ICL Notícias
Eliana Alves Cruz

Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista. Foi a ganhadora do Prêmio Jabuti 2022 na categoria Contos, pelo livro “A vestida”. É autora dos também premiados romances Água de barrela, O crime do cais do Valongo; Nada digo de ti, que em ti não veja; e Solitária. Tem ainda dois livros infantis e está em cerca de 20 antologias. Foi colunista do The Intercept Brasil, UOL e atuou como chefe de imprensa da Confederação Brasileira de Natação.

Colunistas ICL

A festa (estranha) da democracia brasileira

O tiro no pé das bizarrices eleitorais contemporâneas
03/10/2024 | 05h00

No próximo final de semana acontece o primeiro turno das eleições municipais 2024. Uma jornada que pontua mais um capítulo da democracia nesta terceira década do século 21, a grande festa do povo. Como diria a música: “Festa estranha com gente esquisita”.

Depois da era em que os bizarros vídeos do horário eleitoral eram as estrelas absolutas e faziam a festa dos humoristas, chegamos nos tempos de redes sociais, da hiperconectividade, das mentiras toleradas e dos bizarros candidatos que parecem querer tudo, menos exercer as funções que pleiteiam.

Uma campanha pautada pela violência verbal e física, pela morte banalizada e por uma parcela gigante de propostas sem base possível de realização, mas com grande eco nos anseios por receitas de sucesso fácil, mostram apenas uma coisa: a falência da mídia hegemônica em comunicar e ser de fato “o quarto poder”. Obviamente que existem as honrosas exceções, mas nunca o Brasil precisou e careceu tanto da imprensa como aquele elemento que traz seriedade e, como na fábula infantil, revela que “o rei está nu”.

A insatisfação com a política é parte da história e é legítima. A questão é como ela se manifesta e como esta frustração se concretiza. Guardados os devidos contextos de época, o Brasil já “elegeu” vereador de São Paulo, em 1959 um rinoceronte, o Cacareco; prefeito de Vila Velha, no Espírito Santo, em 1987, o mosquito-da-dengue; e fez de um macaco o terceiro mais votado a prefeito do Rio de Janeiro, em 1988.

O voto impresso fez do Macaco Tião, ilustre morador do zoológico do Rio, uma celebridade nacional. O bicho foi parar no Guiness World Records em 1988, quando a revista humorística Casseta Popular o lançou à Prefeitura como forma de voto de protesto. O resultado foram 400 mil votos, o que colocaria Tião como o 3º mais bem-colocado nos resultados, caso sua candidatura fosse validada pelo Tribunal Regional Eleitoral.

O voto de protesto dos tempos atuais não tem nada de engraçado, curioso ou divertido. O Brasil inventou o tiro no pé eleitoral ao alavancar figuras que não propõem nada de construtivo para as cidades e o país, apenas por se dizerem “antipolítica”, seja lá o que isso signifique. Pessoas que se aproveitam da total falta de conhecimento sobre o funcionamento de uma república como a brasileira, sobre as funções inerentes às três esferas governamentais (o que está no alcance e o que não está de quem ocupa cada cadeira?), quais são os deveres do Executivo, Legislativo e Judiciário.

A total falta de educação para a política faz aqueles que são governados por ela generalizarem todos e todas na prática da corrupção, dizerem que a odeiam, que não querem envolvimento… terreno fértil para o surgimento e crescimento de populistas desonestos. Abandonou-se o combate ao charlatanismo e estelionato eleitoral para dar voz a isto, para amplificar estas vozes. Tudo somado a uma epidemia de tristeza e desesperança juvenis em um mundo em chamas, que os cientistas já nomearam de “piroceno”, a Era do Fogo.

Recuperemos a tarefa de informar. Recuperemos as horas que se esvaem. Vamos às urnas não para protestar votando no “Macaco Tião” da vez, mas conscientemente ouvindo os problemas e desafios da nossa sobrevivência e existência.

Há um trabalho a ser feito. Ainda há tempo!

 

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail