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Indígenas acusam PM de conivência em assassinato de liderança no sul da Bahia

Em nota, PM afirma que chegou ao local após os disparos que mataram Nega Pataxó
23/01/2024 | 07h40

Gabriela Amorim — Brasil de Fato

Indígenas que presenciaram o ataque de ruralistas a indígenas na tarde de domingo (21), em Potiguará (BA), afirmam que houve conivência da Polícia Militar (PM). De acordo com lideranças Pataxó Hãhãhãe, a PM estava presente no local do conflito, mas permaneceu distante dos fazendeiros armados e não impediu que fossem feitos os disparos que atingiram Maria de Fátima Muniz Pataxó, a Nega, que faleceu no local, e o cacique Nailton Pataxó, que se encontra internado no Hospital de Itapetinga (BA).

Um tiro atingiu um dos rins de Nailton e ele precisou passar por cirurgia. Uma mulher indígena teve o braço quebrado e outras pessoas foram hospitalizadas, mas não correm risco de morte.

Questionada pelo Brasil de Fato sobre a acusação, a PM afirmou, por meio de nota, que, ao chegarem ao local, os soldados encontraram duas pessoas baleadas que foram encaminhadas para atendimento médico.

“Na tarde de domingo (21), policiais da 8ª CIPM e da Cipe Sudoeste intervieram em um confronto entre fazendeiros e indígenas em uma propriedade rural em Itapetinga. No local, os PMs encontraram duas pessoas atingidas por disparos de arma de fogo e que foram conduzidas a uma unidade de saúde. Uma delas não resistiu aos ferimentos. Um homem, atingido no braço por uma flecha, também foi socorrido”, diz a nota.

Lideranças indígenas contestam e afirmam que a PM participou, inclusive, do fechamento de estradas junto com os fazendeiros durante o conflito. Indígenas presentes no local afirmaram ainda que, fingindo realizar uma mediação, a polícia teria possibilitado a passagem dos fazendeiros até o local onde aconteceram os disparos.

Corpo da líder Nega Pataxó. A seu lado, Nailton, ferido

Cerca de 200 ruralistas da região se organizaram por meio de um aplicativo de mensagens, de acordo com nota do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que enviou comitiva chefiada pela ministra Sonia Guajajara (PSOL) ao local nesta segunda-feira. Os fazendeiros e comerciantes se articularam para recuperar, sem decisão judicial, a posse da Fazenda Inhuma, retomada por indígenas no último sábado (20).

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), o ataque foi promovido por um grupo que denomina “Movimento Invasão Zero”. A secretaria também determinou o reforço, por tempo indeterminado, do patrulhamento ostensivo na região, que fica perto das cidades de Itapetinga e Pau Brasil.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou nota condenando o ataque e frisando a importância da demarcação de terras indígenas para solucionar o crescente conflito de terras no país.

A nota da PM afirmou que foram realizadas buscas na região, sendo presos dois homens portando revólveres. O material apreendido e os homens detidos foram apresentados à Polícia Civil, que autuou os dois fazendeiros por homicídio e tentativa de homicídio.

“Posteriormente, chegou ao conhecimento da PM que deram entrada no hospital outras seis pessoas com ferimentos provenientes do embate. O policiamento na região segue sendo realizado com intuito de prevenir novos confrontos”, diz a nota.

Protesto do MST pela morte de Nega Pataxó

MST PROTESTA

Centenas de famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) bloquearam rodovias no estado da Bahia na manhã desta segunda-feira (22), em protesto após o ataque de ruralistas que terminou com a morte da liderança indígena pataxó Hã-Hã-Hãe no último domingo.

Os bloqueios aconteceram nas rodovias BR-101 (em dois pontos no extremo sul baiano) e BR-263, na altura de Itambé, sudoeste do estado. Os grupos que participaram dos atos deixaram os piquetes por volta de 12h, de maneira voluntária.

Em nota, o MST na Bahia “repudia a ação violenta do grupo de fazendeiros milicianos, ao mesmo tempo que exige do Estado uma investigação célere sobre esse grupo de milicianos que estão praticando diversas ações criminosas na Bahia, atuando como se fosse um Estado paralelo e agindo por cima da lei”.

No encontro com a comitiva federal, os indígenas relataram a anuência da PM com os ataques e acusaram os policiais de omissão de socorro e de apoio aos fazendeiros. O representante do ministério da Justiça e Segurança Pública, Jonata Carvalho Galvão da Silva, disse que vai haver investigação das denúncias relatadas sobre a ação de milícias privadas, da atuação da PM, e sobre a ocorrência de ameaças e tortura de indígenas na região.

Ministra Sonia Guajajara em visita no hospital ao cacique ferido a tiros pelos fazendeiros

MARCO TEMPORAL

A ministra Sonia Guajajara; a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, e a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), integrantes da comitiva interministerial do governo federal que foi ontem (22/1) para a Bahia, visitaram os feridos no confronto, entre eles, o cacique Nailton Muniz, do povo Pataxó Hã Hã Hãe, que se recupera de cirurgia após ter sido baleado no abdômen durante ação de fazendeiros. “O nosso povo precisa viver porque a história do nosso povo enriquece o nosso país. Não vamos aceitar sermos tratados dessa maneira”, disse o cacique durante a visita da ministra, num hospital de Ilhéus.

A diretora de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Claudia Dadico, disse que a ouvidoria do MDA tem recebido denúncias que indicam que o mesmo grupo coordenado por ruralistas têm atuado também em outros estados do Brasil.

Falando sobre a necessidade do Supremo Tribunal Federal barrar mais uma vez a tese do marco temporal, a deputada Célia Xakriabá disse que, se o marco não for derrubado, vão ser orquestrados vários derramamentos de sangue em todo o Brasil. “Quando se arranca o direito de povos indígenas, está arrancando o direito de toda população”, disse.

O sudoeste da Bahia, assim como o sul do estado, vive um longo histórico de conflitos fundiários entre fazendeiros e indígenas Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, que têm denunciado ameaças, violências e invasão de seus territórios.

GOVERNO DO ESTADO

O governador Jerônimo Rodrigues informou, por meio da Secretaria de Comunicação da Bahia, que realizou uma reunião na noite de domingo (21) com parte do secretariado e comandantes de forças de segurança para tratar do assunto. De acordo com o texto, a reunião foi realizada para monitoramento e alinhamento da atuação dos órgãos estaduais envolvidos na resolução do confronto.

Jerônimo pontuou a atuação das forças de segurança na região e se solidarizou com a morte da indígena Maria de Fátima Muniz de Andrade. “Meus sentimentos e solidariedade à família e a toda comunidade indígena da Bahia e do Brasil. É inaceitável qualquer tipo de violência, contra qualquer comunidade. E quero afirmar o rigor na apuração e na punição dos culpados”, declarou o governador.

O encontro teve participação dos secretários estaduais da Justiça e Direitos Humanos, Felipe Freitas; da Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais, Ângela Guimarães; de Comunicação, André Curvelo; do chefe de Gabinete do Governador, Adolfo Loyola; do subsecretário de Segurança Pública, Marcel Oliveira; da delegada-geral, Heloísa Brito; e do comandante-geral da Polícia Militar, coronel Paulo Coutinho. Além de participação por videoconferência da secretária da Saúde, Roberta Santana; do secretário de Segurança Pública, Marcelo Werner; e da superintendente de Políticas para os Povos Indígenas, Patrícia Pataxó.

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