Por Iago Filgueiras*
Fernando Collor é um nome que ficou marcado no imaginário nacional de formas muito diferentes. O “caçador de marajás” — como ficou conhecido pela promessa de caçar funcionários públicos que acumulavam altos salários — foi eleito nas eleições presidenciais de 1989, a primeira após o término da ditadura militar brasileira.
Se apresentando como uma figura que traria modernidade para a administração pública no país, Fernando Collor foi a pessoa mais jovem a ocupar a presidência da República — tinha 40 anos quando foi eleito. Sua eleição foi marcada por um forte apoio midiático.
No entanto, seu governo criou um trauma coletivo em um país que há anos lidava com a hiperinflação e a corrosão do poder de compra.
Imagine acordar e, de repente, não poder mais acessar o dinheiro que havia em sua poupança? Essa foi uma das principais características do Plano Collor, famoso na história brasileira pelo trauma, desespero e sofrimento.
Quem é Fernando Collor?
Fernando Collor de Melo nasceu em 12 de agosto de 1949, no Rio de Janeiro, em uma família rica e tradicional na política brasileira, com forte poder midiático — proprietária de jornais impressos, rádios e canais de televisão no Norte e Nordeste brasileiro.
Do lado paterno, é filho de Arnon de Mello — ex-governador de Alagoas e ex-senador da República, conhecido pelo episódio em que disparou uma arma de fogo no Congresso, resultando na morte de um parlamentar. Já do lado da mãe, Leda Collor, é neto de Lindolfo Collor, primeira pessoa a ocupar o recém-criado cargo de ministro do trabalho no governo Getúlio Vargas.
Fernando Collor entrou cedo na política, em 1979. Aos 30 anos, se tornou prefeito de Maceió e, a partir desse ponto, engatou uma série de cargos políticos. Em 1982 foi eleito deputado federal e quatro anos depois se tornou governador de Alagoas. No cargo, construiu a imagem de um homem que queria enxugar a máquina pública, acabar com os privilégios do funcionalismo público e exonerou servidores com altos salários.
A trajetória de Fernando Collor o consolidou como um nome presidenciável e, em 1989, concorreu as eleições, tendo como principal oponente o então líder sindicalista, Luis Inácio Lula da Silva. Na época, foi considerado um “outsider”, mesmo já tendo ocupado outros cargos e sendo herdeiro de uma família tradicional da política brasileira.
Assumiu o cargo de Presidente da República em 1990, ficando marcado na história pelo plano econômico mais trágico da história brasileira e como o primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment.
Após deixar o cargo, Fernando Collor não abandonou a política institucional e foi eleito senador pelo estado de Alagoas por quatro vezes.
1980: a década perdida e os planos econômicos
Se você nasceu depois de 1994, é provável que só tenha conhecido o real como moeda corrente. Mas antes dele, o Brasil trocou de moeda sete vezes desde 1942, com algumas delas tendo circulado por pouco mais de um ano — reflexo de uma economia descontrolada, endividamento crônico e uma inflação sem freio.
Nos anos 1980, o Brasil enfrentava uma grave crise econômica, agravada pela alta do petróleo e pelo enfraquecimento das políticas de empréstimo internacional a juros baixo pelos EUA.

Com a inflação em alta nos anos 1980 e 1990, era preciso atualizar os preços constantemente. Foto: reprodução
Quem ia ao mercado costumava encontrar preços diferentes todos os dias — e, às vezes, no mesmo dia também. Para evitar a perda do poder de compra, famílias buscavam gastar o salário assim que recebiam, antes que os preços subissem novamente.
Desde o suposto “milagre econômico” da ditadura militar, o contexto econômico vinha se deteriorando. O aumento do PIB e da industrialização naquele período vieram acompanhados do aumento da dívida externa e da desigualdade social. Ao deixar o poder, os militares deixaram também uma dívida de cerca de US$ 100 bilhões — cerca de 50% do PIB à época.
