Grande parte das universidades e institutos federais entraram em greve por melhores condições de trabalho e restituição de perdas salariais ocorridas principalmente no governo Bolsonaro.
Boa parte dos críticos reclama do fato de que não houve a mesma mobilização no governo Bolsonaro, inimigo declarado das universidades públicas, pondo o governo atual, um aliado histórico, supostamente de modo injusto, em uma posição desconfortável.
Ora, a falta de mobilização grevista no governo Bolsonaro se explica pelo fato de que aquele não era um governo normal. Bolsonaro identificava, seguindo o guru Olavo de Carvalho e as diretrizes da extrema direita global, as universidades públicas como inimigo a ser aniquilado.
Uma greve, nesse contexto, poderia acarretar o pretexto que ele precisava para golpear de morte o ensino público universitário. Portanto, a ausência de greve no governo Bolsonaro se explica pela posição defensiva de garantir o mínimo em um contexto altamente desfavorável.
Não nos esqueçamos, também, que o público das classes populares, cativo de Bolsonaro, é composto de pessoas que se ressentem da ausência de conhecimento e posse de capital cultural legítimo, que no nosso país é monopolizado pela classe média branca, ressentimento este que poderia servir de catalisador para uma destruição da própria ideia de universidade pública, que era o objetivo último de Bolsonaro.
Como essas pessoas não tem os meios cognitivos e emocionais de criticar sua própria opressão, não por culpa delas, obviamente, mas por conta de uma esfera pública dominada privadamente que impede o esclarecimento da população das causas da desigualdade e injustiça. Quando não se compreende as razões da opressão social que se sofre, o que temos é o ataque aos símbolos visíveis da cultura como a ciência, as artes e a universidade, como se recaísse sobre elas a culpa da opressão.
Isso dito, a questão, aqui, refere-se à inércia do governo atual que periga transformar uma coalizão de centro-esquerda em uma coalizão de centro-direita. A privatização do Ministério da Educação por fundações privadas parece ser um símbolo inequívoco do que estamos dizendo.
O ensino público de qualidade e gratuito é a função, juntamente com a defesa do SUS, mais importante de qualquer governo que pretenda defender interesses populares. Não existe nada mais importante do que proteger e valorizar a educação pública e gratuita desde o ensino fundamental até o nível mais sofisticado de reflexão científica.
A função social que as universidades desempenham é, inclusive, muito maior do que a sala de aula. A imensa maioria de nossos intelectuais mais combativos e influentes vêm da universidade pública. Um dos pontos mais importantes de qualquer sociedade pujante e democrática é a criação de um canal de comunicação entre a cultura dos especialistas e o grande público leigo.
Todas as revoluções e todas as mudanças sociais só aconteceram onde esta comunicação é vivida como prática cotidiana. E são as universidades que formam os especialistas.
Eu mesmo, na minha vivência de 35 anos em diversas universidades de vários tamanhos em diferentes cidades, pude perceber o papel decisivo das universidades especialmente nas cidades de grande porte e de porte médio.
A instituição não só forma os quadros técnicos e profissionais, mas turbina o debate público, traz novas questões que antes não eram percebidas e amplia o horizonte geral da vida social. A simples existência de uma universidade tem um poder transformador nada desprezível sobre toda uma região com milhões de pessoas.
É por isso que o descaso do atual governo levanta a suspeita de uma caminhada para a centro-direita do espectro político, como temos em países como EUA e França, por exemplo. Renuncia-se a todas as bandeiras verdadeiramente populares em nome de uma conciliação com os interesses dominantes, tida como pragmática e realista por muitos, mas que é, no fundo, a perda de qualquer direção estratégica para as lutas verdadeiramente emancipadoras para a maioria da população.
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