Houve um tempo em que as TVs, as revistas e os jornais não exibiam cenas consideradas “fortes”. Até pelo menos o fim dos anos 90, corpos ensanguentados, vítimas mutiladas, agressões selvagens, nada disso podia ser visto nos meios de comunicação considerados respeitáveis.
Era exclusividade dos jornais popularescos, que apelavam ao noticiário policial para aumentar vendas. “Espreme e sai sangue”, diziam, sobre esses periódicos.
Do início dos anos 2000 para cá, porém, imagens que mostram pessoas sendo mortas em um assalto ou vítimas de acidente fatal podem ser vistas com frequência nas redes sociais e até na televisão. Paradoxalmente, o excesso de violência realista começou a frequentar a TV pela ficção, já que a enorme maioria dos filmes americanos não dispensa socos, tiros e pontapés em suas tramas, com sangue e ferimentos de uma verossimilhança cada vez mais escatológica.
O que há pouco mais de 20 anos era considerado como cena barra pesada, impensável de ser vista na TV, hoje virou até entretenimento esportivo. Quem nunca teve o desprazer de passar por um canal de esportes e ver, desavisado, o anúncio de uma luta de UFC em que um sujeito é agredido com joelhadas no rosto, enquanto um locutor animado convida você para acompanhar a competição?
Fujo disso.
Sempre evitei “imagens fortes”, seja na ficção, no esporte ou — principalmente — na vida real. Mesmo depois de o jornalismo ter-me obrigado a ver in loco cenas desse tipo, nunca as encarei com naturalidade. A cada aviso de que uma imagem assim está para aparecer ante meus olhos, não demoro em evitá-la.
Pelo menos, era isso que eu fazia até começar o conflito entre Israel e Hamas.
Agora, me forço algumas vezes a assistir a barbárie.
O motivo da mudança de comportamento foi duvidar do nivel de desumanidade narrada nos textos jornalísticos e exposta nos discursos dos governantes. Volta e meia tenho que ver com meus próprios olhos.
A matança praticada pelos terroristas do Hamas foi chocante — Não esqueço a cena em que um integrante do grupo atira contra banheiros químicos, onde os participantes da rave tentavam se esconder. Não pude deixar de sentir arrepios com o terror que as vítimas experimentaram antes de morrer.
Desde então, as imagens fortes que vejo acontecem somente em Gaza.
Com a diferença de que não são perpetradas por um nenhum grupo reconhecido mundialmente como terrorista, mas pelo governo de Israel — que ao matar civis pratica terrorismo de Estado.
Difícil pedir que os israelenses fiquem inertes depois do ataque que sofreram. No entanto, o revide contra civis será sempre indesculpável, mesmo sabendo que o Hamas se mistura a eles para dificultar a ofensiva de Israel.
Para ter uma noção do tamanho da tragédia, tenho enfrentado uma sequência pesada de fotos e vídeos feitos em Gaza em que aparecem crianças mortas ou ensanguentadas, médicos dando entrevista em meio aos corpos, palestinos chorando pelos amigos e parentes que perderam brutalmente.
Concluí que assistir a esse sofrimento é necessário para ter a real dimensão da dor daqueles que sofrem em Gaza — acontecerá o mesmo quando vir cenas de civis sofrendo em Israel.
O que ocorre naquela região, com o beneplácito dos Estados Unidos e de outras grandes potências mundiais, eleva a barbárie a um ponto jamais visto (ao menos pela TV).
Infelizmente, as palavras já não dão conta.
(É intrigante saber que mesmo com tantas fotos e vídeos da guerra, há quem mantenha a frieza, discutindo o assunto como em um debate sobre FlaxFlu).
Torço para que em breve essa overdose de cenas chocantes chegue ao fim, embora nada indique que isso vá acontecer tão cedo.
Quero urgentemente retomar o meu hábito de pular as “imagens fortes” do cotidiano, para evitar que se tornem banais.
Por enquanto, acompanho os momentos trágicos da guerra, me obrigo a sofrer com as vítimas. Mesmo sabendo que isso não as ajuda em nada.
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