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Andrea Dip

Jornalista investigativa e estudante de psicanálise. Autora do livro-reportagem “Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder". É pesquisadora na Freie Universität de Berlim e apresenta o podcast Pauta Pública na Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

A dança das cadeiras da direita

Campo tenta se reconfigurar para atrair o centro
18/09/2024 | 06h01

O agitador candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), é de extrema direita? Se sim, por que ele — após apoiar a candidatura de Bolsonaro à reeleição em 2022 — agora rivaliza com o bolsonarismo que é a face da nova extrema direita brasileira? E José Luiz Datena (PSDB) que carrega há mais de 20 anos o clamor punitivista em seus programas de televisão? É menos de direita por ter aceito as provocações do rival e dado uma cadeirada em Marçal? Em que lugar dessa régua estaria, então, o atual prefeito de SP e candidato à reeleição Ricardo Nunes, que se opõe a Marçal e Datena mas recentemente recebeu o apoio oficial do ex-presidente Jair Bolsonaro — que, sempre bom lembrar, no início da campanha municipal tecia elogios a Marçal? É de extrema direita? E a Marina Helena, do Novo?

Com poucas propostas concretas para solucionar problemas graves e estruturais de uma cidade do tamanho de São Paulo — ou com ideias absurdas como construir um prédio de 1 km — essa régua tem se tornado uma pauta central nas discussões, principalmente entre os próprios candidatos citados, que se acusam de ser “comunistas”, “esquerdistas” e levantam falsas acusações clichês contra o único candidato realmente de esquerda na disputa, Guilherme Boulos (PSOL), e o provocam o tempo todo a reagir às investidas, nos minutos de debate em que poderiam estar discutindo saneamento básico ou medidas para a contenção da emergência climática que literalmente sufoca a população.

Marina Helena inclusive tem se proclamado como a “única candidata de direita” na disputa eleitoral, como se isso por si legitimasse sua eleição.

Com o avanço de uma nova extrema direita ou de um neofascismo no mundo todo, essa régua que posiciona figuras no espectro político da direita tem se tornado uma ferramenta importante inclusive para a própria direita.

Em um congresso que acompanhei na última semana em Berlim, chamado “Berlin Campaign Conference” (Conferência de Campanha em Berlim), o principal tema discutido entre políticos de partidos conservadores da Europa, Estados Unidos e Nova Zelândia foi como puxar para a direita os votos dos eleitores que se posicionam mais ao centro. “Não tentem correr atrás dos votos da AfD, a oportunidade está na maioria silenciosa que não se identifica com nenhum extremo” diria um membro do Partido Conservador Britânico. Ele se referia ao partido alemão de ultradireita “Alternative für Deutschland” (Alternativa para a Alemanha), que tem crescido de maneira assustadora no país. E, claro, um dos principais segredos estaria em se aproveitar melhor das redes sociais, sobretudo o TikTok, onde os jovens estão.

Para os palestrantes do evento — promovido pela organização “The Republic” — que diz querer “influenciar ativamente a formação da opinião pública e quebrar a liderança da opinião de esquerda no discurso social” e “criar uma rede de multiplicadores liberais-conservadores para formar a futura geração de impulsionadores do debate civil, impulsionados pela visão de dinamizar o ativismo conservador alemão” — a extrema direita vem deixando votos perdidos pelo centro. Seria parte da estratégia de partidos ultraconservadores menos raivosos em seus discursos, se distanciar da imagem extrema para ganhar o centro. Não se engane: as falas ali eram absolutamente xenófobas, pró-armas, pró-Trump, negacionistas climáticas, Estado mínimo, o starter pack da ultradireita. Mas essa tentativa de se afastar da imagem extrema para ganhar o centro foi o que me chamou a atenção: As unidades de medidas dentro da nova direita parecem estar se adaptando ao momento.

“Num guarda-chuva da ultra direita, a extrema direita é aquela que tem um discurso frontalmente antidemocrático contra as instituições. E a direita radical integra as suas demandas, os seus valores, as suas ambições políticas dentro de um quadro institucional democrático, buscando transformar essas instituições de acordo com as suas leituras mais particularizadas da sociedade. Então, a direita radical faz uso do jogo democrático. É claro que essa distinção é muito útil do ponto de vista analítico, mas se consideramos a ultra direita como um guarda-chuva, ele acaba integrando muitas pautas, muitas bandeiras que estão indistintamente presentes, seja no campo da direita radical, seja no da extrema direita” explica o historiador especializado em extremismo de direita, violência política e história do neofascismo Odilon Caldeira Neto, que é professor adjunto de história contemporânea no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenador do Observatório da Extrema Direita.

Ele diz que existem alguns pontos de convergência da moralidade, da centralidade heteropatriarcal, do resgate dos valores tidos como tradicionais, o conservadorismo de costumes, etc. mas lembra que também existe uma diversidade dentro do próprio campo bolsonarista, “sejam aqueles inspirados na referência de Olavo de Carvalho, sejam naquelas tensões mais próprias do campo militar, assim como alguns expoentes de uma certa radicalização neoliberal, que em grande medida foi o campo ali onde o Pablo Marçal teve uma grande interlocução com o bolsonarismo”.

Sobre Marçal, talvez ainda seja cedo para classificar, define Odilon. Mas explica que o coach talvez chegue à condição de uma extrema direita, não por conta da mobilização de questões clássicas, como uma referência ao fascismo histórico, ao integralismo no caso brasileiro, ou mesmo à questão do militarismo, que foi tão forte no bolsonarismo:

“Eu acho que a questão das novas tecnologias, onde o discurso é populista e reacionário, da segurança pública, do punitivismo, estabelece uma via muito comum a extrema direita, que é fortemente marcada por condições latino-americanas e que se amplia, se a gente pensa o fenômeno do Trumpismo. Então nesse sentido, me parece que o Pablo Marçal pode ser caracterizado como fenômeno da extrema direita em torno desse tom do punitivismo, que ultrapassa as raias da institucionalidade democrática”, diz.

E acrescenta: “No caso do Datena, eu acho que ele utiliza da questão da segurança como uma trajetória política desde os seus tempos de comunicador, mas é uma figura que faz o resgate de uma direita que hoje em dia já pode ser considerada mais clássica do que aquilo que foi outrora, em alguma medida, o malufismo em São Paulo, o discurso da Rota, da segurança, também do punitivismo, mas sem uma demagogia que possa ser compreendida em torno de uma via anti ou mesmo não institucional como é o caso do Pablo Marçal. Datena é a figura mais de uma direita, que pode ter algumas características autoritárias, mas não está necessariamente presente dentro desse campo da ultra direita. Eu vejo Marçal mais como o expoente de uma tendência do próprio bolsonarismo, e daí tem uma disputa do campo da ultradireita no caso de São Paulo, que converge desde a candidatura do Novo até a candidatura do atual prefeito e também essa figura mais midiática e radicalizada do Pablo Marçal”.

A questão é que nessa dança das cadeiras da direita, o debate de pautas importantes e urgentes para a população é que está ficando sem lugar.

 

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