Por José Cícero, Agência Pública
Entre 2016 e 2023, as polícias militares e civis da Bahia, Pernambuco e do Rio de Janeiro, além das polícias Federal e Rodoviária, estiveram envolvidas em 331 chacinas. Chacinas são definidas quando ao menos três civis foram mortos em uma mesma ação. Ao todo, 1.330 pessoas morreram em decorrência de ações policiais nessas chacinas Os dados são de um levantamento exclusivo do Instituto Fogo Cruzado ao qual a Agência Pública teve acesso.
Na pesquisa, o instituto ressalta uma tendência: as operações policiais foram mais letais logo após um policial ter sido morto ou ferido. Essas ações, chamadas de “operações vingança”, foram em média 35% mais letais.
De acordo com o levantamento, a maior chacina policial aconteceu em 6 maio de 2021, na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Ela acabou com 27 civis mortos, após uma operação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas.
Naquele dia, logo no início da manhã, às 6 horas, o inspetor André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos, foi baleado na cabeça, quando saía do veículo blindado, conhecido como caveirão, para remover uma das barricadas que impedia o acesso dos agentes à comunidade. Frias chegou a ser socorrido no hospital municipal Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu.
No período de duas horas, após a morte do inspetor, aconteceram 17 das 27 mortes, todas num perímetro de 1,5 km entre si, conforme noticiou o site UOL. As outras dez mortes foram cometidas por agentes no decorrer do dia. A ação envolveu 250 policiais, quatro blindados e dois helicópteros.
Desde julho de 2016, quando o Fogo Cruzado começou a monitorar a violência no Rio de Janeiro e na região metropolitana, ocorreram 285 chacinas em ações policiais. Ao todo, 1.154 pessoas morreram e 63 ficaram feridas em decorrência da atuação da polícia. Mais de 10% dessas chacinas (31) ocorreram depois que um agente foi ferido ou morto – como no caso da favela do Jacarezinho.
A segunda chacina policial mais letal do Rio de Janeiro aconteceu no dia 24 de maio de 2022, na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte da cidade – um ano após a operação no Jacarezinho. Ao todo, 23 pessoas morreram e cinco ficaram feridas durante a ação conjunta do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Na época, o governador Cláudio Castro (PL) negou que se tratava de uma chacina, mas um “efeito colateral” da operação. “Infelizmente, tem hora que o efeito colateral da operação é esse. A gente não celebra esse tipo de morte, mas a polícia está fazendo o trabalho dela”, disse Castro após uma reunião com o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília, que tinha como objetivo tratar das operações policiais nas favelas cariocas e da letalidade policial.
Chacina com mais mortes na Bahia aconteceu após assassinato de policial
Na Bahia, a intervenção mais letal da polícia foi registrada no dia 15 de setembro de 2023, após a morte do policial federal Lucas Caribé Monteiro de Almeida, de 42 anos. O agente morreu durante um confronto com suspeitos de fazerem parte de um grupo criminoso, no bairro Valéria, em Salvador. Na ação, quatro civis também morreram. Um policial civil e outro federal ficaram feridos, segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). No mesmo dia, algumas horas depois, mais três pessoas foram mortas.
Em 21 de setembro, seis dias após a morte do policial federal, uma operação envolvendo agentes da Polícia Militar, Polícia Civil, PF e equipes das Rondas Especiais (Rondesp) deixou cinco pessoas mortas no Bairro Jardim Nova Esperança, em Salvador.
No dia seguinte (26), mais cinco pessoas morreram após uma operação policial em Águas Claras, bairro da capital. Na ação, estavam envolvidos agentes da PF, PRF, Polícia Militar e Coordenação de Operações e Recursos Especiais (Core).
Apenas entre 4 e 22 de setembro deste ano, 21 pessoas morreram em cinco chacinas policiais em Salvador e na região metropolitana. Desde julho de 2022, foram 40 chacinas com 159 mortos e seis feridos.
Governador da Bahia fala em “novas ações” em ano marcado por chacinas
No início de agosto deste ano, a SSP-BA e a Superintendência Regional da Polícia Federal se reuniram na sede da PF em Salvador, assinaram um Acordo de Cooperação Técnica e iniciaram no estado a ação conjunta da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco).
Com a assinatura do acordo, agentes das forças de segurança do estado e da PF passaram a atuar juntos em operações de enfrentamento das organizações criminosas e na descapitalização desses grupos.
No mês de agosto não houve chacina policial com a participação da PF. No entanto, em setembro, nas três chacinas que ocorreram após a morte do policial Lucas Caribé, a PF esteve envolvida e passou a reforçar a presença do grupo no estado.
No mesmo dia em que o agente foi morto, a PF enviou duas equipes do Comando de Operações Táticas (COT) ao estado. Ainda na mesma semana, um navio da Marinha desembarcou três viaturas blindadas vindas do Rio de Janeiro para reforçar o combate ao crime organizado.
