ICL Notícias
Adaílton Moreira Costa

Babalorixá do Ile Axé Omiojuarô, Doutorando em Bioética PPGBIOS UFRJ. Mestre em Educação Proped UERJ. Graduado em Ciências Sociais PUC RJ

A religião de matriz africana e a prosperidade

A busca por uma vida com qualidade, muitas das vezes é confundido por uma qualidade de vida
04/05/2024 | 05h30

A busca por uma vida com qualidade, muitas das vezes é confundida por uma qualidade de vida.

A vida com qualidade é o ideal que pretendemos alcançar com harmonia, tranquilidade, saúde, alegrias, empregos que não sejam estressantes e tóxicos, boas amizades, família, solidariedade, lazer, alimentação. Ter dinheiro suficiente para que não entremos na “corrida dos ratos” deste mundo acelerado, competitivo, individualista e ególatra.

Geralmente, as pessoas buscam as religiões de matrizes africanas, bem como suas lideranças, em busca de uma prosperidade muito baseada em uma ótica relacionada ao desenvolvimento e conquistas materiais do capitalismo, baseado em um “status quo” totalmente distinto do que prega sua filosofia espiritual, social e comunitária.

Um bom carro do ano, conta bancária recheada, viagens anuais de turismo nacionais e internacionais, poder ostentar nas redes sociais todas as suas conquistas enquanto referencial de prosperidade e Axé.

Há um fenômeno social/afro-religioso, em que, ter Axé é ter bens materiais e poder de consumo. Se a pessoa não for atendida nestes seus anseios pessoais de consumo capital e material, não tem Axé!

A palavra “Axé” está intrinsecamente relacionada à potência vital, força vital que não se encaixa nesta seara equivocada do mundo neoliberal, onde o que determina formas de viver é o lucro pelo lucro.

É o mercado que comanda, onde ele se encaixa nesta “qualidade de vida”, que tem como simbologia a relação de desenvolvimento sem envolvimento com o todo, parafraseando o querido Nêgo Bispo.

A prosperidade que pretendemos alçar é esta que orixá nos oferta, a boa relação com o meio ambiente, o respeito aos idosos, o cuidado com as nossa crianças — que representam a nossa continuidade ancestral —, nesta simbiose do envolvimento com um mundo sem tantas desigualdades, pois do que adianta ascender financeiramente, materialmente, sem se importar com os outros a nossa volta?

Estar bem é ver os outros bem!

Se pretendemos enriquecer, que possamos fazer desta fortuna capital um veículo de promoção para que mais ascendam em conjunto, no coletivo, para que nosso Axé tenha sentido, para que esta potência vital seja expandida para além de nossas contas bancárias individuais, que enriquecem um grupo pequeno e seleto, que só irá privilegiar elites!

A prosperidade é algo que sempre pedimos ao rogar aos pés de nossos/as orixás, que é o termo e principio de “Olá”, palavra Iorubá que está relacionada a muitos outros sentidos, com alegria (Ayó), boas coisas (irê), Ajê (fortuna), Baricá (saúde), Ile (moradia), batá (calçados), Axó (roupas). Mas todos estes belos dizeres só existem se forem pensados em uma coexistência coletiva.

Não há como termos Axé se formos mesquinhos, individualistas, ególatras e consumistas. Esta é uma forma de viver sem nenhuma relação de Axé e prosperidade!

Ter prosperidade, é ter Iwa pelé (bom caráter), Iwa rere (boa ética) sem falsos moralismos e hipocrisia.

Claro que queremos ter dinheiro, sim. Queremos ter o direito de viajar, ter uma boa casa, nos vestirmos bem, usarmos bons perfumes, mas qual preço iremos pagar por estes bens?

Se faz necessário e urgente que questionemos estes valores e conceitos de “bem viver”!

Precisamos rever e reler as nossas vidas sem ter como referencial a ótica do consumo mercadológico, é urgente que pensemos em uma prosperidade baseada em vida com qualidade, vida de Axé, onde os seres humanos e não humanos possam fazer parte integral de vidas.

O mundo está passando um momento extremamente difícil, onde o seu tempo está sendo desafiado e espoliado, quando nós não nos preocupamos com a crise climática que já está acontecendo, colocando toda a vida no planeta em risco, não faz sentido a tão almejada prosperidade.

Bom, é isso: se continuarmos tendo este olhar de prosperidade tendo como objetivo o consumo desenfreado, não teremos a conta bancária recheada, o carro do ano, a casa de praia, muito menos o Axé do desenvolvimento próspero!

A vida rasa, fria, sem caminhos de bem viver não diz a que veio, muito ao contrário. Não veio para nada, só nos preenche de vazios existências numa eterna busca do que não poderemos obter, pois entramos em um vórtice neurótico do ter por ter, que não é o prazer em viver.

Por um pensar prosperidade de Axé com envolvimento de Axé, tendo vida com qualidade!

Deixe um comentário

Mais Lidas

Assine nossa newsletter
Receba nossos informativos diretamente em seu e-mail