Nos últimos anos, as apostas esportivas, ou bets, explodiram no Brasil, atraindo milhões de pessoas com a promessa de ganhos rápidos e fáceis. Só em 2024, 25 milhões de brasileiros se aventuraram nessas plataformas, conforme dados recentes.
No entanto, a euforia inicial esconde um problema crescente: os impactos sociais, financeiros e psicológicos dessa prática. Apostar já não é apenas diversão, e a falsa ilusão de lucro fácil está levando cada vez mais gente ao endividamento e, em casos extremos, até à destruição pessoal.
Ao contrário do que muitos acreditam, os jogos de apostas online não afetam apenas o jogador. As consequências desse vício se estendem para toda a família, atingindo as finanças e o bem-estar emocional dos mais próximos.
As bets se tornaram um fenômeno de massa, mas os estragos que causam são silenciosos, muitas vezes ignorados até que já seja tarde demais para voltar atrás.
A rápida escalada do vício em apostas
A facilidade de acesso às bets é uma das grandes razões para o aumento dos jogadores no Brasil. O Instituto Locomotiva apontou que 86% dos apostadores possuem algum tipo de dívida, e 64% estão com o nome negativado. O que começa como uma tentativa de ganhar dinheiro rapidamente pode se transformar em um vício que consome não só o orçamento, mas também a saúde mental.
O relato de Eduardo Issa é emblemático. Ele começou a jogar em 1992, mas a situação ficou fora de controle quando perdeu seu pai e encontrou nas apostas uma fuga emocional. Com o tempo, a situação foi se agravando, culminando em uma depressão profunda e tentativas de suicídio. Ele precisou de internações e tratamento intensivo para tentar se reerguer. Eduardo não é uma exceção, e histórias como a dele se multiplicam a cada dia.
Outro exemplo é o de Luciana Ramos, que compartilhou seu desespero ao ver sua filha de 19 anos, estudante de medicina, viciada em jogos de apostas online. A jovem chegou a tentar o suicídio, mostrando que o impacto das bets vai além da questão financeira, tocando profundamente a saúde mental de quem se envolve com elas.
O impacto financeiro das apostas: perdas invisíveis
Os jogos de apostas online também afetam diretamente as finanças pessoais dos brasileiros, especialmente das classes mais baixas.
Um estudo da PwC revelou que, nas classes D e E, as apostas já representam 1,38% do orçamento familiar, um aumento de cinco vezes em relação a cinco anos atrás. Isso quer dizer que uma parcela significativa do dinheiro que deveria ser destinada a necessidades básicas está sendo direcionada para as bets, alimentando o ciclo de endividamento.
As perdas financeiras, porém, não ficam restritas ao dinheiro apostado. Elas se espalham para outras áreas da vida do jogador. Carminha Arruda, por exemplo, contou que seu marido perdeu mais de R$50 mil nas apostas e que a situação financeira da família está insustentável.
A cada nova aposta, mais recursos são desperdiçados, enquanto a publicidade das bets continua a aparecer em todas as telas, prometendo um sucesso que nunca chega.
A relutância em enfrentar o problema
Embora o vício em apostas seja amplamente conhecido, a sociedade brasileira ainda reluta em lidar de frente com essa questão. Muitos veem o problema como uma escolha individual, ignorando os mecanismos psicológicos que levam ao vício.
O psicólogo Altay de Souza alertou, em uma entrevista ao Instituto Locomotiva, que as apostas esportivas podem ser vistas como uma epidemia silenciosa. A busca por recompensas imediatas e a sensação de prazer momentâneo gerada pelas apostas fazem com que as pessoas percam a noção de controle, mergulhando cada vez mais fundo no problema.
A dopamina liberada pelo cérebro durante uma vitória, por menor que seja, é comparável àquela gerada por outras atividades viciantes, como o uso de drogas. Isso explica por que tantos jogadores continuam apostando, mesmo quando as perdas superam os ganhos.
Caique Mariano, outro apostador, revelou que está lutando contra pensamentos suicidas depois de perder tudo o que tinha nos jogos de apostas online. Sua história expõe uma realidade dura, que muitos preferem ignorar.
Bets e influenciadores: uma parceria perigosa
Um dos fatores que mais contribuem para a popularização das bets é a propaganda massiva feita por influenciadores digitais. Com milhões de seguidores, esses influenciadores têm o poder de atrair novos jogadores para as plataformas de apostas, incentivando comportamentos de risco sem medir as consequências.
O Instituto Alana denunciou que crianças e adolescentes estão sendo expostos a conteúdos de apostas promovidos por influenciadores mirins, criando uma geração de jovens que vê nas apostas um caminho para o sucesso financeiro.
A campanha “Bets, o jogo sujo que ninguém comenta”, lançada pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), busca combater essa prática, chamando a atenção para os efeitos negativos das apostas. Felipe Neto, um dos maiores influenciadores do Brasil, reconheceu que divulgar apostas foi o maior erro de sua vida e se comprometeu a não repetir esse comportamento.
