O deputado federal Ivan Valente (PSOL) enviou uma representação ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) contra o Jornal O Globo nesta segunda-feira (06). Ele chama atenção para a publicidade veiculada pelo jornal utilizando o título do filme e do livro “Ainda estou aqui”, que narram a história de Rubens Paiva, vítima da ditadura militar, na celebração dos 150 anos do jornal O Estado de S. Paulo (“Estadão”).
Na peça publicitária, O Globo destacou: “Duas instituições jornalísticas centenárias. Nas bancas, concorrentes. Nas trincheiras pela democracia, aliadas. Estilos diferentes. Valores em comum, que estão aqui até hoje”.
“O principal que quero destacar é o escárnio com que o Globo usa o filme para uma publicidade enganosa, ao dizer ‘Ainda estamos aqui’. Ou seja, sempre fomos defensores da democracia… da liberdade no nosso país. Quando não é verdade, porque eles apoiaram a ditadura escancaradamente”, disse o deputado Ivan Valente ao ICL Notícias. “Estão sendo hipócritas e cínicos para surfar na onda do momento. Todo mundo sabe que o Grupo Globo não só apoiou o golpe, como participou das benesses do golpe e foi um dos maiores beneficiários do regime militar da ditadura”.
Na década de 1960, Ivan se tornou líder comunitário e estudantil e militante de movimento sindical. Ele foi preso e torturado pela ditadura. Segundo o deputado, a campanha “manipula a percepção pública ao construir uma narrativa falsa de compromisso histórico com a democracia e os direitos humanos, em contradição com o apoio dado por ambos os veículos ao regime ditatorial responsável por graves violações”.
“Estamos vivendo duas questões simultâneas: a vitória da Fernanda Torres e também o 8 de Janeiro, para relembrarmos a tentativa de golpe patrocinada pelo bolsonarismo e pelos militares. O que a grande mídia deveria fazer era reescrever a história. Nunca houve uma retratação pública de modo a impedir que o cenário lá de trás se repita hoje. Não se pode continuar manipulando a verdade. O Globo e o Estadão apoiaram o regime que matou o Rubens Paiva. São 150 anos de defesa da elite, da exploração econômica, e não da democracia de fato. O Conar é o órgão que deve ficar de olho nisso, porque precisamos lutar pelo compromisso com a verdade”, disse.
Deputado Ivan Valente: ‘Ambos os veículos se beneficiaram da ditadura’
“Como é de amplo conhecimento, ambos os veículos apoiaram e foram beneficiados durante a ditadura militar, período em que estabeleceram relações de proximidade e receberam incentivos do regime que violou direitos humanos, reprimiu a liberdade de expressão e resultou em mortes, como a de Rubens Paiva. Assim, a utilização de elementos associados ao filme em questão parece um esforço de autopromoção que desconsidera o papel histórico de ambos os jornais no contexto do regime de exceção. A conduta do O Globo não apenas configura a utilização oportunista de uma narrativa que evoca sofrimento e luta pela democracia, mas também viola princípios éticos e morais que norteiam — ou deveriam nortear — a atuação dos veículos de comunicação”, diz o documento.

Em 1964, Estadão chamou golpistas de “democratas”

Em editorial, O Globo afirmou que o golpe militar era “retorno à democracia”
Na representação, o deputado pede que o jornal seja notificado para que preste os esclarecimentos, reconhecendo o caráter enganoso e antiético da campanha publicitária e pede uma retratação pública do jornal O Globo, “em respeito à memória das vítimas do regime militar e aos princípios éticos que regem a comunicação publicitária”.
O documento solicita ainda a aplicação das penalidades cabíveis previstas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com a apuração dos fatos e a imposição de medidas que reafirmem os princípios éticos fundamentais que norteiam a comunicação publicitária no Brasil.
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