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Ditadura: a influência do anticomunismo e dos Estados Unidos no golpe 64

Como os Estados Unidos e o medo do comunismo foram os responsáveis para o 64 e sustentaram um dos regimes mais autoritários da história do Brasil
23/06/2025 | 15h34
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Durante a Guerra Fria, o capitalismo e a contenção do “perigo vermelho” foram usados como justificativas ideológicas por vários atores políticos, bancários, empresas multinacionais e os Estados Unidos (EUA) para consolidar regimes autoritários na América Latina.

Esse processo teve impactos profundos no Brasil, com o Golpe de 1964 e a ditadura militar que se seguiu.

Aqui vamos analisar essas conexões, entender como o perigo vermelho se tornou tão perigoso para o capitalismo e debater os impactos no Brasil.

A ascensão do comunismo no Brasil

Durante a Guerra Fria, a América Latina virou um tabuleiro estratégico na disputa entre capitalismo e comunismo, pelo menos segundo a lógica que predominava nos EUA e seus aliados.

A Revolução Cubana e a crise dos mísseis em 1962 aumentaram os temores em Washington quanto à difusão do comunismo, mesmo em governos moderados e reformistas como o de João Goulart.

A estratégia norte-americana era clara: qualquer governo que parecesse se aproximar do comunismo representava uma ameaça ao continente.

Não só isso provocou a classificação do Brasil como palco potencial de avanço soviético, mas também trouxe consequências econômicas para o país.

Por exemplo, nesse período houve uma alta no condicionamento de empréstimos e financiamento político a grupos favoráveis ao alinhamento com os Estados Unidos.

Como Jango era visto como um presidente nacionalista e aliado a setores de esquerda, os Estados Unidos interromperam empréstimos e bloquearam negociações com o FMI (Fundo Monetário Internacional), dificultando a estabilidade econômica e criando o ambiente de “crise” que mais tarde justificaria o golpe.

O Golpe de 64

No Brasil, o golpe de 1964 e a subsequente ditadura militar foram apoiados por setores empresariais, bancos, multinacionais e, claro, por aqueles que tinham grande interesse em espantar o comunismo, os estadunidenses.

De um lado, setores empresariais e bancos privados estavam com medo das reformas propostas por João Goulart, especialmente a reforma agrária, a estatização de setores estratégicos e a taxação de grandes fortunas.

De outro, empresas multinacionais, muitas das quais já operavam no país com isenções fiscais e liberdade irrestrita de envio de lucros ao exterior, viram nas propostas do governo um risco à lógica do capitalismo internacional.

Inclusive, é importante lembrar que o Golpe de 64 não foi um impulso.

Ele foi construído passo a passo, ao longo de meses, com articulações entre militares, empresários, setores da mídia, políticos conservadores e apoio direto dos Estados Unidos.

Um dos momentos-chave de mobilização social e simbólica para legitimar o golpe foi a chamada Marcha da Família com Deus pela Liberdade — uma caminhada que reuniu mais de 300 mil pessoas mobilizadas principalmente por setores da Igreja Católica, empresários, donas de casa de classe média e organizações conservadoras, como o IPES e o IBAD.

A marcha, realizada em março de 64, era uma reação direta ao comício de João Goulart na Central do Brasil (13 de março), onde o presidente reafirmou sua disposição de implementar as Reformas de Base.

E um dos últimos passos para o Golpe que viria alguns dias depois.

Manifestantes durante a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em 19 de março de 1964, em São Paulo. Foto: Arquivo Nacional

Manifestantes durante a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada em 19 de março de 1964, em São Paulo. Foto: Arquivo Nacional

O estopim do Golpe de 64

Na madrugada de 31 de março para 1º de abril de 1964, tropas do general Olympio Mourão Filho, de Juiz de Fora, marcharam em direção ao Rio de Janeiro, cidade que era a capital brasileira.

Era o estopim do golpe.

Outros setores militares aderiram rapidamente ao movimento, e o então presidente João Goulart decidiu não resistir com força militar, temendo uma guerra civil. Ele se retirou para o Rio Grande do Sul e, depois, foi exilado no Uruguai.

O estopim imediato do movimento golpista teve como pano de fundo a Revolta dos Marinheiros, ocorrida poucos dias antes, entre 25 e 27 de março.

Cerca de 2.000 marinheiros e fuzileiros navais, liderados por João Cândido Felisberto (sim, o mesmo da Revolta da Chibata, décadas antes), protestaram exigindo melhores condições de trabalho, anistia para marinheiros punidos por insubordinação e direitos políticos.

João Goulart se recusou a punir os manifestantes e, inclusive, concedeu anistia.

Isso foi interpretado pelos altos comandos militares como uma quebra da hierarquia, acirrando o clima de instabilidade. Para os setores conservadores, a leniência do governo com os marinheiros foi a “gota d’água” e eles entenderam que o país estava escorregando para o comunismo ou para uma “república sindicalista”.

No dia 2 de abril, o Congresso Nacional declarou vaga a presidência da República, mesmo sem renúncia formal de Goulart.

