar estava lá no local. Eles arrancaram as duas faixas, numa eles botaram fogo e a outra levaram para onde eu não sei”, denuncia.
O episódio ocorreu na mesma semana em que a mãe tinha denunciado à Corregedoria da PM outras situações semelhantes. Em 17 de novembro, ela também havia estendido faixas e bandeiras pedindo “justiça para toda a família” e defendendo que “não há confronto sem armas”, que teriam sido queimadas por policiais, segundo a auxiliar. No mesmo dia, foram colocadas outras duas faixas: “Descansem em paz, Luiz e Guilherme” e “paz e justiça” — que também teriam sido retiradas por integrantes do 13º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), o mesmo responsável pelas mortes dos rapazes.
Enquadros e xingamentos
Outros dois filhos da auxiliar de cozinha teriam levado enquadros de policiais entre os dias 19 e 25 de novembro. Um deles teria sido questionado sobre onde morava e, ao responder, um PM disse que ele “estava devendo uma”. Ao outro foi perguntado se era irmão de Guilherme.
Nilceia denuncia também que, em 4 de dezembro, estava na porta de casa quando uma viatura do 13º Baep teria passado em frente e a xingado de “vagabunda”. De acordo com ela, viaturas costumam passar pelo endereço em baixa velocidade e encarar os familiares. Uma filmagem de uma viatura passando foi divulgada pelo portal UOL na semana passada.
“Isso para mim está sendo uma maneira deles quererem me intimidar, me amedrontar”, afirma. “É um direito meu me manifestar sobre as coisas que acontecem aqui. Eu não estou xingando a polícia, fazendo apologia ao crime, nada. Só quero que aquele lugar fique marcado pelo fato que realmente aconteceu. Eu não queria que caísse no esquecimento”, lamenta.
Presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais, o advogado Ariel de Castro Alves acompanhou a família na Corregedoria e entende que existe uma “sensação de impunidade” para que policiais ajam dessa maneira — como no caso da invasão do velório.
“Essas retaliações aos familiares em Bauru e os casos constantes e recentes que temos visto de violência policial demonstram que policiais militares receberam uma ‘licença’ pra cometerem abusos, torturas e assassinatos, por meio das declarações públicas do secretário de Segurança Guilherme Derrite e do governador Tarcísio de Freitas, que incentivaram a violência policial, principalmente nas ações policiais da Baixada Santista”, declarou Ariel à reportagem.
Velório invadido e parentes agredidos
Em outubro, as mortes de Guilherme e Luiz tiveram grande repercussão após policiais militares invadirem a cerimônia em que Guilherme era velado e agredirem parentes do jovem. Vídeos gravados pelos presentes mostraram Nilceia abraçando um dos filhos mais velhos, o também auxiliar de cozinha Fabio Nascimento, enquanto policiais militares o socam no rosto e depois a agridem com cassetetes — tudo ao lado do caixão em que jazia seu caçula.
Outras cenas mostram PMs agredindo e afastando os presentes. Um deles chega a puxar e derrubar Nilceia no chão. Ela afirma ainda ter levado um mata-leão, espécie de golpe de enforcamento proibido na corporação desde 2020. Fabio, que aparece com uma lesão no rosto, é levado também com um mata-leão até a viatura.
Nilceia contou na época que, quando o corpo de Guilherme chegou ao cemitério, uma viatura da Polícia Militar apareceu. Ela já estava dentro da sala de velório quando alguns familiares, incluindo Fábio, saíram para entender o que estava se passando. “Um policial deu uma risada e falou ‘o sistema venceu’. E ali as pessoas se revoltaram, falaram ‘o que você tá fazendo aqui?’. E ele falou ‘você duvida que eu entre aí?’. Foi quando ele chamou o reforço e começou toda a confusão”, relembra.
‘Patrulhamento de rotina’ no cemitério
Os policiais alegam que estavam fazendo patrulhamento de rotina e, quando passaram em frente ao cemitério, teriam sido xingados e, por isso, foram abordar as pessoas no local.
Os agentes disseram que uma das pessoas que os havia xingado seria Fábio e que ele se negou a fornecer dados pessoais para se identificar. Com o tumulto, o cabo Daniel da Silva Prates deu voz de prisão ao rapaz por “desacato” e o conteve fisicamente porque, segundo disse, estaria resistindo à detenção. O cabo admitiu no registro que deu um soco no rosto do auxiliar de cozinha sob a justificativa de tentar contê-lo.
Na ocasião, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) disse que afastou os PMs envolvidos na agressão e invasão ao ato fúnebre. Um inquérito em andamento na Polícia Civil apura eventual abuso de autoridade por parte dos agentes e também se houve desacato por parte de Fabio.
Outra investigação ainda não concluída é a respeito das mortes de Guilherme e Luiz. Policiais do 13º Baep alegam que a dupla estava no matagal e atirou contra a equipe, que teria revidado. Parentes dos jovens contestam a versão. À Ponte, a diarista Maria Aparecida dos Santos, 46, mãe de Luiz, disse que o filho tinha saído para comprar drogas, pois era dependente químico.
Já Nilceia conta que provavelmente o filho se escondeu por medo do tiroteio e que Guilherme não tinha nenhum envolvimento com a criminalidade.
De acordo com os laudos necroscópicos das vítimas, Guilherme foi baleado no joelho direito, de trás para frente, e no peito, de frente para trás. Ele também apresentava lesões na cabeça, nas regiões dos olhos e da bochecha, no pescoço e no braço esquerdo, além de um ferimento de raspão na barriga. Já Luiz morreu com um tiro na cabeça.
O que diz o governo
A Ponte procurou a SSP sobre as denúncias da família de Guilherme, bem como a apuração do caso. Até a publicação, a Fator F, assessoria terceirizada da pasta, não respondeu.
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