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Meio Ambiente

Militares retiram tropas e equipamentos, e garimpeiros voltam à terra Yanomami

Ofício da Funai diz que 'desmobilização gradual' prejudicou operações contra invasores
23/12/2023 | 13h26

Murilo Pajolla — Brasil de Fato

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) manifestou preocupação com o que chamou de “desmobilização gradual” do Ministério da Defesa na Terra Indígena (TI) Yanomami, onde o governo federal conduz há 11 meses uma megaoperação que já expulsou a maioria dos garimpeiros ilegais, responsáveis por provocar uma grave crise humanitária no território.

O alerta sobre a falta de apoio das Forças Armadas está em um ofício assinado na última quarta-feira (20) pela presidenta da Funai, Joenia Wapichana e obtido com exclusividade pelo Brasil de Fato. O documento diz que os recursos destinados até agora foram insuficientes para garantir a recuperação da terra indígena e foi endereçado à secretaria de orçamento do Senado e aos ministérios da Gestão e dos Povos Indígenas.

Ouvidos pela reportagem, indígenas e indigenistas que acompanham de perto a operação corroboram a preocupação da Funai e acrescentam que, nas últimas semanas, as Forças Armadas retiraram homens e estruturas de apoio do território invadido, justamente no momento em que garimpeiros ligados a facções criminosas aumentam a presença na terra indígena.

“Sem este esforço [do Ministério da Defesa], tanto para entrega de cestas aos Yanomami mais vulneráveis, quanto para efetiva desintrusão do território, a tendência é que área de vulnerabilidade se espraie impedindo também a entrega de cestas [de alimentos] (…)”, escreveu a presidenta da Funai.

Dário Kopenawa, integrante da Hutukara Associação Yanomami, teme que a invasão garimpeira se agrave e criticou as Forças Armadas. “É uma situação de falta de responsabilidade do Exército Brasileiro, de não fazer o combate do garimpo ilegal. É um papel importante deles, sim, fundamental. Mas hoje [esse papel] enfraqueceu porque o Exército saiu da terra Yanomami”, afirmou ao Brasil de Fato.

O decreto presidencial que determinou a expulsão dos garimpeiros define que o papel do Ministério da Defesa, chefiado por José Múcio, é fornecer transporte aéreo aos demais órgãos do governo federal, além de executar ações de repressão, prevenção e prisão de invasores. Para isso, Lula (PT) já destinou à pasta pouco mais de R$ 275 milhões em crédito extraordinário via Medidas Provisórias (MPs).

Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa das Forças Armadas disse que a resposta deve vir do Ministério da Defesa, mas a pasta não respondeu aos questionamentos. A reportagem também pediu posicionamento oficial ao Ministério dos Povos Indígenas e à Funai. Se houver respostas, o texto será atualizado.

Em janeiro de 2023, governo Lula declarou emergência sanitária e deflagrou operação para retirar invasores da terra indígena Yanomami / Fernando Frazão/Agência Brasil

PONTO DE ABASTECIMENTO

Conforme o ofício da Funai, as ações de enfrentamento à crise humanitária dos Yanomami tiveram “constantes revezes” causados pela falta de aeronaves disponíveis em Roraima, seja por parte dos militares, mas também pela aviação civil privada, que não tem absorvido a alta demanda de voos à terra indígena. Do tamanho de Portugal, a TI Yanomami tem a maioria das comunidades acessíveis apenas por transporte aéreo.

“Com impacto agravante, a desmobilização gradual do Ministério da Defesa, com a retirada das estruturas de armazenagem e abastecimento de combustível para aeronaves, inviabilizou todas as atividades previstas para o final deste ano, prejudicando a atuação de órgãos como a Funai, Sesai e Ibama”, escreveu Wapichana.

O documento diz ainda que o “gargalo estrutural” no transporte aéreo provocou o “acúmulo de cestas de alimentos destinadas aos Yanomami na Unidade Armazenadora da Conab em Boa Vista, além de outros insumos necessários ao fortalecimento da segurança alimentar ao povo Yanomami, como equipamentos para estruturação de casas de farinha e kits de ferramentas”.

Estêvão Senra, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA) que começou a atuar junto aos Yanomami há 10 anos, relatou que no dia 3 de dezembro as Forças Armadas deixaram a base federal Palimiu, no rio Uraricoera, um dos pontos de garimpo mais críticos da terra indígena.

“Os militares retiraram todo o efetivo que estava ali na base do Uraricoera. Já não tem mais ninguém. E também deslocaram vários equipamentos importantes de apoio logístico para outras operações que o próprio Ibama e a Polícia Federal estavam com planos de começar a fazer agora no fim do ano”, afirmou o pesquisador do ISA.

Tanque flexível foi instalado pela FAB com capacidade de 10 mil litros para abastecer aeronaves / Agência Força Aérea/Divulgação

Segundo Senra, em 17 de novembro os militares desmontaram o ponto de armazenamento de combustível e abastecimento de aeronaves na região do Surucucu, outra área que tinha forte presença garimpeira antes da operação federal.

De acordo com uma reportagem no site da Força Aérea Brasileira, a estrutura de apoio às aeronaves foi instalada em janeiro dentro da terra indígena e servia para atender novas aldeias necessitadas de atendimento humanitário. Sem ela, o ponto de abastecimento dos aviões e helicópteros mais próximo ficava em Boa Vista (RR).

“Então a expectativa é de que vai ter uma ‘festa do crime’ agora no Natal. Há uma tendência de aumentar esse tipo de invasão, porque os garimpeiros sabem que a taxa de fiscalização diminuiu”, alerta o pesquisador.

BLOQUEIO A GARIMPEIROS

Dário Kopenawa, que representa os Yanomami, disse que nas últimas semanas o garimpo se espalhoi para comunidades onde até então não havia chegado. É o caso da porção da terra indígena que fica no estado do Amazonas, onde a mineração ilegal nunca teve presença consolidada.

A Hutukara Associação Yanomami defende que as Força Aérea Brasileira (FAB) volte a restringir o espaço aéreo, como ocorreu no início da operação de expulsão dos garimpeiros. A estratégia funcionou porque conseguiu estrangular a atividade predatória, que segundo a entidade, tem laços com o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

“Polícia Federal, Forças Armadas, Funai e Ibama têm que bloquear a internet dos garimpeiros e também transportes e alimentação. Isso tem que ser uma força tarefa com inteligência para fazer isso. Se fizer isso, os garimpeiros vão sentir fome e vão fugir da terra Yanomami”, defendeu Kopenawa.

O líder indígena também afirma que os invasores estão se aproximando de indígenas isolados, aqueles que não têm contato significativo com os não indígenas. Essas populações morrem rapidamente de doenças infectocontagiosas e são mais suscetíveis à violência dos garimpeiros.

“O povo Yanomami quer a desintrusão do garimpo ilegal. Imediatamente. Por proteção dos nossos isolados. Depois da desintrusão, povo Yanomami queremos posto de fiscalização para proibir a entrada dos garimpeiros ilegais”, reivindicou.

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