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Documentário Folha Corrida: o que a série mostra sobre a relação entre imprensa e ditadura

Série documental investiga como o Grupo Folha se relacionou com a repressão durante a ditadura militar
25/04/2025 | 11h51
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A relação entre empresas de comunicação e regimes autoritários no Brasil ainda é pouco discutida. Durante os 21 anos da ditadura militar (1964–1985), veículos de imprensa publicaram editoriais de apoio, omitiram informações e, em alguns casos, se envolveram diretamente com os órgãos de repressão.

A série documental Folha Corrida, dirigida por Chaim Litewski e produzida pela Terra Firme, analisa a atuação do Grupo Folha nesse contexto. Exibida pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), a série em quatro episódios reúne depoimentos, documentos e arquivos que tratam da colaboração editorial e operacional da Folha de S.Paulo — com destaque para o jornal Folha da Tarde — com a repressão militar.

O ICL não participou da produção nem da pesquisa da série. Sua atuação se limita à exibição do conteúdo e à promoção de discussões públicas sobre o tema.

O que é a série Folha Corrida?

Folha Corrida foi produzida com base na pesquisa “A responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura: o caso Folha de S.Paulo”.

O trabalho foi financiado por um Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público Federal e a Volkswagen, que destinou parte dos recursos a projetos voltados à memória e justiça. Um desses projetos investigou a atuação do Grupo Folha durante o regime militar.

A equipe de pesquisa reuniu profissionais de universidades públicas: Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ), Amanda Romanelli (PUC-SP), André Bonsanto Dias (UEM), Flora Daemon (UFRRJ), Joëlle Rouchou (FCRB) e Lucas Pedretti (UERJ). A investigação se baseou em arquivos oficiais, documentos da empresa, jornais, imagens e entrevistas com pessoas que viveram ou atuaram naquele período.

Direção e produção

A direção é de Chaim Litewski, que também dirigiu o documentário Cidadão Boilesen. A série busca apresentar de forma clara a relação entre imprensa e repressão, com base em dados e depoimentos. “O objetivo era traduzir a complexidade dessa relação entre mídia e ditadura, respeitando os fatos, mas sem abrir mão da clareza”, diz Litewski.

O produtor Cleisson Vidal destaca que o cruzamento entre diferentes fontes foi uma etapa essencial do processo. “Li todos os documentos, ouvi todos os depoimentos. Isso me deu a segurança necessária para realizar o projeto”, afirma.

A produção foi viabilizada com recursos próprios da Terra Firme, já que, segundo Vidal, por tratar de um dos principais grupos de mídia do país, o projeto não encontrou apoio externo.

O que a série revela

Ao longo dos quatro episódios de Folha Corrida, são apresentados elementos que indicam que a atuação do Grupo Folha durante a ditadura militar foi além do posicionamento editorial.

A série detalha como estruturas da empresa foram utilizadas de maneira prática por órgãos de repressão, além de abordar como o conteúdo publicado e a política interna do jornalismo também acompanharam a lógica do regime.

Colaboração material com a repressão

  • Caminhões e carros da empresa foram usados por agentes da Operação Bandeirante (OBAN) e do DOI-CODI para ações como perseguições e sequestros
  • Viaturas caracterizadas como veículos de entrega de jornais facilitaram emboscadas
  • Presos políticos relataram ter visto esses veículos em centros de detenção e tortura

“A repressão passava pela cidade em carros de jornal. Isso dava cobertura perfeita para a ação clandestina”, afirma um dos entrevistados na série.

Participação editorial

  • Manchetes da Folha da Tarde reproduziam versões oficiais produzidas pelos órgãos de segurança
  • Dados pessoais de militantes, como nome, endereço e estado civil, foram publicados em formato de ficha criminal
  • A linguagem adotada era semelhante à da repressão, tratando opositores como “facínoras” ou “terroristas”

Um exemplo mostrado na série é uma edição com a manchete “Eis os inimigos do povo”, acompanhada por fotos de presos políticos.

