A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão são verdadeiros pilares para a manutenção da democracia e do Estado, isso não há dúvidas. Porém, o cenário para a imprensa nacional vem sendo ameaçado com uma crescente de violências e ataques contra jornalistas e comunicadores.
Se nossos direitos, instaurados e protegidos pelo artigo 5º de nossa Constituição Federal, não estão sendo respeitados, quais são as medidas cabíveis nessa situação? Como proteger a mídia brasileira de ataques? Quais são os limites da liberdade de expressão?
Vamos debater sobre essas e outras questões aqui.
A liberdade de imprensa
A liberdade de imprensa é um desdobramento do direito à informação, garantindo ao cidadão a possibilidade de criar ou acessar diversas fontes de dados, como notícias, livros e jornais, sem interferência do Estado. De acordo com o artigo 1º da Lei 2.083/1953, essa liberdade é definida como o direito de publicar e distribuir jornais ou meios semelhantes em todo o território nacional.
Na verdade, a história da liberdade de imprensa atual começa com uma vitória: a revogação em 2009 da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (conhecida como Lei de Imprensa), criada durante o regime militar e que tinha o objetivo de regulamentar (censurar) os meios de comunicação. Após a revogação pelo STF e uma vitória pela democracia, a liberdade de imprensa responde hoje à Constituição atualizada e possui seus direitos garantidos.
É dessa forma que, apesar da liberdade de imprensa não ter interferência do governo no acesso e na divulgação de informações, ela pode ser protegida por leis criadas pelo próprio governo. Além disso, é importante lembrar que quando essa liberdade é controlada, isso é sim chamado de censura.

Charge do cartunista Edu sobre a liberdade de expressão e de imprensa em risco. Imagem: Folha de São Paulo.
Liberdade de expressão x Liberdade de imprensa
A Constituição Federal defende a liberdade de pensamento, de expressão e de imprensa. É através do Artigo 5º, inciso 4 da Constituição, por exemplo, que temos a seguinte norma constitucional: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Não obstante, o artigo 220 da Constituição Federal também defende e assegura as liberdades de informação, de expressão e de comunicação em geral: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Com tantas regulamentações que defendem e asseguram as nossas liberdades constitucionais, é possível confundir nossos direitos e deveres em relação a cada uma delas e é aqui que precisamos diferenciar liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
A liberdade de expressão é um direito individual que garante a qualquer pessoa a segurança de manifestar suas opiniões, ideias, pensamentos e crenças de qualquer forma que seja – escrita, oral, manifestações, através da arte ou como opiniões na internet.
Mas se o limite da sua liberdade termina quando começa o do outro, os limites da liberdade de expressão estão baseados, de acordo com a Lei, na luta contra a violência – ou seja, quando a sua expressão viola a honra, dignidade, vida privada ou a própria democracia.
Enquanto isso, a liberdade de imprensa é um direito coletivo que se aplica especificamente aos veículos de comunicação e profissionais da mídia, mas que além de compartilhar dos mesmos princípios, também respeita a atuação das diretrizes do Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e o Código de Ética dos Jornalistas.
Dia Mundial da Liberdade de Imprensa
A data comemorativa é celebrada todo dia 03 de Maio e neste ano completa 32 anos, já que foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1993 como uma resposta ao apelo dos jornalistas africanos e a Declaração de Windhoek.
Em comemoração ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa de 2024, a ONG Repórteres Sem Fronteiras lançou um relatório sobre a situação atual de respeito à imprensa pelo mundo. No relatório, o Brasil avançou dez posições no ranking de liberdade de imprensa, alcançando o 82º lugar entre 180 países. Essa é a melhor posição do país nos últimos dez anos. Desde o relatório anterior, o Brasil recuperou um total de 28 posições.
Além do Ranking Mundial, o Relatório também defende alguns indicadores e faz uma crítica ao desrespeito, violência e falta de segurança contra os colegas jornalistas pelo mundo. Em específico, sobre os períodos de guerra, o RSF aponta que mais de 100 repórteres foram mortos na Palestina em 2023 e pelo menos 22 deles estavam exercendo sua profissão na hora da morte.
Por fim, o relatório também trouxe uma perspectiva sobre o ano eleitoral de 2024 e apontou atos nitidamente antidemocráticos como o fechamento da maior agência de notícias da Argentina no mesmo período em que Javier Milei tomou posse do país. Esse retrocesso na liberdade de imprensa argentina causou uma queda de 26 posições no Ranking Global e agora a Argentina encontra-se em 66º lugar.