No dia seguinte, os militares tomaram o poder oficialmente, e o general Castello Branco foi nomeado presidente por eleição indireta, inaugurando o que se tornaram 21 anos de ditadura militar no Brasil.

A Revolta dos Marinheiros foi o episódio que expôs a tensão entre militares de baixa patente e o alto comando às vésperas do golpe. Imagem: Arquivo Nacional

A Revolta dos Marinheiros foi o episódio que expôs a tensão entre militares de baixa patente e o alto comando às vésperas do golpe. Imagem: Arquivo Nacional

O “perigo vermelho” e o “milagre econômico”

O discurso do “perigo vermelho”, termo que refletia uma suposta ameaça comunista iminente, foi o alicerce simbólico da ditadura militar no Brasil. Ele não apenas legitimou o golpe, como também sustentou políticas autoritárias ao longo das duas décadas seguintes.

Ao construir um inimigo interno rotulado como “subversivo”, “terrorista” ou “infiltrado”, o regime justificou a perseguição sistemática a opositores políticos — prendendo, torturando e assassinando milhares de pessoas.

Toda forma de pensamento crítico passou a ser tratada como ameaça à segurança nacional. Assim, o anticomunismo operava como uma ferramenta de controle social e político, silenciando o que era diferente e restringindo liberdades civis.

Além da repressão direta, o regime interveio nas universidades públicas, cassando docentes e reitores, censurando livros, peças, filmes e músicas e até desarticulando movimentos sociais e sindicatos de base.

Foi por trás dessa fachada moral de combate ao comunismo, se implementou um projeto econômico alinhado ao capitalismo internacional, com estímulo à entrada de empresas multinacionais que atuavam com isenções fiscais, flexibilidade trabalhista e livre remessa de lucros ao exterior.

O chamado “milagre econômico” aprofundou a concentração de renda e agravou as desigualdades sociais. O “perigo vermelho”, portanto, foi uma narrativa construída para justificar a violência do Estado, preservar os interesses das elites e garantir a abertura econômica em favor do capital estrangeiro.

Também foi a narrativa criada para afastar os ideais de outros países de esquerda da realidade brasileira. Foi nesse período pré-Golpe de 64 que uma das frases que mais ouvimos hoje em dia nasceu, as pessoas morriam de medo do Brasil “virar Cuba”.

Manifestantes seguram faixa com os dizeres 'O Brasil não será uma nova Cuba' durante protesto popular em 2010. Imagem: divulgação

Manifestantes seguram faixa com os dizeres ‘O Brasil não será uma nova Cuba’ durante protesto popular em 2010. Imagem: divulgação

Os Estados Unidos e o Golpe Militar

A atuação dos Estados Unidos durante a ditadura militar brasileira não se limitou ao apoio inicial ao golpe de 1964 — ela se estendeu por toda a duração do regime, moldando decisões estratégicas, econômicas e até ajudando o governo a se tornar cada vez mais repressivo.

Logo após o golpe, os EUA foi o primeiro país a reconhecer o novo governo, sinalizando ao mundo que aquele era um regime legítimo.

Documentos da Comissão da Verdade mostram que oficiais brasileiros receberam treinamento na Escola das Américas, no Panamá, onde aprenderam métodos de interrogatório, contrainsurgência e controle populacional — conhecimentos posteriormente aplicados em prisões e centros de tortura no Brasil.

No campo econômico, os EUA apoiaram o regime com empréstimos e investimentos que favoreceram a entrada de empresas multinacionais e a implementação de políticas alinhadas ao neoliberalismo, mesmo que isso significasse o aprofundamento da pobreza e da desigualdade.

E a verdade sobre o resultado dessa estratégia é que essa colaboração consolidou o Brasil como uma peça subordinada no tabuleiro geopolítico americano, onde a manutenção da ordem capitalista valia mais do que a democracia ou os direitos humanos.

Hoje, é verdadeiro afirmar que a ditadura militar no Brasil não se sustentou só na força dos quartéis.

Ela foi alimentada por uma ideologia muito bem construída, centrada no medo do comunismo. Sobre isso, o historiador Rodrigo Patto Sá Motta explica que o anticomunismo não era só um discurso político mas, sim, uma ferramenta real de controle, usada para justificar censura, repressão, perseguição a opositores, intervenção nas universidades e o sufocamento de qualquer ideia diferente.

No livro Em guarda contra o perigo vermelho (2002), ele mostra como esse medo costurado com propaganda e paranoia uniu militares, empresários, religiosos conservadores e a grande mídia.

Esse medo ajudou a abrir caminho para um projeto autoritário, violento e completamente alinhado aos interesses dos Estados Unidos e elites econômicas, que viram no golpe uma oportunidade de manter seus privilégios e afastar qualquer ameaça de justiça social.

O tal “perigo vermelho” virou desculpa para calar vozes, desmontar direitos e entregar o país aos interesses do capital estrangeiro. E entender esse passado é urgente.

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