Oferecida a denúncia contra os envolvidos na trama do golpe de Estado que foi tentado no Brasil, cabe ao Supremo Tribunal Federal agora decidir se instaura ou não processo criminal contra os inimigos da democracia. Tão importante quanto o trâmite jurídico, no entanto, é acompanhar como o assunto vai evoluir na instância política.
Os parlamentares brasileiros não têm sido exatamente exemplos de obediência às leis e decisões judiciais. Muito pelo contrário: apesar do papel de legisladores, afrontam a todo momento o arcabouço legal, sob motivações escusas.
No atual Congresso, muitos verão como negativa a provável condenação dos golpistas — alguns por afinidade ideológica com Bolsonaro e seus asseclas, outros por puro instinto de autopreservação.
De saída, já sabemos a opinião de um dos protagonistas da política brasileira sobre o que aconteceu no 8 de Janeiro. Para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o que rolou naquele domingo de horror “foi uma agressão às instituições, uma agressão inimaginável”, mas não passa disso.
“Agora querer dizer que foi um golpe…. Golpe tem que ter um líder, tem que ter pessoa estimulando, apoio de outras instituições interessadas, como as Forças Armadas, e não teve isso”, disse Motta no início de fevereiro.
Passando esse pano gigantesco para os agressores da democracia brasileira, o presidente da Câmara se perfilou ao lado dos golpistas.
Dizem que ficou chateado com a repercussão de sua fala.
Talvez fosse o caso de o deputado vir a público agora, conhecida a denúncia da PGR contra os que tentaram o golpe de Estado no país. O calhamaço impressiona não só pela abundância de provas (mérito da Polícia Federal), mas também pela reconstituição minuciosa da trama. O texto pode ser lido como um romance.
“Tem inicio, meio e fim: enredo, personagens, vilões, vítima e pedido de condenação. Reconstrói no tempo e encontra o ovo da serpente, lá em 2021”, disse o jurista Lenio Streck, em postagem nas redes sociais, referindo-se à denúncia. “E tudo encadeado, culminando no 8 de janeiro, não sem antes passar pelo plano de assassinato”.
Não é preciso ser expert em Direito para entender o roteiro golpista — seja pelo detalhamento extremo de todas as práticas criminosas ou pela forma simples como os fatos são apresentados pelo PGR.
Se gastar um tempo de sua atribulada agenda para ler a denúncia, Hugo Motta certamente vai confirmar que houve tentativa de golpe. O plano posto em prática desde 2021 está completamente descrito no documento, tim-tim por tim-tim.
Estão ali apontados os estimuladores, as instituições interessadas e a liderança do golpe, que o presidente da Câmara não sabe quem é. Atenção, Motta, aí vai um spoiler: o cabeça é Jair Bolsonaro.
Recuperado do susto, que o deputado leia a denúncia até o final. Assim saberá que o fato de as Forças Armadas não terem aderido à aventura foi fator decisivo para o fracasso do atentado às instituições.
Se depois de chegar ao ponto final do texto de Gonet o presidente da Câmara ainda tiver dúvida se tivemos uma tentativa de golpe no Brasil, estará passando atestado: é ele próprio um golpista.
Que a partir de então seja tratado como inimigo pelos democratas.
Olho nele.
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