Por Rodrigo Durão Coelho
Relativamente adormecida desde 2020, a guerra civil na Síria ganhou manchetes em todo o mundo após a rápida e surpreendente ofensiva rebelde que capturou diversas localidades no país, incluindo sua segunda maior cidade, Aleppo. A ofensiva iniciada em 27 de novembro por opositores do governo de Bashar al-Assad tem potencial para inflamar um já volátil Oriente Médio, no que é considerada uma das maiores “guerras por aproximação” do mundo.
O Brasil de Fato elenca abaixo os motivos do conflito e por que ele pode ganhar importância nos próximos meses.
Contexto
Em 2011, no contexto dos levantes da Primavera Árabe, manifestações opositoras foram fortemente reprimidas pelas forças de Assad. A agitação resultante cresceu e levou a uma revolta armada que eventualmente se transformou em uma guerra civil fraturada com muitas facções rebeldes, apoiadas por atores regionais com agendas concorrentes.
No começo, a demanda era por mais democracia e liberdade, mas os protestos rapidamente foram cooptados por grupos extremistas islâmicos, ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. A guerra matou cerca de meio milhão de pessoas, e quase 7 milhões fugiram do país como refugiados. Aqueles que permanecem estão enfrentando um estado duradouro de crise econômica.
Embora os rebeldes parecessem representar uma séria ameaça ao governo de Assad, ele gradualmente recuperou o controle de cerca de 70% do país com o apoio crucial da Rússia e do Irã. Os rebeldes foram confinados em partes do norte e noroeste da Síria, onde se mantêm com a proteção da Turquia, na fronteira. A guerra nunca parou completamente, mas estava em grande parte em um impasse desde que Vladimir Putin, da Rússia, e Recep Tayyip Erdoğan, da Turquia, intermediaram um cessar-fogo na região noroeste de Idlib, em 2020.
O que aconteceu agora?
Após um ataque relâmpago e a conquista de Aleppo nos últimos dias, militantes liderados pelo grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS) avançaram para o sul em direção a Hama.
A cidade fica em uma estrada importante que liga Aleppo no norte com grandes locais centrais, como a cidade de Homs, os portos costeiros de Latakia e Tartous, e Damasco no sul. Hama era reduto da oposição ao governo de Assad quando os protestos pró-democracia eclodiram em 2011.
Desde que retomou Aleppo em 2016, Assad recuperou um controle firme sobre o país, embora nunca tenha retomado totalmente todas as fronteiras da Síria. A repentina vitória insurgente em Aleppo é o desafio mais sério ao controle do governo central em anos. Grupos rebeldes apoiados pela Turquia também se envolveram na luta.
A ofensiva dos rebeldes ocorre depois que Israel, aliado dos Estados Unidos, enfraqueceu militarmente a milícia libanesa pró-iraniana Hezbollah e ameaça atacar o próprio Irã, dois dos principais apoiadores de Bashar al Assad.
“Com Rússia, Irã e o Hezbollah ocupados em outros conflitos, os jihadistas aproveitaram. Eles são apoiados pela Turquia, países do Golfo Pérsico e até EUA e Israel, que se interessam na desestabilização do governo sírio”, disse ao Brasil de Fato o professor de Relações Internacionais e Oriente Médio da Universidade Federal do ABC, Mohammed Nadir.
Quem são os rebeldes?
O HTS já foi aliado da Al Qaeda e do Estado Islâmico, até romper em 2016. O HTS é agora a facção rebelde mais poderosa na Síria e controla Idlib, onde vivem cerca de 4 milhões de pessoas, com o comando de cerca de 30 mil soldados.
O grupo também tem controle econômico sobre faixas de território e os recursos como petróleo, que é uma fonte significativa de renda, assim como a travessia de fronteira de Bab al-Hawa com a Turquia.
O HTS é amplamente autofinanciado e controla o guarda-chuva de grupos armados que lançou a ofensiva de 27 de novembro, chamada de “Operação Dissuasão da Agressão”.
O grupo também tem trabalhado para suavizar sua imagem, se distanciando de suas raízes extremistas e focando na prestação de serviços a milhões de pessoas de Idlib por meio do incipiente Governo de Salvação Sírio, os administradores de fato do território controlado pelo HTS. Em declarações recentes, o grupo disse que protegerá locais culturais e religiosos em Aleppo, incluindo igrejas.
“Eles distribuíram pão grátis nos cruzamentos no domingo”, disse um morador à agência de notícias AFP.
Interesses dos vizinhos
Rússia, Irã, EUA, Israel, Turquia, União Europeia, Líbano e Iraque acompanham de perto o conflito, muitos deles se envolvendo ao financiar determinados grupos.
Um dos maiores aliados de Assad é o governo de Vladimir Putin, mas a aliança entre os dois países remonta ao passado soviético, desde a independência síria, em 1946. Moscou vem apoiando militarmente o governo de Assad conta os levantes desde 2011 e conta com a aliança para ter acesso ao Mar Mediterrâneo.
A Turquia apoia grupos no norte da Síria e culpa a recusa de Bashar al-Assad em dialogar com a oposição. Já o governo sírio culpou Israel — que ocupa o território sírio das Colinas de Golã e segue bombardeando o país – pela ofensiva rebelde. Tanto os EUA como a União Europeia pediram a desescalada das hostilidades.
O que deve acontecer agora?
Bashar al-Assad disse que a “escalada terrorista” busca “fragmentar a região, destruir seus Estados e redesenhar o mapa do Oriente Médio, de acordo com os interesses e objetivos dos Estados Unidos e do Ocidente”.
Se a administração Biden prestou pouca atenção à Síria, Trump, que assume novo mandato em janeiro, manda mensagens dúbias. Sua nomeada diretora de inteligência, Tulsi Gabbard, declarou que “Assad não é inimigo dos EUA”.
Mas analistas acreditam que o principal interesse dos formuladores de políticas dos Estados Unidos é “apoiar Israel e prejudicar o Irã e a Rússia”.
“O interesse de Israel é enfraquecer qualquer regime que esteja em seu entorno, especialmente do Eixo da Resistência (liderada pelo Irã), mas vemos que o país não vem conseguindo muitas vitórias. A operação no Líbano enfraqueceu o Hezbollah, mas os 100 mil israelenses que deixaram o norte do país ainda não voltaram”, diz Nadir. “Não vejo Trump apostando em uma guerra duradoura, ele é isolacionista, não quer se envolver em problema externos.”
Especialistas agora esperam a reação do governo Assad nos próximos dias. Negociações envolvendo Rússia e Turquia também devem influenciar no equilíbrio de forças.
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