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José Sócrates

Em Portugal, eleito deputado à Assembleia da República em 1987. Depois secretario de estado, ministro adjunto do primeiro-ministro e ministro do Ambiente. Primeiro-ministro de 2005 até 2011. Secretário geral do Partido socialista entre 2004 e 2011. Licenciado em engenharia civil; MBA pelo ISCTE em Lisboa, mestre em Ciência Política por Sciences Po em Paris.

Alvoroço na frente ocidental

Os tempos da política estão agitados e os velhos paradigmas do pensamento político em crise
01/07/2024 | 05h37

E pronto, não há como negar: o debate foi uma tragédia para Biden. E foi uma tragédia exatamente pela razão que muitos temiam – a questão da idade. Houve respostas incoerentes e momentos de desorientação que foram muito embaraçantes para os seus simpatizantes, entre os quais me incluo. Enfim, um desastre. Dirão que ainda é cedo, que há ainda outro debate em setembro, que nada está decidido. Sim, tudo isso é verdade, mas verdade é também que todos sabíamos que o que estava em jogo neste debate era saber se o atual presidente está em condições de desempenhar a função por mais quatro anos. A reposta foi duvidosa e, nestes casos, a dúvida não é a favor do acusado, mas contra ele. O debate foi uma desgraça para os democratas.

O pior é que o desastre não foi só para os democratas do partido democrático, mas para todos os democratas do mundo. Os Estados Unidos são um império em permanente negação, mas são um império. E o que acontece na sede do império tem um efeito irradiante. Estas eleições, em que concorre um candidato que não reconheceu a anterior derrota eleitoral e fez tudo para impedir a transição pacífica do poder, terão um efeito significativo em todo o mundo democrático. Todos o sentiremos, apesar de não votarmos. Para a política externa europeia as respostas de Trump sobre a aliança atlântica e sobre a guerra na Ucrânia são devastadoras. Para a América Latina, a sua vitória significará o regresso do apoio americano a tudo o que for de direita, religioso, fanático e violento. Para o Brasil ainda pior — a proteção contra o golpismo desaparecerá e a questão da idade dos candidatos regressará nas próximas eleições. Não há boas notícias.

Mas deixemos a América e olhemos para a Europa, onde o panorama político me parece muito melhor. Primeiro, os trabalhistas em Inglaterra estão a dias de regressar ao poder e os conservadores estão a dias de iniciar uma longa travessia do deserto. Deserto que eles próprios criaram com o Brexit e com a gestão amalucada da pandemia por Boris Jonhson. Segundo, e em relação a França, não partilho do pessimismo que por aí vejo. Já escrevi que, do meu ponto de vista, Macron fez muito bem ao enfrentar sem tergiversações, o problema da vitória da extrema-direita nas eleições europeias — em vez de disfarçar a derrota, agiu de modo a confrontar os franceses com as suas próprias responsabilidades. As eleições legislativas que convocou são a duas voltas, sendo, por essa razão, muito provável que a esquerda e o centro político se unam no segundo turno para derrotar a extrema direita. Não, não me parece que a extrema direita venha a ter o primeiro-ministro em França. A maioria republicana defenderá, como sempre fez em eleições presidenciais, os valores democráticos.

Seja como for, os tempos da política estão agitados e os velhos paradigmas do pensamento político em crise. Antes, o Ocidente era acusado de querer impor ao resto do mundo o seu modelo democrático; agora, defende-o como pode dentro de portas. E a batalha não é fácil. Ser progressista, hoje, é, antes do mais, defender o império da lei e das garantias constitucionais. Ser progressista hoje é defender a democracia. Não, a frente ocidental não está calma.

Ericeira, 29 de junho de 2024

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