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Por Bernardo Cotrim*

Mark Zuckerberg chacoalhou a internet na manhã de terça-feira (7) ao anunciar as mudanças na política da Meta. No seu pronunciamento, Zuckerberg anunciou o fim do sistema de moderação de conteúdo das redes da empresa (Facebook, Instagram e Threads), que envolvia a atuação de agências e empresas jornalísticas, supervisionadas por um conselho independente.

As novidades não pararam por aí: a checagem (fact checking) será substituída por um sistema de “notas da comunidade” semelhante ao existente no X, de Elon Musk; os moderadores de conteúdo da Califórnia serão demitidos e substituídos por moderadores do Texas; e uma mudança será realizada no algoritmo para voltar a promover a circulação de conteúdo político, retirando a restrição vigente pelo menos desde 2018.

O pronunciamento foi repleto de recados políticos: a defesa da “liberdade de expressão”, o enfrentamento à “censura”, críticas à Europa, América Latina e China e, o mais importante, o anúncio de uma “parceria” com o governo dos EUA para fazer frente aos ataques às empresas americanas e “dar voz às pessoas”.

O empresário mente descaradamente. A Meta não foi alvo de censura na Europa; foi julgada e condenada por inúmeras infrações e crimes. Também é mentira que “cortes secretas” de países da América Latina tenham silenciado empresas. A fala é um ataque indireto ao STF brasileiro e suas decisões contra as plataformas para fazer valer a Constituição brasileira.

Trocando em miúdos: Zuckerberg subordina a Meta aos interesses políticos de Trump e do governo dos EUA, alinhando de forma explícita as plataformas da empresa a um tipo de funcionamento mais semelhante ao do X de Elon Musk. Com a derrubada dos filtros de conteúdo, especialmente nas publicações sobre imigração e gênero, direitos individuais e coletivos serão mandados às favas, para o delírio da militância de extrema direita ao redor do planeta.

Para além da preocupante e perigosa decisão política de pular no colo de Trump, existe um pedido de arrego ao governo dos EUA. No último período, as atividades da Meta geraram condenações judiciais na Europa que somam bilhões de euros em multas. O prejuízo financeiro salta aos olhos, assim como o medo de que a moda pegue. Não por acaso, a Meta acompanhou in loco os debates que ocorreram no congresso brasileiro sobre a regulamentação das atividades das big techs.

Em suma, Zuckerberg juntou a fome com a vontade de comer. Noves fora o proselitismo ideológico ao falar da China, um mercado onde a Meta inexiste, as mudanças realizadas na empresa visam a reestruturação interna, reduzindo custos e asfixiando as agências de checagem que funcionam em parceria com a Meta.

Ao mesmo tempo, a proteção dos lucros e dos interesses das companhias, expressos no desrespeito explícito à soberania nacional e às iniciativas ocorridas na União Europeia, no Brasil e na Austrália para impedir que o ambiente virtual se torne uma terra sem leis e de afronta aos mais básicos direitos humanos, sinalizam tempos sombrios.

A História recente nos ensinou que não existe separação entre o mundo virtual e as sociedades contemporâneas. O discurso de Zuckerberg reforça a centralidade de uma ação em âmbito global para a regulação das plataformas e preservação das democracias, antes que a radioatividade transbordante intoxique de modo irrecuperável a vida em sociedade.

*Bernardo Cotrim é jornalista e gerente de mídias do ICL

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