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Lindener Pareto

Professor e historiador. Mestre e Doutor pela USP. Professor de História Contemporânea e Curador Acadêmico no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). É apresentador do “Provocação Histórica", programa semanal de divulgação científica de História e historiografia nos canais do ICL.

A Nova-Velha República (1985-2024)

"Algo deve mudar para que tudo continue no lugar.”
19/01/2024 | 12h00

Era o dia 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral (Congresso Nacional) elegia indiretamente para Presidente da República o ex-Governador de Minas Gerais e articulador das “Diretas Já”, Tancredo Neves. Depois de 21 anos de Ditadura Militar, o Brasil vivia o início da redemocratização. No entanto, a frase de efeito “tudo muda para nada mudar” parece ter sido talhada para a História brasileira. Isso porque apesar da imensa e popular campanha das “Diretas Já”, a emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas para Presidência da República, não foi aprovada pelos congressistas. Mais uma vez, os militares e os setores mais conservadores do país barravam o caminho para a construção da “Nova República”.

Numa arquitetura política complexa e que contou com a experiência de Tancredo e Ulysses Guimarães, uma aliança para a Democracia foi articulada pela oposição no Congresso. Tancredo Neves e José Sarney conseguem derrotar o candidato da Ditadura, Paulo Maluf. Dos males o menor, não? Os candidatos mais progressistas eram eleitos indiretamente. Progressistas? Digamos que Tancredo, mesmo sendo de famílias tradicionais (e conservadoras) das Minas Gerais, era desde há muito um defensor do Estado Democrático de Direito, mas era visto como um moderado por muitos militares, inclusive Geisel, sendo assim bastante aceito pelos mesmos. Mas…José Sarney…oras…era produto político da Ditadura.

Mesmo a aliança “mais progressista” teve que contar com um nome da reação. O Brasil não é mesmo para principiantes. Mas não para por aí. Antes de tomar posse, o impressionante Tancredo – que havia sido Ministro da Justiça de Getúlio Vargas e Primeiro-Ministro em 1961 – morreu de, pasmem, diverticulite aguda! Pelos menos foi o que se anunciou à época. Hoje sabemos que as péssimas condições do Hospital, um tumor e uma série de erros médicos e administrativos, ceifaram a vida do “salvador” da República.

Mas o fato é que Tancredo, antes de morrer, receoso de mais um golpe dos militares, garantiu a articulação da posse de José Sarney. Tancredo costumava dizer uma frase que aprendera com Vargas: “No Brasil, não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a posse!” E assim foi! O Ditador João Figueiredo saiu pela porta dos fundos e não passou a faixa (lembra outro militar  de hoje em dia, não!?) para Sarney. Ulysses Guimarães articulou a constituinte de 1988, a “Nova República”- termo cunhado por Tancredo –  estava garantida.

Mas há uma pergunta que nunca quis calar e que nos interessa sobretudo depois dos atos golpistas – incentivados por parte da alta cúpula militar – de 8 de janeiro de 2023. Os militares que torturaram, exilaram e mataram em nome da “Revolução de 64”, nunca foram julgados e punidos pelos crimes cometidos durante a Ditadura. A lei de anistia, de 1979, falsamente anistiou todos os envolvidos em crimes políticos, uma vez que os agentes do Estado já haviam punido barbaramente quem ousou se levantar contra a Ditadura. Mas os militares, seus crimes, corrupção e mamatas de toda sorte, foram varridos cuidadosamente para debaixo do tapete. Autoanistia, portanto.

Ora, a “Nova República” era nova mesmo ou era uma retirada estratégica meticulosamente operada pela alta cúpula militar? Não se quer aqui dizer que eles nunca saíram de cena e que não tenha tido o predomínio dos civis. Contudo, depois dos anos Bolsonaro, fica cada vez mais evidente que o “partido militar”, aquele que fundou e sempre chantageou a República, ficou sempre à espreita, procurando a primeira oportunidade para voltar com tudo para as tenebrosas transações do Planalto. Os militares voltaram via “ baixo clero”, com o clã Bolsonaro, mas voltaram e se lambuzaram nas benesses do Estado.

Lembremos, o Governo Bolsonaro era composto por mais militares do que o Governo Militar de Castelo Branco (1964-1967). E para onde foi essa gente toda em janeiro de 2023? Onde estão agora? Cumpre lembrar o básico: A “Nova República” ainda não acabou, é parte dela não somente o Estado Democrático da Constituição de 1988, mas todo o “partido militar” que nunca se conformou com os civis no poder, que nunca se conformou com as garantias constitucionais e com o avanço dos direitos sociais. Tal é a gênese do ressentimento bolsonarista. Brasileiros e brasileiras, ou o Brasil resolve seus traumas com “Memória e Verdade”, punindo os golpistas de ontem e de hoje, ou seremos sempre o país do golpe!

Voltando a Tancredo, seu caixão, envolto na bandeira do Brasil, foi levado por um tanque de guerra verde-oliva, (pois é, exército, guerra). Sua viúva – Dona Risoleta – acompanhou o desfile ao lado de Sarney…José Sarney ainda está vivo. Tancredo e Risoleta são avós de Aécio Neves, que perdeu para Dilma em 2014, não gostou, não vai assumir o ovo da serpente do golpe de 2016 e certamente jamais tomará posse. Lula estava vendo tudo de perto desde 1979, perdeu várias eleições e ganhou várias. Também é resultado da redemocratização chantageada. FHC, presidente entre 1995-2003, também estava lá e também ainda está vivo. Tucano supostamente polido, voltou a apoiar Lula em 2022. Tudo está absolutamente em seu lugar, no passado. 2024 é 1985, que é 1964…a velha frase de Lampedusa retorna e parece sair da boca de Fernando Collor, o caçador ou adulador de marajás, que vivo, muito vivo, diz: “Algo deve mudar para que tudo continue no lugar.”

Juramento de Posse do Presidente José Sarney em 15 de Março de 1985. Fonte: Agência Senado.

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