Em 1979, a desvalorização do cruzeiro encareceu importações e impulsionou a inflação, que saltou de 15,6% em 1973 para 100% em 1980. Em 1981, o PIB recuou 4,3%.
Com a posse de José Sarney, em 1985, o Brasil herdou um cenário de inflação de 215% e reservas cambiais quase inexistentes. A solução foi uma série de planos econômicos falhos, cada um com novas moedas e promessas.
Os planos econômicos anteriores
O primeiro deles foi o Plano Cruzado, em 1986, que congelou preços e salários e criou o cruzado como nova moeda e estabeleceu o gatilho salarial — sempre que a inflação acumulada ultrapassasse os 20% ao mês, os salários deveriam ser corrigidos pelo mesmo índice.

Supermercado no Recife interditado em 1986 após fiscalização da Sunab (Superintendência Nacional de Abastecimento) identificar preços acima do autorizado. Foto: Julio Jacobina/Guia do Estudante
No início, teve efeitos positivos, mas em poucos meses a inflação voltou com força. No mesmo ano, veio o Plano Cruzado II, uma tentativa de corrigir o plano anterior, também sem sucesso.
Em 1987, o governo declarou a moratória da dívida externa — ou seja, decidiu romper unilateralmente com o pagamento dos juros da dívida —, o que dificultou ainda mais a obtenção de empréstimos estrangeiros.
O Plano Bresser (1987) extinguiu o gatilho salarial, mas a inflação seguiu alta. Em 1989, o Plano Verão trocou o cruzado pelo cruzado novo, mas a inflação atingiu 1.973% ao ano.
Esse foi o último ano do governo Sarney. Em meio ao colapso econômico, a paciência da população chegava ao fim. Ninguém mais acreditava em planos mágicos.
Era o cenário perfeito para Fernando Collor, candidato que prometia modernização, mas que acabaria impondo um dos mais controversos planos econômicos do Brasil — e que até hoje provoca tristeza em muitos brasileiros.
Plano Collor: o dinheiro sumiu
Em 15 de março de 1990, o Brasil aguardava por uma solução para a hiperinflação que corroía o poder de compra. Fernando Collor prometeu um “choque” econômico, mas seu plano ficou marcado pelo confisco da poupança e pela crise financeira que gerou desconfiança na população.
O anúncio do Plano Collor
O Plano Collor, inicialmente apresentado como Plano Brasil Novo, foi desenvolvido pela equipe econômica de Fernando Collor, liderada pela ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello, e que também incluía o secretário do Planejamento, Antônio Kandir, e o presidente do Banco Central, Ibrahim Eris.
Na avaliação da equipe, era preciso reduzir a quantidade de dinheiro disponível para reduzir a demanda e assim, controlar a inflação.
Ao anunciar o plano, que entrou em vigor em 16 de março de 1990 via medida provisória, Fernando Collor chegou a afirmar “o Brasil não aceita mais derrotas. Agora é vencer ou vencer. Que Deus nos ajude”. A fala do presidente mostrava também a consciência dos profundos impactos que a medida causaria.

Em 16 de março de 1990, Fernando Collor anunciou uma série de medidas para combater a inflação, mas o confisco da poupança só foi revelado algumas horas depois pela ministra da Economia, Zélia Cardoso. Foto: reprodução
O plano anunciou um ajuste fiscal agressivo, criou impostos sobre operações financeiras, aumentou as tarifas de serviços públicos, extinguiu empresas estatais, demitiu milhares de funcionários públicos e congelou os preços e salários.
A medida também contemplou a troca da moeda, de cruzados novos para cruzeiros e um rígido controle monetário, com uma iniciativa que chocou milhões de pessoas — o confisco da poupança. A possibilidade já pairava sobre o imaginário popular e chegou a ser levantada nos meses anteriores a eleição de Fernando Collor.