No dia 25 de setembro, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), esteve em Brasília para tratar de demandas. Em sua rede social, o gestor baiano publicou o resumo de um encontro que teve com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. “Viemos aqui consolidar uma estratégia que a gente vem trabalhando desde o início do governo Lula – não faltou a presença do Governo Federal nessa parceria. Viemos aqui agora fazer os ajustes, melhorar cada vez mais a nossa ação. Vocês estão vendo cada vez mais a ação da Polícia Militar, Polícia Civil, em parceria com a Polícia Federal, viemos discutir e avaliar a ação que nós fizemos e a partir daqui, novas ações”, disse.
Na ocasião, o ministro Flávio Dino deixou um recado para o povo da Bahia. “A mensagem em primeiro lugar é de reconhecimento do trabalho do governo do estado. Tem dialogado conosco permanentemente e este é o caminho correto… para proteger os direitos e a liberdade do povo da Bahia. A Polícia Federal está atuando em parceria há várias semanas. Nós temos operações integradas e agora esse acordo, essa aliança, entrando numa nova fase: nós vamos intensificar essas operações conjuntas e nós vamos ampliar a definição de recursos, de equipamentos, de tecnologia, para essas ações conjuntas. E eu tenho toda confiança que os resultados que já estão aparecendo vão ser cada vez melhores”, disse Dino.
No mesmo dia do encontro, o governo do estado da Bahia publicou uma nota comunicando o investimento de R$ 3 bilhões no combate à violência. “Somente neste ano, 33 novas unidades policiais foram entregues, mais de 700 novas viaturas – incluindo semiblindadas – foram adquiridas e mais de 2.500 policiais foram contratados.”
Os investimentos que esse governo e os anteriores têm feito no combate à violência, de acordo com o especialista Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra e coordenador executivo da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, na prática, não têm contribuído para a redução da letalidade policial. “Nós temos visto ao longo dos últimos anos, na verdade, uma intensificação dessa violência policial com resultado de letalidade que tem a ver com mais de um elemento: com opções erradas dos últimos governos de fortalecer, por exemplo, as [tropas policiais] especializadas, que fortalecem o militarismo, mas também colocam mais recursos nas unidades que têm o índice maior de letalidade.”
Em Pernambuco, após a morte de PMs, familiares de suspeitos foram mortos
Desde 2018, 17 pessoas perderam a vida em decorrência de seis ações policiais em bairros do Recife e região metropolitana, em Pernambuco.
A maior chacina registrada pelo Fogo Cruzado aconteceu em Camaragibe, em setembro de 2023, quando seis pessoas foram mortas. Na noite do dia 14 de setembro, por volta das 21 horas, o soldado da Polícia Militar Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e o cabo Rodolfo José da Silva, de 38, do 20° Batalhão da PM, foram mortos após um tiroteio no bairro de Tabatinga.
Os agentes foram ao local após a central da Polícia Militar ter recebido uma denúncia via 190 de que homens estariam armados em cima de uma laje. Durante o confronto, uma mulher grávida de 18 anos e um adolescente de 14 anos ficaram feridos e foram hospitalizados.
Na madrugada do dia 15, por volta das 2 horas, os irmãos Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos, foram baleados por homens encapuzados. Ágata transmitiu a abordagem ao vivo pelas redes sociais.
Por volta de 11 horas, na manhã do dia 15, Alex da Silva Barbosa, de 33 anos – irmão de Ágata, Amerson e Apuynã –, suspeito de ter atirado contra os dois PMs, foi morto durante uma suposta troca de tiros com um efetivo em Tabatinga. Horas depois, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e o da esposa, Nathalia Campelo do Nascimento, de 27 anos, foram encontrados num canavial no município de Paudalho.
A governadora do estado de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), em pronunciamento sobre o caso para a imprensa, afirmou que a polícia está investigando as circunstâncias em que cada uma dessas mortes ocorreu. “Um grupo de operações especiais da Polícia Civil foi destacado para conduzir essas investigações. Nós, do governo de Pernambuco, estamos atentos e tomando todas as providências necessárias para garantir a paz social no nosso estado. Fortalecendo também as nossas equipes policiais.”
Não é a primeira vez que parentes de suspeitos de atirarem contra policiais são mortos após o óbito de agentes de segurança. Em novembro de 2022, o sargento da Polícia Militar Leite Júnior, de 52 anos, foi morto a tiros durante uma briga de bar em Caruaru, Agreste de Pernambuco.
Após a morte de Leite Júnior, na mesma noite, o suspeito de ter atirado contra o sargento, a esposa e o cunhado foram mortos por uma equipe da Polícia Militar do Batalhão Especializado de Policiamento do Interior (Bepi) – de que ele fazia parte. Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), os três estavam armados em um veículo e não obedeceram à ordem de parada.
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