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Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

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O dia seguinte ao 8/1

Meta: Não ser governado pela mentira ou morrer pela bala atirada há 60 anos
09/01/2025 | 05h00

Dois anos passaram daquelas imagens inacreditáveis do 8/1. Um mar de gente foi recrutado para destruir não um relógio do século 18, um quadro valioso de um pintor genial ou obras raras do patrimônio nacional, mas o próprio sistema em que nos assentamos a duras penas desde o fim da ditadura civil-militar imposta em 1964: a democracia.

Apesar da quebradeira, das hordas fanatizadas esperando 72 horas em frente a quartéis, das loucuras perpetradas fechando estradas, da minutas de golpe, dos planos arquitetados, impressos e auditáveis para matar autoridades, apesar do adoecimento derramado em ódio nas redes sociais, nas reuniões familiares, nos encontros entre vizinhos, (ex) colegas de trabalho, (ex) amigos… Apesar de tudo isso aqui seguimos. Vamos caminhando em uma vida nacional que parece sempre estar a um milímetro de qualquer coisa que nos jogue de volta.

É um medo real das novas edições e versões de ditaduras sucessivas, explorações, escravidão, dor, dor e mais dor. É um medo legítimo, ancorado num passado que insiste em se fazer presente. Agora um novo pavor se instala. O pânico dos governantes que não receberam um único voto no sistema eleitoral de país nenhum, mas agora entenderam de se meter nas soberanias das nações: os donos das big techs.

O oito de janeiro deu a régua e o compasso. A distância daquele milímetro que nos separa do horror completo é facilmente percorrida por uma notícia falsa bem-produzida, plantada e distribuída. A falta de cognição habilmente cultivada, especialmente ao longo da última década, frutifica em falta de capacidade de análise crítica suficiente para acolher qualquer bobagem sem base científica ou lógica.

Esses senhores do caos não estão nem aí para o dinheiro da mesma forma que os meros mortais. A questão principal é o controle de mentes que lhes garantam a primazia da sobrevivência em bases tranquilas, diante do fim do mundo das transformações climáticas e, consequentemente sociais. Os seus modos de pensar, estilos de vida e visões de mundo são as que valem. O resto é o resto. É a atualização do software da ditadura.

Por falar nela, neste dia seguinte ao 8 de janeiro, seus métodos continuam muito em voga. Também é porão da ditadura a violência policial que vitimiza os mesmos de sempre. Foi nesse período que esquadrões da morte e outros grupos normalizaram o assassinato de jovens negros nas periferias em nome de uma suposta ordem nunca alcançada. Corpos mortos nunca contabilizados como derivados de métodos ditatoriais.

Tudo é sequela e tudo estará, cada vez mais, exposto nas plataformas dos cavaleiros do apocalipse digital sem filtro algum. Afinal, neste final da era da razoabilidade, a sensação de justiçamento é melhor que a justiça em si, o perfume artificial de liberdade é melhor que a responsabilidade que a verdadeira liberdade traz.

“As eleições mais recentes parecem sinalizar um ponto de virada cultural para, mais uma vez, dar prioridade à liberdade de expressão”, disse Mark Zuckerberg. Pelo que parece, a prioridade será em se deixar expressar sem compromisso o desprezo profundo pela humanidade e seu futuro em bases menos bélicas.

Tudo isso é sobre o “day after” ao enfrentamento daqueles que são as versões pobres, latinas e ignorantes dos novos ditadores.

 

 

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