Durante a campanha eleitoral, ele afirmou que não tocaria no dinheiro dos brasileiros. Chegou até mesmo a dizer que a medida seria adotada por seu adversário Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas naquele 16 de março, uma sexta-feira e o último dia de um feriado bancário de três dias decretado ainda pelo governo Sarney, a narrativa de Fernando Collor se mostrou uma farsa. O governo bloqueou cerca de 80% do dinheiro aplicado em cadernetas de poupança, contas correntes e em aplicações financeiras de curto prazo — os overnights.
Esses investimentos de curto prazo eram uma aplicação diária com rendimento de 100% da inflação. Na prática, eles eram usados por muitos empresários e garantiam que a inflação não corroesse o poder de compra do dinheiro.
Depósitos à vista e cadernetas de poupança com saldo de até 50 mil cruzados novos por CPF foram convertidos para a nova moeda. Valores acima desse limite foram bloqueados e transformados em depósitos especiais sob custódia do Banco Central, com prazo de 18 meses, remunerados a 6% ao ano mais correção monetária. Quando o dinheiro fosse liberado, seria devolvido em 12 parcelas.
Para os demais ativos financeiros, como depósitos remunerados e aplicações de curto prazo, o acesso ficou limitado a 20% do valor total ou a 25 mil cruzados novos, o que fosse maior. Estima-se que o montante total bloqueado pelo plano foi de cerca de US$ 100 bilhões — 30% do PIB à época.
O dia 19 de março
Fernando Collor anunciou o plano na sexta-feira, o último dia do feriado bancário, o que significa que, na prática, os bancos não abriram entre os dias 14 e 18 de março de 1990, retornando apenas na segunda-feira (19).

Edição do jornal O Globo de 17 de março de 1990. Foto: reprodução
No dia 13 de março, o presidente do Banco Central do governo Sarney, Wadico Bucchi, tranquilizou a população e disse que ninguém confiscaria a poupança. Na dúvida, muita gente enfrentou longas filas durante o feriado para tentar sacar alguma quantia pelos caixas eletrônicos.
Mas o caos se instaurou no dia 19, quando os bancos abriram. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), cerca de dez milhões de pessoas queriam conferir o saldo, sacar dinheiro ou conversar com o gerente.
O impacto do confisco
Embora na década de 1990 o número de brasileiros com contas bancárias fosse significativamente menor que atualmente, quem tinha reservas financeiras e acesso ao banco, guardava o dinheiro na poupança ou na conta-corrente.
Por isso, para milhões de pessoas o confisco de Fernando Collor foi caótico. Ele atingiu empresas, que de um dia para o outro ficaram sem capital de giro, mas também afetou aposentados que haviam poupado durante uma vida toda, quem havia vendido um imóvel e até mesmo famílias que economizaram para arcar com os custos de procedimentos médicos.
Na mídia, não foram raros os relatos de depressão, crises de ansiedade e até de quem tirou a própria vida.

Mulher chora em frente ao Banco Central em São Paulo, após descobrir que teve o dinheiro da poupança confiscado. Foto: Imagem: Antônio Gaudério/Folhapres
A regra de saque diferenciada no overnight permitia garantia um saque maior para os grandes montantes. Ou seja, se um grande industrial tivesse um milhão de cruzados novos investidos, poderia sacar 20% — 200 mil.
O governo criou um mecanismo para que quem tivesse dívidas contraídas anteriormente pudesse usar o montante para honrar os compromissos, mas as regras de saque de até 50 mil cruzeiros ainda estariam em vigor pelos próximos 18 meses.
Na prática, sem poder sacar dinheiro acima do montante fixado, os pagamentos entre comerciantes e empresários eram feitos por meio da transferência do saldo retido do devedor para o pagador. Ou seja, para os pagamentos em cruzados, o que havia era a promessa de recebimento futuro. Enquanto os cruzeiros emitidos após o plano, poderiam ser usados livremente — era como se o dinheiro antigo ficasse em uma espécie de quarentena.
A medida pareceu ter funcionado por um momento. Se em março de 1990 a inflação havia ultrapassado os 80%, em maio ela foi de 7%. Porém, a medida contribuiu para a desaceleração da economia, fez com que houvesse demissões em massa ou redução de jornada de trabalho e de salário.
