Existe atualmente, por parte da mídia econômica mainstream e, também, pelos ditos economistas analistas de mercado, uma verdadeira criminalização dos gastos públicos. A discussão voltou à tona com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, que propõe aumento fora do teto de gastos para que seja feito o pagamento do Bolsa Família de R$ 600.
Agora, temos uma avalanche de notícias e opiniões falando sobre os riscos que o gasto fiscal pode gerar ao país, prejudicando os mais pobres e gerando um elevado risco inflacionário ao Brasil. Mas a verdade é que, sempre que ocorre um crescimento econômico mais consistente no país, este é reflexo direto da elevação dos gastos públicos de forma responsável.
Quando se fala em elevar os gastos do governo, a primeira confusão que surge – e tudo isso devido à má vontade do dito mercado financeiro sobre essa prática – é que se coloca como gasto fiscal tudo o que o governo compra, como se isso significasse aumentar salário de políticos e, consequentemente, a corrupção; e elevar gastos supérfluos para o luxo dos agentes públicos, promovendo uma farra com o dinheiro público, como se todo gasto fiscal ocorresse aos moldes do chamado orçamento secreto, moeda de barganha política instituída pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para obter apoio do Congresso.
Só que essa prática tem sido mais comum no governo Bolsonaro do que nos governos do PT. Na atual gestão, o dinheiro público tem sido gasto sem nenhum critério específico, utilizado da pior maneira possível. Não ocorreu uma alocação inteligente dos recursos públicos, que são utilizados ao gosto do Executivo, sem critérios.
O ápice desse mecanismo foi justamente a criação do orçamento secreto, que deu ao Congresso o poder de alocar grande parcela dos recursos da forma que eles quisessem, sem critério algum e na maior parte das vezes visando meramente melhorar a sua imagem de político na região onde tal congressista tem seu curral eleitoral.
PAC, do governo Lula, mostrou como o gasto público deveria ser realizado: com regras claras e de modo inteligente
Porém, o que vimos durante os governos Lula foi o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), uma política com regras claras e operada de modo inteligente, e um exemplo de como gasto público deveria ser realizado. O PAC foi uma ferramenta importante para induzir o crescimento público. Ele gerava obras de grande volume em áreas estratégicas e com uma finalidade clara, a de melhorar a infraestrutura de determinada região do país.
Esse gasto era utilizado para a contratação de empresas que iriam realizar a obra, e estas empresas contratavam funcionários. Com esses salários, os trabalhadores compravam bens e serviços aquecendo a economia local.
Isso gerava um ânimo maior para as empresas, que, com a elevação de suas vendas, aumentavam sua produção, contratavam mais pessoas para aumentar a quantidade produzida, o que acaba se tornando um ciclo virtuoso. O gasto inicial do governo gerava outra série de gastos como consequência, as quais, além de melhorarem a perspectiva de crescimento econômico futuro, geravam um aquecimento imediato da economia brasileira.
Esse mecanismo é o que chamamos na macroeconômica de multiplicador. É sempre importante lembrar que o gasto de uma pessoa é consequentemente a renda de outra pessoa ou de uma empresa. E esse dinheiro acaba sendo utilizado para novas compras, que acabam se tornando a renda de uma terceira pessoa, gerando, futuramente, a expansão da economia.
A vantagem do gasto público é que, quando estamos em uma situação econômica incerta, os agentes privados têm medo de gastar, pois o futuro é incerto. Assim, quando o governo gasta, ele está sinalizando aos agentes privados que teremos demanda futura para aquilo que foi produzido. O governo serve como ignição para o ciclo virtuoso descrito acima. Portanto, o gasto público é uma ferramenta poderosa de indução econômica e pode ser a base de uma política para tirar a economia de uma situação fragilizada.
O mercado financeiro não gosta de um governo forte, pois ganha com o caos econômico que a fragilidade econômica gera. Porém, é importante uma política de gastos públicos inteligentes, que consiga gerar o ciclo virtuoso do multiplicador, podendo ser o guia da economia brasileira.
Por fim, que se gaste no governo Lula, porém, com inteligência.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira
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