Gráfico interativo do RSF em que você pode navegar e descobrir mais dados sobre cada país clicando aqui. Fonte: Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa, RSF
Ameaças contra a imprensa
Um exemplo de cerceamento da liberdade no Brasil são os ataques contra a mídia, especialmente as de esquerda.
Reconhecida nacionalmente, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirma que as violências contra jornalistas aumentaram desde a posse do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva – mais precisamente, a violência grave contra jornalistas aumentou 69,2% em 2022.

O agravamento da violência se dá devido ao aumento de casos de agressão física ou morte contra jornalistas e membros da imprensa em 2022. Imagem: gráfico da Abraji
A pesquisa da Abraji revela quem são os agressores e o resultado não surpreende: políticos, senadores e deputados da extrema direita estão entre as principais figuras de ataques à mídia, incluindo membros da família Bolsonaro, que estiveram envolvidos em 157 casos de violência contra profissionais da imprensa.
Afinal, como falar sobre ataques à imprensa sem lembrar do episódio emblemático da agressão verbal do então presidente Jair Bolsonaro contra a jornalista Patrícia Campos Mello em 2020? O caso foi tão grave que o Presidente foi condenado pelo Tribunal de Justiça por quatro votos a um e teve que pagar uma multa de R$ 35 mil reais à jornalista.
A CDJor (Coalizão Em Defesa do Jornalismo) quis entender esses ataques e monitorou as redes sociais no período da eleição municipal em outubro de 2024. Após apenas um mês de monitoramento das plataformas do X (antigo Twitter) e Instagram, o grupo documentou mais de 37.000 postagens ofensivas direcionadas à imprensa brasileira.
Os ataques variam entre comentários gerais sobre a mídia e agressões diretas a jornalistas e veículos específicos. Palavras como “lixo”, “militante”, “vergonha” e “podre” são frequentemente utilizadas para ofender esses profissionais.
Mas não é preciso ir tão longe. No ano passado, uma das jornalistas do ICL Notícias, Juliana Dal Piva, foi atacada pelo bolsonarista Allan dos Santos. O autor dos ataques está foragido desde 2021 e usou suas redes sociais para compartilhar fake news, mais especificamente imagens de capturas de tela manipuladas, e descredibilizar a jornalista.
Juliana Dal Piva é colunista do ICL Notícias, autora de investigações sobre as milícias digitais bolsonaristas e as acusações contra Jair Bolsonaro, ganhou destaque pelo podcast recordista “A Vida Secreta de Jair” e pelo livro “O Negócio do Jair”.
Ao ser atacada por Allan dos Santos e seus seguidores nas redes sociais, a jornalista teve que vir à público desmentir a fake news e foi apoiada pelo time feminino do ICL que deixou claro aos extremistas: a bancada de mulheres na imprensa não será intimidada.
O compromisso com a verdade é de todos nós
Foi o filósofo Albert Camus que disse que “uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou ruim. Mas sem liberdade, a imprensa sempre será ruim”. É dessa forma que a liberdade de imprensa não é apenas uma garantia constitucional, mas também uma responsabilidade social da nossa sociedade.
Embora o Brasil tenha avançado a favor da democratização da informação e da luta pelo direito de expressão, não podemos ficar calados diante de violências. Cabe a nós como sociedade combater a desinformação, as fake news, os discursos de ódio e garantir o apoio governamental dos nossos direitos.
Afinal, é dever de todos proteger a voz dos jornalistas e veículos de comunicação para que possamos cultivar uma democracia que atua a favor da mídia e, consequentemente, do cidadão brasileiro.
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