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Por Bia Abramo

O debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres sofreu vários golpes severos, com o avanço das teses mais conservadoras sobre o aborto legal no Congresso ao longo de 2024. E com participação ativa do governo Lula, como como afirma Denise Mascarenha, coordenadora executiva do grupo Católicas pelo Direito de Decidir.

Na terça-feira (24), a Justiça suspendeu resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que trazia orientações sobre o aborto legal para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A resolução suspensa, aprovada na segunda-feira (23), estabelecia diretrizes para o atendimento humanizado e especializado de crianças e adolescentes com direito ao aborto legal.

“Essa aprovação já foi apertada, com 15 x 13 — toda a sociedade civil votando a favor da resolução e todo o governo federal votando contra. No dia seguinte um juiz a suspendeu a pedido da senadora Damares”, relata Denise Mascarenha, coordenadora executiva do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, coletivo feminista de defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

“Nesse caso, aconteceram diversas tentativas do governo em descredibilizar a sociedade civil e o processo de elaboração da resolução. Foi um episódio em que o governo Lula se confundiu com o governo Bolsonaro de uma forma assustadora”, diz Denise.

Em entrevista ao ICL, Denise, que é pesquisadora sobre o estigma do aborto legal e doutora em Sociologia, comenta sobre os retrocessos das políticas públicas para as mulheres.

 

Esse foi um ano marcado por retrocessos no direitos reprodutivos das mulheres, culminando com a PEC 164, que ficou conhecida como a PEC do Estuprador. Quais são os impactos dessa medida?

Talvez o principal seja a confusão social sobre a existência do aborto legal no Brasil. Ainda há muita desinformação e essas ações servem pra frear qualquer passo na garantia de um direito de mais de 80 anos. Cada projeto desse é uma violência a mais contra meninas e mulheres. É um retrocesso pra que se conquiste a igualdade de gênero, que se garanta efetivamente a laicidade do Estado e assim, se fortaleça a democracia no Brasil.

Os movimentos feministas têm tido dificuldades em comunicar para a opinião pública aqui no Brasil como e por que defender o aborto legal?

Acredito que a defesa do aborto legal tem crescido na sociedade e muito pela capacidade de comunicação do movimento feminista. Um exemplo é a campanha Criança Não É Mãe, que conseguiu barrar o PL 1904 fazendo seu conteúdo tomar a sociedade e as redes sociais. A campanha começou com as organizações feministas e hoje é muito mais ampla.

Cartaz campanha Criança Não é Mãe em manifestação de mulheres (Foto: Junior Lima @xuniorl/Brasil de Fato)

Aborto legal é garantido em lei desde os anos 1940

A onda conservadora é global. Em 2025, os Estados Unidos estarão sob a gestão Trump, que promete ainda mais restrições aos direitos reprodutivos das mulheres. Isso vai tensionar o tema ainda mais no Brasil?

Sim, porque é uma ação transacional. Mas a onda conservadora se instalou no país independentemente de quem está no governo. Não se avançou quase nada nos governos anteriores de Lula e Dilma. No governo Bolsonaro tivemos a perseguição a profissionais de saúde que atendiam meninas e mulheres violentadas e buscavam o direito ao aborto legal, o esvaziamento de políticas públicas sobre educação sexual. A desinformação sobre os direitos ganhou outra proporção.

No atual governo Lula, enfrentamos muitas barreiras do próprio governo para garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos. Arrisco dizer que o atual governo é uma grande barreira para que meninas e mulheres estupradas acessem o aborto legal, garantido em lei desde a década de 40. Isso nos causa muita revolta, pois as mulheres elegeram esse governo e esperávamos um compromisso com a nossa agenda.

O Brasil é um país de múltiplos credos. Como as religiões, em especial a religião católica, podem ajudar as mulheres a enfrentar o conservadorismo e a reconhecer seus direitos reprodutivos?

A religião é do âmbito privado, individual e os direitos sexuais e reprodutivos são do âmbito publico, coletivo. O que nós do Católicas Pelo Direito de Decidir defendemos é que o Estado é laico e as políticas públicas devem respeitar a Constituição. Mas, sabendo da influência histórica da Igreja Católica no Estado brasileiro, também construímos nossa argumentação que reconhece a capacidade moral das mulheres em tomar decisão sobre suas vidas e fazer escolhas, em relação à sexualidade, à maternidade e etc. Por meio da Teologia Feminista, disponibilizamos às mulheres alternativas para decidirem o caminho a seguir.

Nesse Natal, você teria uma mensagem de esperança para mulheres e meninas em relação aos seus direitos sexuais e reprodutivos?

Acabamos de viver um momento histórico no Brasil, com a aprovação do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, que envolve o combate à violência sexual e o acesso ao aborto legal na assembléia do Conanda na segunda-feira (23). Apesar da suspensão provisória pela Justiça ontem, podemos usar essa votação como uma demonstração da importância da sociedade civil se fortalecer na defesa dos direitos humanos e da democracia.

Minha mensagem vai nesse sentido, que em 2025 a gente se fortaleça, enquanto sociedade, para garantir e ampliar direitos, para que transformações importantes aconteçam. Esse é o papel dos movimentos sociais: apontar o caminho que se respeite a dignidade de todas as pessoas.

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