Durante o terceiro congresso do Conversas Pastorais, promovido pelo Instituto Galilea, nos dias 11 e 12 de outubro, nas dependências da Igreja Batista Água Branca, em São Paulo, as conversas giraram em torno do tema “Haverá futuro?”, com uma plateia presencial estimada em 500 pessoas. Gente de diversos estados e cidades, que vieram especialmente para o encontro.
O Instituto Galilea é presidido pelo pastor Ed Rene Kivitz e conta com a sua filha, Fernanda Kivitz, como diretora-executiva. Admirável a competência da Fernanda nos bastidores e a inteligência do seu pai na curadoria do evento.
Dada a raridade da iniciativa no ambiente das igrejas evangélicas, o Instituto Galilea nasce como promissora incubadora. Provocadora do diálogo plural, para além dos interesses eleitorais imediatistas, para muito além das mesmices dos aparelhos eclesiásticos, capaz de produzir conhecimento para ser aplicado à realidade.
A pretensão do instituto é ser proponente em diálogos e articulações, figurar como interface possível entre as igrejas evangélicas e a sociedade. Conforme se apresenta, “uma organização social que coopera com as igrejas evangélicas para promover a democracia, a justiça social e os direitos humanos, sonhando com uma igreja que contribua para um mundo de relações igualitárias, onde cada pessoa possa exercer plenamente seus direitos”.
Após a conferência de abertura do Ed Rene Kivitz (O futuro do Evangelho), formou-se a primeira roda de conversa com André Anéas, Kenner Terra, Magali Cunha e Ronilso Pacheco. No dia seguinte, a conferência de encerramento foi proferida pela Odja Barros (O futuro da Igreja), logo após a roda de conversa composta, além do anfitrião, por Ronan Lima e Karen Colares.
Em termos de competência e representatividade, difícil imaginar tamanha riqueza de perspectivas e experiências. Sim, vimos na prática que a dita igreja evangélica é diversa, plural e não cabe nas tabelas estatísticas que insistem com as simplificações habituais.
As conversas que se seguiram nos corredores, nas redes sociais e nas mesas dos bares e restaurantes do entorno levaram o debate para muito além do imaginado pelos organizadores.
Participei como debatedor da segunda plenária após conferência do Pedro Doria (O futuro da Democracia). Juntei-me a Cida Bento, Ed e Carô Evangelista. Mas, quero destacar a terceira plenária que ocorreu no dia seguinte. A conferência do Ailton Krenak (O futuro do Brasil) foi, a meu ver, o ponto alto do congresso. Houve em seguida a roda de conversa formada pelo Ed, Regina Novaes e Lucas Louback.
Ailton Krenak: haverá futuro?
A ficção de José Saramago parece que se transformou numa evidência histórica. “O ensaio sobre a cegueira” soa como provocação. Estamos consumindo o mundo como se come um panetone. Naturalizamos o que é muito estranho.
A oralidade do Krenak nos abriu os olhos. O consumo desmedido, naturalizado e ritualizado. Cultuamos o capitalismo e aferimos o valor da cultura utilizando como critério o poder de compra.
Milhões de pessoas no Planeta Terra não têm água para beber ou para tomar banho. Isso não é natural. É uma escolha da dita civilização próspera que desenvolve a ciência para domar a natureza selvagem. A cultura como domínio do homem sobre a natureza.
A fala do Krenak em nada lembrava as pregações dos missionários americanos milenaristas e apocalípticos que anunciavam, em plana Guerra Fria, que “Os demônios descem do Norte”, em flagrante louvação ao bloco capitalista e demonização do bloco comunista.
Para além dos debates ideológicos, a fala do Krenak parecia um sopro divino sem falar no nome de Deus. Profético e poético como a evocar o sangue derramado dos seus ancestrais. Sangue que purifica do pecado da cobiça do vil metal.
O Brasil exporta bilhões de toneladas de grãos. O cerrado representa 1/3 da extensão territorial do Brasil. O cerrado foi devastado para o Brasil se tornar o maior exportador de grãos. O cerrado foi entregue para o agronegócio e o transformaram num experimento ordinário cheio de veneno.
O agronegócio brasileiro importa pesticidas, venenos agrícolas que são proibidos na Europa e nos Estados Unidos. O que o centro do capitalismo recusa, nós, periféricos, importamos pensando em supersafras de grãos.
O Brasil é hoje um laboratório do capitalismo. Eles testam veneno na gente. Segundo Krenak, o Brasil é o país que mais importa pesticida no planeta.
O que estamos nos tornando como pessoas? Nós estamos nos consumindo como se fôssemos mercadoria. Homem mercadoria, doente pela mercadoria, louco pela mercadoria.
Krenak não pronunciou o nome de Deus no altar da igreja. Também não deixou pegadas ou rastros. Zero pretensão de formar prosélitos. Absoluta doçura, mesmo falando das nossas omissões.
Krenak não carregava livros nas mãos ou calçava sandálias nos pés enquanto falava com pastores, pastoras e líderes de igrejas evangélicas.
O capitalismo virou uma religião planetária. Naturalizamos participar de uma economia global onde todo mundo é interdependente. Como vírus, o capitalismo se espalhou nas pequenas comunidades em todos os cantos do planeta.
Ao fim da palestra, o nosso anfitrião, Ed, resumiu bem o nosso êxtase desajeitado: “Tenho certeza de que, enquanto ouviu o Krenak, você fez muitas conexões com o evangelho. Hoje vai ficar marcado como o dia em que um indígena nos “evangelizou”.
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