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Por que a licença-paternidade interessa a toda a sociedade, não só a quem tem filhos

STF determinou que o Congresso legisle sobre o tema, conforme prevê a Constituição de 1988
22/12/2023 | 06h02

Por André Graziano

O ano está terminando com uma notícia que pode ser o prenúncio de um grande salto na sociedade brasileira: o Supremo Tribunal Federal determinou que o Congresso legisle, em até 18 meses, sobre a licença-paternidade, conforme prevê a Constituição de 1988:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

“Nos termos fixados em lei”: é aí que mora o diabo. Há 35 anos, a Constituinte decidiu que licença-paternidade é um direito que deveria ser regulamentado por lei. Essa lei, contudo, nunca foi aprovada. Por isso, o STF, provocado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), em 2012, decidiu que, sim, o Congresso deve legislar sobre o tema.

Por experiência própria, garanto que a licença-paternidade faz bem não apenas para o pai, mas para o grupo familiar e para a sociedade como um todo. Pude desfrutar de alguns meses com meus filhos, que nasceram em janeiro de 2023, e dividir com minha esposa a nada simples tarefa de cuidar de um casal de gêmeos recém-nascidos. Eu havia sido demitido da empresa em que trabalhava em novembro de 2022, mas, graças ao sindicato (trabalhadores, valorizem seus sindicatos!), tive o direito assegurado, já que o benefício de 20 semanas de licença-paternidade era concedido pela empresa.

Pedi à minha esposa, Mayra Pardossi, que, em poucas palavras, falasse sobre esse período. “Foi muito importante tanto nos cuidados com os bebês quanto para mim, para não me sentir sozinha. Ainda mais que me sentia muito insegura sozinha com eles”

A realidade do Brasil, contudo, é bem diferente. Por lei, atualmente, o pai tem direito a cinco dias de licença quando do nascimento do filho. Caso o empregador tenha aderido ao programa Empresa Cidadã, são 20 dias. É muito pouco.

O farmacêutico Tiago Andrelo, pai de Marcela (5 anos), e sua esposa ajustaram a data do parto para que o pai pudesse ficar mais tempo com as duas. “Foi muito difícil. Como minha esposa optou em fazer parto cesárea, escolhemos o parto para uma segunda-feira. Desta forma eu estaria mais tempo junto”, conta. Tiago teve apenas cinco dias corridos mais o fim de semana, graças a esse ajuste.

Mesmo quem consegue um pouco mais de tempo pensa não ter tido tempo suficiente. O programador Yuri Dirickson, pai de Akin (5 anos), emendou 20 dias de licença e 30 dias de férias. “Foi bom ter tido 50 dias, mas longe de ter sido suficiente”, conta. A mãe de Akin teve depressão pós-parto, e a presença dele seria ainda mais importante nesse momento.

Autônomos podem conseguir se planejar para passar mais tempo com a cria recém-nascida, mas não se pode desconsiderar uma desvantagem: sem trabalho, sem remuneração. O psicólogo, ator e palhaço Kayê Conforto, pai de Raul (5 anos) e Elis (4 anos), reduziu drasticamente o ritmo de trabalho quando os filhos nasceram. “Quando Raul nasceu, a gente vinha de um período bem ruim de trabalho. Mas eu sentia que precisava ficar mais com ele. No nascimento da Elis, eu vinha de uma época muito boa, então consegui guardar um dinheirinho e planejar melhor o período de licença”, conta.

GRUPOS FAMILIARES E SOCIEDADE GANHAM COM LICENÇA-PATERNIDADE

O relatório Licença Parental Paga e Políticas Pró-Família, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), de 2019, aponta que pais que tiram licença-paternidade estão mais envolvidos em trabalhos domésticos, dão suporte na amamentação, têm papel na redução de depressão pós-parto das mães e impactam positivamente na saúde da criança.

Os ganhos se estendem para além dos grupos familiares. “A desigualdade de gênero é uma realidade no mercado, mas ela dá um salto na maternidade. A extensão da licença-paternidade é um primeiro passo para a busca por equidade”, diz Leandro Crespo Ziotto, membro da Coalizão Licença-Paternidade e fundador da consultoria 4daddy. “As empresas também ganham: diminuem a evasão de trabalho, melhoram marca empregadora e reputação social”, completa.

Além disso, segundo Ziotto, “homens que exercem uma paternidade participativa e cuidadora aumentam a sua percepção de autocuidado, performam uma masculinidade mais saudável, possuem atitudes e comportamentos menos agressivos e desenvolvem habilidades socioemocionais tão exigidas no mercado de trabalho”.

PROPOSTAS TRAMITAM NO CONGRESSO

Inúmeros projetos de lei sobre licença-paternidade tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O senador Paulo Paim (PT-RS) apresentou uma propostsa que prevê 60 dias úteis de licença-paternidade (o que, na prática, chega a quase três meses), que podem ser fracionadas em até três períodos (sendo o primeiro, de 20 dias úteis, obrigatoriamente assim que o bebê nascer).

Na opinião do parlamentar, “o Congresso chega tarde” ao tema. “O projeto vem atender a uma demanda da Constituinte. Eu estava lá, era constituinte. De lá pra cá, não houve uma regulamentação oficial por parte do Congresso”, diz. Paim espera “apoio total” do Governo Lula à proposta.

Para Leandro Crespo Ziotto, da Coalizão Licença-Paternidade, a licença “precisa ser estendida e ampliada, obrigatória e remunerada. Que daqui a alguns anos tenhamos que debater sobre isso novamente, porque haverá novas configurações familiares e necessidades vigentes. O que não podemos mais é esperar mais 35 anos”.

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