As notas mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) demonstram desigualdade na educação brasileira. De todos os 60 candidatos que atingiram pontuação máxima, apenas quatro são de escolas públicas — 46,7% dos 2,7 milhões de participantes da prova, aliás, são da rede estatal de ensino.
Para a secretária de assuntos educacionais do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Pernambuco (SINTEPE), Marília Cibelle, a baixa contribuição para as notas máximas na redação é resquício da pandemia, mas também da política educacional adotada no governo do ex-presidente Michel Temer e aprofundada no de Jair Bolsonaro, com esvaziamento do Ministério da Educação e retirada de investimentos.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), metade dos jovens que concluíram o ensino médio em 2023 participaram do exame. Quando se observa apenas o ensino público, o número é um pouco menor: 46% dos estudantes concluintes de escolas públicas fizeram o Enem 2023.
A diretora da cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE), Maya de Sena aponta que os últimos resultados do Enem escancaram as desigualdades entre o ensino público e privado, principalmente porque esta juventude que está nas escolas públicas “tem que se dividir entre estudar e trabalhar, priorizando cada vez mais o trabalho”.
PROGRAMA PÉ-DE-MEIA
Diante dos dados que apontam a dificuldade dos estudantes concluírem o ensino médio nos últimos anos, o governo federal criou o Programa Pé-de-Meia, que consiste em um incentivo financeiro para estimular a permanência no ensino médio e a realização do Enem pelos estudantes da rede pública.
Marília Cibelle acredita que o programa “vai impulsionar, mas não podemos esquecer que não se assegura a permanência desses estudantes na sala de aula se não garantir condições de trabalho para esse professor, se não garantir para ele uma carreira e atrair jovens para a docência, para a licenciatura”.
No âmbito estadual, a diretora do SINTEPE aponta que as poucas notas máximas na redação refletem a ausência de uma política educacional direcionada. Pernambuco é o estado que mais possui escolas em tempo integral, “mas a gente vê que isso não se reflete na retomada das políticas de valorização dos trabalhadores e na política de permanência desses estudantes”, conclui.
INVISIBILIDADE
Como de costume, o tema da redação do Enem — “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” — foi assunto de debate no fim de 2023. A questão da invisibilidade do trabalho do cuidado realizado pelas mulheres dividiu opiniões. Houve incompreensões sobre sua relevância.
Para Betânia Ávila, socióloga e militante da ONG feminista SOS Corpo, essa é uma grande questão para a sociedade, pois faz parte do cotidiano e “é também um trabalho que do ponto de vista do sistema que a gente vive — esse sistema capitalista, racista e patriarcal —, é um trabalho cuja invisibilidade favorece a acumulação capitalista. Porque o fato dele não ser visto, faz ele não ser valorizado, não ser entendido como um trabalho.” Ela ressalta como a escolha do tema coloca milhares de jovens para refletirem sobre ele.
A média nacional das redações foi de 641,6, o que pode indicar uma dificuldade dos estudantes em dissertarem sobre o assunto. “Acho que é uma forma de aprendizado, porque a reflexão sobre algo, escrever sobre algo, é uma maneira de você dizer o que sabe, mas há um momento de compreensão que eleva o seu grau de conhecimento e também de sensibilidade sobre aquela temática”, conclui.
Diante da média, Maya de Sena lembra que essa juventude que fez o Enem 2023 é a mesma que vivenciou a implementação do Novo Ensino Médio, projeto educacional que secundariza a reflexão política e social dentro das escolas. “Eles não têm essa formação, não são provocados a pensar. Como que a gente supera isso?”, indaga.
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