ICL Notícias

Pessoas ilhadas em cima de telhados esperando socorro. Cidades isoladas, sem acesso, sem saída. Ruas que viraram rios de água e lama. Morros que deslizaram, carros e construções sendo arrastados como se fossem barcos de papel. Casas submersas, vidas submersas, pessoas que perderam tudo.

Treze mortos, 21 desaparecidos, 4.500 refugiados ambientais, 114 cidades destruídas, 335 militares lutando contra o tempo, estradas e pontes que desapareceram como se nunca tivessem existido.

Os números não param de subir, o socorro não chega para todos e não há tempo para o luto — porque a chuva não cessa, porque o perigo não passou.

O governador Eduardo Leite (PSDB) disse tratar-se da maior tragédia da história do estado e falou em um “cenário de guerra”, mas essas definições repetidas em momentos como esse são pouco diante da catástrofe no Rio Grande do Sul.

Embora tenha reagido como se fosse algo inesperado, o governador tucano sabia, assim como todas as autoridades do estado, que a previsão do tempo anunciava um dilúvio.

“As cidades estão com uma capacidade muito baixa de absorver essa água. Pequenas e rápidas chuvas, as nossas cidades já não dão conta. Nossos governantes não podem alegar surpresa porque o MetSul anunciou que maio seria um mês de muita chuva. Agora estamos trabalhando como se fosse uma surpresa. Sob o ponto de vista do planejamento urbano, a gente tem falhado e muito, tornando as nossas cidades cada vez mais cinzas, sem capacidade de absorver essa água. As chuvas rápidas e intensas são o novo normal, a gente precisa trabalhar dessa perspectiva”, disse ao ICL Notícias Marina Bernardes, arquiteta e urbanista gaúcha.

Os relatos que chegam dos municípios atingidos pelos temporais são aterrorizantes. Como este da prefeita de Sinimbu, cidade de 10 mil habitantes a 195 quilômetros de Porto Alegre:

“O município de Sinimbu está totalmente destruído”, afirma a prefeita Sandra Roesch Backes (DEM). “Nós não temos acesso às localidades, ficamos sem pontes, sem estrada, sem comércio, sem indústria. Nossa cidade não tem postos de gasolina, não temos supermercados, não temos agência bancária, não temos creche, não temos mais prédios públicos — foram todos destroçados. Não temos água, não temos luz, não temos mais comida. E não temos condições ainda de saber o número de vítimas, as pessoas estão penduradas em árvores, trepadas nos telhados pedindo por socorro, mas só temos uma pequena embarcação. É uma total impotência.”

O Rio Taquari, que atravessa 390 km do estado, ultrapassou o nível de 30 metros pela primeira vez na história, fechando a BR 386. A Polícia Rodoviária Federal reportou 30 bloqueios totais de rodovias no estado.

Há risco de rompimento de uma represa em Caxias do Sul. São aproximadamente 169 mil pontos sem energia elétrica, e mais de 440 mil sem abastecimento de água. O governo pediu que os moradores do Vale do Taquari deixem suas casas nas cidades de Santa Tereza, Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Encantado e Lajeado. Há mais de 1000 pessoas em abrigos improvisados.

Dezenas de cidades enfrentam destruição parecida com a de Sinimbu. Em Canudos do Vale, pequena cidade com pouco mais de 1.600 habitantes, três pontes que ligavam o município a outras cidades foram destruídas.

Ninguém entra e ninguém sai, deixando moradores em desespero. Serviços básicos como postos de saúde não estão funcionando. As aulas na rede municipal foram suspensas por tempo indeterminado.

As informações sobre a situação são divulgadas pela técnica em agropecuária Graziela Petry, da Emater (Instituição de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social), que está na vizinha Lajeado e conseguiu contato com a prefeitura local.

“Canudos do Vale passa por uma situação muito difícil”, ela disse à Folha de S. Paulo. “Mas neste momento não temos risco de morte”. Segundo a técnica, apesar dos estragos, não há informações sobre mortos ou feridos.

Segundo Marina Bernardes, que é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí, “do ponto de vista de plano de contingência, que é uma luta que nós temos nas nossas cidades gaúchas para que as pessoas não sejam pegas de surpresa, o município precisa ter mapas com as cotas de inundação, as áreas de risco. As pessoas tinham que ter sido evacuadas na semana passada e a gente está vendo o governador afirmar hoje que não tem como resgatar todo mundo”.

Em Estrelas, a prefeitura pediu ajuda de helicópteros para resgatar pessoas ilhadas. Em Montenegro foi cancelado o transporte de pacientes pela Secretaria Municipal de Saúde. Nesta quinta-feira (2) apenas as pessoas que têm hemodiálise agendada serão transportadas.

No município de Muçum, o prefeito Mateus Trojan (MDB) informou que a situação na área rural é desconhecida por falta de comunicação e acesso. Ele trabalhou na madrugada desta quinta em uma sala do hospital municipal. “Foi o único local que restou para fazermos alguma organização administrativa”, explicou.

 

“A gente já tinha alertado que nossas cidades não teriam mais capacidade de absorver água. Por que o governo seguiu asfaltando? Por que a gente seguiu pensando em praças que só têm áreas cinzas e não têm canteiros e jardins para poder conter essa água? Muitas cidades precisam se tornar parques alagáveis, porém as pessoas estão morando nesses parques alagáveis. Teríamos que remover a moradia de muitas regiões, garantir moradia digna para essas pessoas em lugares seguros e transformar esses espaços em lugares que vão conter essa água em episódios de chuva”, disse Marina Bernardes.

 

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