Repressão interna

  • Funcionários presos foram demitidos por “abandono de emprego”, mesmo quando as prisões já haviam sido divulgadas pelo próprio jornal
  • Há relatos de que agentes ligados à repressão atuavam dentro da empresa, inclusive na redação
  • Jornalistas apontados como “subversivos” foram monitorados ou afastados

Reações e tentativas de negação

Otávio Frias Filho, em sua biografia, afirma que os caminhões da empresa foram usados por agentes do DOI-CODI, mas sustenta que isso teria acontecido sem o conhecimento da direção: “Tenho convicção de que isso foi feito à revelia do meu pai.”

Para os pesquisadores envolvidos na série, os dados coletados indicam o contrário.

“Não era um caso isolado. Era um modo de operação”, afirma Ana Paula Goulart, coordenadora da pesquisa.

A diferença entre apoio editorial e colaboração operacional

Durante o regime militar, diversos veículos de imprensa adotaram posturas favoráveis ao governo, seja por meio de editoriais ou da seleção de pautas. O caso do Grupo Folha, segundo a pesquisa apresentada na série, chama atenção pelo tipo de colaboração estabelecida.

Além do alinhamento editorial, foram identificadas práticas como:

  • Cessão de veículos usados por órgãos de repressão
  • Contratação de agentes ligados à repressão para funções dentro da empresa
  • Divulgação frequente de versões oficiais sem verificação independente

A Folha da Tarde, em especial, publicou matérias que refletiam diretamente os discursos do DOI-CODI. Em alguns depoimentos, essas publicações são descritas como parte da rotina de intimidação dentro dos centros de detenção.

O papel do ICL

A exibição de Folha Corrida pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL) é uma decisão editorial. O Instituto não participou da produção nem da pesquisa que baseia a série. Sua função é garantir que o material esteja acessível ao público e que o conteúdo sirva como ponto de partida para discussões.

“Nosso compromisso é com a transparência e com o direito à memória”, afirma a equipe do ICL. “Não se trata de revisar a história, mas de dar visibilidade a fatos ainda ignorados por grande parte da sociedade.”

A proposta é ampliar o debate sobre o papel da imprensa em contextos autoritários, abordando os limites éticos da cobertura jornalística e os impactos que determinadas escolhas editoriais podem ter fora das redações.

Por que esse debate importa?

Discutir a atuação da imprensa durante a ditadura militar não é apenas uma questão do passado. Trata-se de entender como determinadas práticas se consolidaram e como seguem influenciando o jornalismo e a política hoje.

A cobertura da repressão, a reprodução de versões oficiais sem questionamento, o silêncio sobre abusos e a perseguição de profissionais dentro das redações são aspectos que não podem ser tratados como casos isolados ou superados.

Ainda hoje, o uso estratégico da informação, a omissão seletiva de temas e o alinhamento de interesses entre grupos de mídia e estruturas de poder são práticas que permanecem. Parte dessa permanência se deve à ausência de reconhecimento e responsabilização pelas ações do passado.

Quando episódios como esses não são discutidos, nem enfrentados, cria-se um ambiente onde a repetição é possível e, muitas vezes, naturalizada.

E agora, o que fazer com essa história?

Folha Corrida não pretende encerrar uma discussão. A série organiza dados, relatos e documentos que contribuem para ampliar o entendimento sobre como empresas de comunicação se posicionaram durante o regime militar.

Assistir aos episódios pode ser um ponto de partida para refletir sobre escolhas editoriais feitas em contextos autoritários e os efeitos dessas decisões dentro e fora das redações. O conteúdo está disponível. A forma como será interpretado, discutido ou aprofundado depende de cada pessoa, coletivo ou organização disposta a lidar com essa parte da história.

Exibição

A minissérie Folha Corrida, dirigida por Chaim Litewski e produzida pela Terra Firme, estreou no dia 27 de abril de 2025 na plataforma do Instituto Conhecimento Liberta (ICL). São quatro episódios, com cerca de 30 minutos cada. Assista em nossa área de membros.

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