Nos últimos anos, o debate sobre o impacto das Big Techs na democracia tem sido cada vez mais presente. Empresas como Google, Facebook (agora Meta), Amazon, Apple e Microsoft têm um enorme poder sobre a circulação de informações e, consequentemente, sobre os processos democráticos ao redor do mundo.
Porém, a disseminação de fake news, a falta de transparência nos algoritmos e a manipulação da opinião pública são questões que precisam ser cada vez mais debatidas. Entenda um panorama sobre essas empresas, quem são seus donos, como essas influências acontecem e, por fim, se elas devem ou não ser regulamentadas.
O que são Big Techs?
As Big Techs são empresas que dominam o setor de tecnologia e inovação, exercendo grande influência na economia global e na vida cotidiana. Com serviços e plataformas amplamente utilizados, companhias como Apple, Google, Amazon, Microsoft e Meta moldam a forma como as pessoas se comunicam, consomem entretenimento e trabalham.
A ascensão das Big Techs coincide com o aumento significativo do uso de dispositivos móveis, especialmente em países como o Brasil. De acordo com um relatório da consultoria AppAnnie, em 2021, os brasileiros passaram, em média, 5,4 horas por dia em seus celulares, liderando o ranking global ao lado da Indonésia.
Embora essas empresas impulsionem a economia, elas também acumulam um poder de influência sobre a comunidade, o que gera discussões que vão além do impacto no mercado. Não só isso, muitas vezes elas deixam de ser corporações e passam a refletir diretamente a imagem de seus CEOs, especialmente quando estas pessoas decidem ultrapassar os limites do setor digital e se tornarem figuras públicas expressando opiniões – e polêmicas.

O relatório revela que, ao todo, os usuários no Brasil acumularam 193,3 bilhões de horas de uso no celular ao longo de 2021. Imagem: iStock
Big Techs e a manipulação das opiniões públicas
A influência das Big Techs sobre a política e a democracia se tornou evidente com o escândalo da Cambridge Analytica, que utilizou dados de usuários do Facebook para influenciar a eleição presidencial dos Estados Unidos em 2018 e o referendo do Brexit no Reino Unido.
No Brasil, episódios semelhantes foram observados, como na eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e na disputa pela prefeitura de São Paulo em 2024, na qual o candidato Guilherme Boulos foi alvo de uma campanha sistemática de fake news.
Boulos e Pablo Marçal
É importante relembrar que o que aconteceu na campanha eleitoral de 2024 para a Prefeitura de São Paulo foi um caso clássico – e comprovado – de manipulação das redes sociais para defender uma narrativa equivocada.
Nesta ocasião, Pablo Marçal (PRTB) acusou repetidamente Boulos (PSOL) de uso de drogas, chegando a divulgar um laudo médico falso que alegava uma internação de Boulos por consumo de cocaína. A Justiça Eleitoral reconheceu a falsidade do documento e determinou sua remoção das redes sociais, mas não antes do estrago ser feito.

Apesar dos esforços, Pablo Marçal não chegou nem ao segundo turno das eleições para a Prefeitura de São Paulo. Imagem: Edison Dantas
Mas infelizmente não é só no Brasil que temos a estratégia da disseminação de fake news para sustentar teorias da conspiração da direita, principalmente.
Nos Estados Unidos, a desinformação tem sido utilizada para desacreditar adversários desde a eleição de Donald Trump em 2016 e continua sendo. Durante a corrida presidencial de 2024, estratégias semelhantes foram empregadas, com candidatos sendo alvo de boatos sobre suas capacidades físicas e mentais, além da circulação de conteúdos manipulados gerados por inteligência artificial.
Regulamentação das redes sociais
É por isso que, mais uma vez, precisamos discutir a urgência de regulamentar as redes sociais e mostrar que a chamada “liberdade extrema” não pode ser usada como justificativa para a disseminação de fake news, preconceitos, xingamentos e outras violações dos direitos humanos. Palavras têm impacto, e desinformação tem consequências reais.
Para isso, é fundamental estabelecer normas claras para a remoção de conteúdos falsos ou prejudiciais, aumentar a transparência dos algoritmos e responsabilizar as plataformas pela disseminação de fake news.
Alguns lugares já avançaram nessa questão, como a União Europeia, que implementou a Lei de Serviços Digitais (DSA), exigindo que grandes plataformas monitorem e combatam desinformação. Já na Alemanha, a Lei de Aplicação da Rede (NetzDG) impõe multas a empresas caso elas não removam conteúdos ilegais rapidamente.
No Brasil, o debate ainda está em andamento, com projetos como o PL das Fake News, que busca responsabilizar as redes sociais pelo conteúdo impulsionado e estabelecer regras para moderar e investigar publicações. Exemplo disso foi a suspensão do X (antigo Twitter), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e que tinha o objetivo de impedir a disseminação de desinformação e garantir o cumprimento das decisões judiciais.

A rede social X (antigo Twitter) ficou fora do ar 39 dias após a suspensão de Alexandre de Moraes. Imagem: Reprodução
Zuckerberg e Elon Musk
A falta de regulamentação das redes sociais é tão grave que a vida virtual está saindo das telas e tomando proporções gigantescas na vida comum do cidadão. Um exemplo disso é o que aconteceu na posse de Donald Trump em 2025.
Elon Musk, proprietário do X, foi nomeado para chefiar o Departamento de Eficiência Governamental, enquanto Mark Zuckerberg, proprietário da Meta (antigo Facebook e Instagram), anunciou o fim do programa de checagem de fatos da empresa – medidas que podem facilitar a propagação de informações enganosas.
Essas ações, embora não pareçam a olho nu, sinalizam uma aliança potencial entre governo e grandes empresas de tecnologia. Mais do que isso, combinadas com uma retórica que promove uma interpretação extrema da liberdade de expressão, podem encorajar grupos de direita a desrespeitar direitos humanos e atacar comunidades vulneráveis, utilizando as plataformas digitais como amplificadoras ainda maiores de preconceitos e fake news.

Na foto, Mark Zuckerberg, Priscilla Chan, Jeff Bezos, Sundar Pichai e Elon Musk. Imagem: Chip Somodevilla
A vulnerabilidade da democracia
É nítido que a ascensão das big techs transformou a comunicação política, permitindo que discursos fossem amplificados em larga escala sem a devida regulamentação. Essa liberdade sem controle abriu espaço para manipulação pública, com fake news sendo usadas como armas para distorcer a realidade e alimentar radicalizações.
No Brasil, a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 exemplifica essa ameaça: milhares de pessoas, influenciadas por desinformação e discursos de ódio promovidos nas redes sociais, sentiram-se legitimadas a atacar as instituições democráticas – e hoje estão presas por isso.
Mas o perigo é iminente e reside no fato de que essas plataformas, ao priorizarem engajamento e lucro, acabam favorecendo a polarização e a normalização de ataques à democracia. Quando a própria ideia de verdade é questionada e a violência política se torna aceitável para parte da população, a democracia simplesmente se torna vulnerável.
A influência das Big Techs sobre a democracia é inegável. A falta de regulação das redes sociais permite a disseminação de fake news, a manipulação da opinião pública e a concentração de poder nas mãos de poucas (gigantes) empresas. Porém, é necessário proteger a democracia e implementar regulações que garantam o mínimo de transparência e responsabilidade das plataformas digitais.
Se você deseja se aprofundar nesse tema, conheça o curso “Big Tech – A ascensão dos dados e a morte da política”, ministrado pelo PhD em História da Ciência na Universidade de Harvard e um dos principais pensadores em tecnologia da atualidade, o professor Evgeny Morozov.
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