Mesmo assim, a força das bets no mercado digital é imensa, e novos influenciadores continuam surgindo para promover essas plataformas, muitas vezes sem entender o alcance do dano que estão causando.
A falta de regulamentação efetiva
Embora a Lei 14.790/2023 tenha sido aprovada no Brasil para regulamentar as apostas esportivas, muitos problemas permanecem. Os cassinos online continuam proibidos, mas isso não impede que jogadores acessem essas plataformas, que operam fora do país, em locais como Curaçao ou Malta. Sem uma sede no Brasil, é quase impossível responsabilizar judicialmente as empresas que gerenciam esses cassinos virtuais.
Essa falta de regulamentação eficaz contribui para a perpetuação das práticas ilegais associadas às bets, como a lavagem de dinheiro. Além disso, a ausência de uma fiscalização mais rigorosa faz com que muitas pessoas continuem sendo prejudicadas sem ter para quem recorrer.
A publicidade das apostas: o novo tabaco?
A publicidade massiva das apostas esportivas tem sido comparada à antiga propaganda do cigarro. Até algumas décadas atrás, o cigarro era amplamente divulgado em comerciais de TV, outdoors e até mesmo por médicos, que recomendavam marcas específicas. Hoje, sabemos dos efeitos devastadores do cigarro para a saúde, e a propaganda foi proibida. Será que o mesmo não deveria acontecer com as apostas?
A deputada Gleisi Hoffmann recentemente protocolou um projeto de lei para proibir a publicidade de bets no Brasil, argumentando que os anúncios estimulam o vício, assim como as propagandas de cigarro e bebidas alcoólicas. A proposta é um passo importante para tentar frear o avanço das apostas no país, mas ainda há muito a ser feito.
Casos de corrupção e escândalos nas Bets
O setor dos jogos de apostas online no Brasil não apenas impacta a sociedade em termos sociais e psicológicos, mas também está envolvido em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. A Operação Integration, deflagrada recentemente, expôs a conexão entre essas práticas e figuras públicas de destaque.
Um dos casos mais chamativos envolve o cantor Gusttavo Lima. Em setembro de 2024, a Polícia Civil de São Paulo apreendeu um avião registrado em nome de sua empresa, a Balada Eventos e Produções, como parte da investigação sobre uma organização criminosa que movimentou R$ 3 bilhões através de jogos ilegais.
Embora o cantor tenha negado envolvimento direto, sua ligação com a operação trouxe atenção para a gravidade dos esquemas de lavagem de dinheiro.
Outro nome envolvido na investigação é o da influenciadora e advogada Deolane Bezerra, presa por suspeita de utilizar sua própria casa de apostas para lavar dinheiro proveniente de atividades ilegais. A operação revelou a apreensão de bens de luxo, incluindo carros e imóveis, em um esquema sofisticado de lavagem de dinheiro.
Esses casos mostram como as apostas online podem estar relacionadas a práticas ilícitas em larga escala. A falta de uma regulamentação rigorosa no Brasil permite que essas atividades continuem, facilitando o envolvimento de figuras públicas e empresas em esquemas criminosos. Para enfrentar o problema, além de uma legislação mais firme, é essencial um esforço coordenado para investigar e punir os responsáveis por esses crimes.
Como se proteger das apostas online?
Se você está começando a perceber que as apostas estão afetando sua vida, é hora de agir. Existem várias formas de buscar ajuda no Brasil.
Organizações como os Jogadores Anônimos e o PRO-AMJO, do Hospital das Clínicas de São Paulo, oferecem suporte para quem sofre com o vício em jogos de apostas online. Conversar com amigos, familiares ou mesmo com um profissional pode ser o primeiro passo para sair desse ciclo.
Além disso, é importante ficar atento às suas próprias atitudes. Se você sente que está apostando mais do que deveria ou que está usando dinheiro destinado a outras coisas importantes, talvez seja a hora de reavaliar suas escolhas. A sensação de controle é uma ilusão, e o primeiro passo para se livrar do vício é reconhecer que ele existe.
Conclusão
As bets são um problema que não pode mais ser ignorado. Elas estão afetando diretamente a saúde financeira e mental de milhões de brasileiros. A promessa de ganhar dinheiro rápido é, na verdade, uma armadilha, e muitas vezes os jogadores acabam perdendo muito mais do que ganham.
A regulamentação das apostas esportivas no Brasil é um passo importante, mas não resolve o problema de forma completa. As bets são projetadas para viciar, e o impacto que elas causam é profundo, afetando não só os jogadores, mas também suas famílias e a sociedade como um todo. A luta contra os jogos de apostas online precisa ser contínua e coletiva, para que mais vidas não sejam destruídas.
Se você conhece alguém que está passando por dificuldades relacionadas às apostas, ou se sente que está perdendo o controle, procure ajuda. Não há vergonha em admitir que precisa de suporte. O importante é agir antes que seja tarde demais.
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