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Lenio Streck

Jurista, professor e advogado; doutor em direito; autor de 82 livros e 360 artigos em revistas especializadas.

A (não) nomeação de um novo PGR e o MP no divã

Falta de uma autocrítica em relação à Lava Jato é forte componente da crise interna do Ministério Público
08/11/2023 | 05h01

Escrevi há tempos um texto acerca da necessidade de um divã para o MP encarar problemas de sua relação com a República, a política e a máquina estatal. E o Direito, é claro.

Mas hoje quero falar do vácuo sem PGR. O presidente da República não indica. O que a sociedade deveria perguntar é: por que será? Se há uma lista tríplice e o presidente já disse que não vai levar em consideração, talvez o Ministério Público tenha que refletir acerca das razões pelas quais não apresenta quadros para governar a instituição. Bom, pelo menos é o que parece.

Talvez tenha de olhar para trás. Para as disputas internas. Lembremos que Ela de Castilhos estava nomeada (literalmente) e foi desnomeada por pressões internas que levaram ao Rodrigo Janot. E deu no que deu.

A falta de uma autocrítica em relação à Lava Jato é forte componente da crise interna do Ministério Público. Diz reportagem de O Globo que recente decisão da interina Elizeta Ramos, trocando as chefias nos estados, abre uma disputa de poder no Ministério Público. De um lado, procuradores de perfil alinhado à antiga Lava Jato e ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Do outro, procuradores críticos da operação e próximos ao ex-PGR Augusto Aras.

Observe-se: a Lava Jato arrasta suas correntes ainda pelos corredores da instituição. E isso tudo influencia na demora da decisão de Lula.

Observemos: procuradores ouvidos pelo g1 (O Globo) afirmam que decisões como a da troca de chefias poderiam causar desgaste entre o futuro PGR e os membros da categoria. Claro. Evidente. Chega o novo PGR e tem de assumir o ônus – pesado – de destituir chefes já nomeados. O MP poderia dormir sem essa.

Não deve ser tarefa fácil para o presidente Lula encontrar um novo PGR. Basta olhar para o desaparecimento de parte considerável do MP durante os episódios que antecederam as eleições e o que ocorreu depois. MP esqueceu que é guardião do próprio regime democrático (está na CF). Por exemplo, nenhum radialista foi processado por propagar criminosamente golpe de Estado – e há promotores e procuradores espalhados por todo o Brasil. Tampouco ingressaram com ações para retirar os manifestantes-golpistas da frente dos quartéis. Também não houve inquérito ou denúncia contra os três chefes militares que, com a nota de 11 de novembro de 2022, incentivaram (direta ou indiretamente) o golpe (ler aqui).

Também o MP se manifestou contra a prisão de Silvinei Vasques, ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal, que, escandalosamente, conduziu seus subordinados a impedir eleitores a exercerem o sufrágio. Enquanto centenas de prisões foram pedidas naquele dia pelo MP por crimes bem menores, para Silvinei o parecer foi de não prisão. Isonomia, quem não quer uma para viver?

Ainda o fantasma da Lava Jato. O ex-PGR Augusto Aras disse claramente: a Lava Jato deixou um “legado maldito”. Isso é pouco? E disse mais: a Lava Jato deixou prejuízo de cerca de US$ 100 bilhões. Pronto. Se o MP quiser reclamar, deve ir até Aras.

Não briguem com o mensageiro! O mensageiro esteve 29 anos no MP. Portanto, conheço o “rengo sentado e o cego dormindo” (desculpem-me o politicamente incorreto, mas é um adágio popularíssimo que aqui me permito repetir).

Veja-se o tamanho do imbróglio. Veja-se a dificuldade de o presidente da República escolher o novo PGR. E veja-se o tamanho do compromisso e da missão do novo PGR.

Terá um trabalho hercúleo. Serão mais do que doze trabalhos.

 

 

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