Nos meses seguintes a inflação subiu e o ano de 1990 finalizou com uma inflação acumulada de 1.476% e PIB encolheu 4,3%.
O fracasso do Plano Collor e os planos seguintes
Com o evidente fracasso do Plano Collor I em controlar a inflação e com a economia à beira do colapso, o governo lançou novas medidas para tentar conter a crise. Essas tentativas, porém, revelaram-se tão problemáticas quanto o plano original, aprofundando ainda mais a recessão e o desgaste político.
Plano Collor II
Em janeiro de 1991, o governo lançou o Plano Collor II, uma tentativa de corrigir os erros do plano original, mas aprofundou ainda mais a crise. O pacote previa um novo congelamento de preços, novas demissões de funcionários públicos e o aumento de impostos.
A medida impactou diretamente a confiança da população sobre a equipe econômica do governo de Fernando Collor e resultou na saída de Zélia Cardoso de Melo do Ministério da Economia em maio de 1991.
Plano Marcílio
Com a saída de Zélia, o ministério foi assumido por Marcílio Marques Moreira, um diplomata de carreira e visto com “bons olhos” pelo mercado financeiro. Suas medidas incluíram a liberação de preços e um empréstimo de US$ 2 bilhões garantido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Marcílio ficou no cargo por pouco mais de um ano e foi substituído após o impeachment de Fernando Collor em 1992.
Mas na prática, o Brasil continuou convivendo com a hiperinflação, que só foi controlada após o Plano Real, em 1994.
A queda de Collor
O governo Collor, já profundamente desgastado pelo fracasso do plano econômico e pelo trauma do confisco da poupança, entrou em colapso definitivo com a explosão do escândalo PC Farias em 1992. As investigações revelaram um esquema de corrupção envolvendo Paulo César Farias, tesoureiro da campanha de Collor, com denúncias de enriquecimento ilícito e tráfico de influências, que atingiam o núcleo do governo.
Com o impeachment de Fernando Collor, quem assumiu a presidência foi seu vice, Itamar Franco, cujo governo também foi marcado pela forte inflação, superada apenas após o Plano Real, em 1994.

Manifestação pelo impeachment de Collor em 1992. Foto: Guilherme Basto/Arquivo/Agência O Globo
Conclusão
A gestão de Fernando Collor marcou a economia brasileira com um dos planos econômicos mais traumáticos da história recente. A promessa de modernização e controle da inflação, que inicialmente cativou a população, rapidamente se transformou em um cenário de incerteza, desemprego e descrença.
O confisco da poupança, além de atingir diretamente milhões de brasileiros, instaurou um sentimento de insegurança em relação ao sistema bancário, com milhares de pessoas ainda lutando na justiça para reaver o dinheiro confiscado.
Além disso, a extinção de empresas estatais, as privatizações e as demissões em massa no funcionalismo público foram justificadas sob a bandeira da modernização, mas resultaram no desmantelamento de setores estratégicos e no aumento do desemprego.
Embora o plano tenha afetado profundamente diversas áreas da economia, ele atingiu em cheio as classes trabalhadoras, que viram seu poder de compra evaporar. Além disso, aqueles que tinham algum investimento, perderam o acesso ao dinheiro por um longo tempo.
Com a redemocratização do Brasil, havia também uma disputa pelos rumos futuros do país e a ideia de modernizar a economia era frequentemente associada à adoção de políticas neoliberais. Por isso, a eleição de Fernando Collor servia como uma luva aos interesses das elites brasileiras.
Mas a modernidade prometida, se revelou um experimento econômico desastroso, transformando uma população que há anos buscava formas de sobreviver em um cenário de hiperinflação, em cobaias de uma política mal planejada e executada.
O resultado foi um colapso econômico que precedeu a queda definitiva de Collor, selada por um impeachment impulsionado por escândalos de corrupção e falta de apoio no congresso.
O legado deixado por Fernando Collor e seu plano econômico revelou também a vulnerabilidade da população a medidas econômicas autoritárias.
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*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu
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