Por Fabio Pannunzio
O dia 31 de agosto de 1939 se tornou uma data marcada por uma das maiores pantomimas político-militares – talvez a maior! – da história da humanidade. Um grupo de soldados da SS nazista tomou de assalto uma emissora de rádio na pequena Gleiwitz, na fronteira de então entre a Alemanha e a Polônia.
Vestidos com uniformes do exército polonês, os militares do Terceiro Reich leram um comunicado em polonês anunciando uma falsa invasão da Alemanha. Para dar verossimilhança à cena, mataram e paramentaram com o uniforme militar polaco prisioneiros do campo de concentração de Dachau e um agricultor polonês, o único personagem identificado (por sua nacionalidade) na cena macabra.
O episódio ficou conhecido como Incidente de Gleiwitz – parte de uma estratégia maior denominada Operação Himmler. E serviu como insumo para uma campanha mentirosa cujo objetivo era construir uma narrativa de que a Alemanha havia sido violada pela Polônia.
No dia seguinte, 1º de setembro de 1.939, Hitler invadiu a Polônia. A cena falsa criada em Gleiwitz incendiou a opinião pública alemã e criou a justificativa de que o líder nazista precisava para iniciar sua expansão rumo ao Leste europeu. Foi com esse estopim falso que Hitler deflagrou a Segunda Guerra Mundial.
A construção do argumento seguiu a lógica do pragmatismo da propaganda alemã daquela época. Muito antes de conhecer Goebbles, Hitler já havia traçado as linhas de seu manual de guerra propagandística.
Em 1923, preso por haver tentado um golpe (fracassado) contra o governo da Baviera conhecido como Putsch da Cervejaria, ele escreveu a bíblia do nazifascismo na cadeia onde passou 9 meses – o livro Minha Luta. E nela está a definição das táticas e do papel que caberiam à comunicação social na expansão do novo império alemão.
“A propaganda, tanto pelas suas ideias como pela forma, deve ser organizada para alcançar as grandes massas populares e a sua justeza só pode ser avaliada pelo êxito na prática”, escreve o ditador nazista. Ou seja: a régua da propaganda não tem uma escala moral, pois é a eficiência que vai chancelar sua justeza.
Sobre a linguagem e a forma, Hitler assinala, numa passagem que denota todo seu desprezo pelas pessoas mais humildes: “As mais belas ideias de uma doutrina, na maior parte dos casos, só se propagam por intermédio dos espíritos inferiores. Não se deve considerar o que tem em mente o genial criador de uma ideia, mas em que forma e com que êxito o defensor dessa ideia a comunicará às grandes massas”.
Qualquer semelhança entre esses postulados e a algaravia bolsonarista não é mera coincidência.
Portanto, se uma mensagem, seja qual for, produziu o efeito que se espera na opinião pública, o que só ocorrerá se ela se ela for entendida pelos seres mais humildes intelectualmente, está justificada. É daí que os novos nazistas e os fascistas em geral tiram o referencial teórico que os faz defender com unhas e dentes o direito de disseminar notícias falsas. É daí que se pode entender seu desapreço pela verdade factual.
Nas mais de oito décadas que se passaram desde então, o fascismo em letargia não esqueceu as lições de seu maior mestre. A prova disso é que neste momento os próceres da extrema direita mundial convergem em direção à revivificação dos ensinamentos legados de Adolf Hitler. O recurso ao uso de fake News para travar a guerra política é talvez a mais poderosa arma que os anocratas e os nacional-populistas têm a seu dispor.
Por esta razão, mais do que nunca é importante que os democratas, todos eles, de qualquer vertente do espectro ideológico, se unam para denunciar e protestar contra a manipulação da opinião pública pretendida pelos fascistas.
As mentiras históricas provocaram abalos monumentais ao longo das eras. O suicídio de Marco Antônio, e posteriormente o de Cleópatra, foram consequência de notícias falsas.
No Brasil, a primeira eleição pós-ditadura Vargas foi maculada pela notícia falsa de que o Brigadeiro Eduardo Gomes não queria o voto dos “marmiteiros”.
Collor se elegeu em 89 espalhando que Lula iria confiscar um cômodo de cada casa para abrigar um “comunista”.
A eleição de 2016 nos Estados unidos foi fortemente influenciada por fake News patrocinadas pelo governo russo contra Hillary Clinton e a favor de Donald Trump. Desde então, o atrabiliário alaranjado move uma cruzada contra a imprensa profissional e a favor do uso indiscriminado de notícias falsas.
Agora, com a consolidação dos laços ideológicos que unem os novos Goebbels das megacorporações (Zuckerberg, e Musk) com o Hitler reencarnado em Donald Trump, o mundo democrático está em perigo iminente.
É preciso tirar da gaveta o PL 2630, que as bigtechs conseguiram arquivar em 2023. É urgente que STF declare a inconstitucionalidade do Art. 19 do Marco Civil da Internet. Não há tempo para procrastinação, pois o que está se armando no horizonte é uma mega Operação Himmler contra as democracias ocidentais.
E quando ela vier, caso venha, não haverá amanhã para a verdadeira liberdade de expressão, tão vilipendiada pelos defensores do direito de mentir para vencer o jogo da política.
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