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Michel Foucault: o legado filosófico e sua relevância na atualidade

Dono de uma extensa produção, o filósofo estudou temas como o poder, sexualidade, disciplina e punição. Até hoje, sua obra segue sendo usada para analisar criticamente a realidade
19/02/2025 | 18h10
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Michel Foucault pode ser descrito como um dos filósofos mais influentes do século 20. Suas ideias transformaram a maneira como as relações de poder são entendidas em nossa sociedade. Além de teorias abstratas, o pensamento do autor se mantém atual e pode ser usado para analisar criticamente o presente, buscando compreender como as dinâmicas dessas relações produzem efeitos em nossa vida cotidiana.

Aqui vamos entender como Foucault se tornou um pensador tão influente, suas principais obras e como suas ideias seguem influenciando diversos campos das ciências humanas.

Quem foi Michel Foucault

Nascido na França, em 1926, Michel Foucault era o filho do meio de um casal de classe média alta. Em sua família, a prática da medicina era quase uma tradição. Tanto do lado materno, quanto do lado paterno, vários de seus parentes eram médicos. Mas o jovem Foucault, aos 11 anos, surpreendeu seus pais ao revelar que o que queria mesmo era ser professor de história, o que não foi aceito de bom grado pelo seu pai, um renomado cirurgião.

Com 20 anos, o então estudante ingressou na Escola Normal Superior de Paris, uma renomada instituição de ensino responsável pela formação de influentes personalidades. Mas também é nessa fase da vida que, acometido pela depressão e pressionado a esconder a homossexualidade, tentou tirar a própria vida, chegando a ser internado pelo pai.

O filósofo francês Michel Foucault pode ser descrito como um importante pensador do século 20. Foto: Camera Press

O filósofo francês Michel Foucault pode ser descrito como um importante pensador do século 20. Foto: Camera Press

O diploma de licenciatura em filosofia veio aos 22 anos e, no ano seguinte, recebeu um diploma em psicologia. À época, o jovem já era visto como prodígio por alguns intelectuais franceses. Três anos após o primeiro título, ele passou a colaborar com a mesma instituição onde se formou e, no ano seguinte, recebeu uma nova formação em psicopatologia.

Ao longo de sua trajetória, o filósofo ministrou diversas conferências e palestras em diferentes países do mundo, tendo inclusive passado pelo Brasil. Ele estava em São Paulo quando o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado nos porões do DOI-CODI durante a ditadura militar. Foucault chegou a suspender as aulas que ministraria na Universidade de São Paulo (USP) para participar do ato ecumênico em homenagem a Herzog.

Durante seus anos de vida, o filósofo também trabalhou em diversas universidades, tendo dado aulas na França e na Tunísia. Suas obras publicadas e suas ideias o tornaram um intelectual muito respeitado no mundo acadêmico. Embora seus escritos encontrem críticos em diversos espectros políticos, é inegável o papel que eles desempenham nos estudos contemporâneos.

Michel Foucault morreu aos 57 anos em 1984. Segundo os médicos, o filósofo foi acometido por complicações pulmonares. Mas, mais tarde, Daniel Defert, companheiro do pensador, revelou que ele havia morrido em decorrência de complicações da AIDS, síndrome causada pelo vírus HIV e que ataca o sistema imunológico. Após a morte do companheiro, Defert se tornou um importante ativista na conscientização sobre a doença.

As fases do pensamento de Foucault

O pensamento de Foucault é marcado por uma extensa crítica às instituições sociais. Em suas obras, a psiquiatria, as prisões e a medicina são analisadas sob seu olhar crítico. O filósofo também escreveu sobre as dinâmicas de poder e como elas se relacionam com o conhecimento. Sua extensa produção intelectual pode ser comumente divida em três períodos, dos quais falaremos mais abaixo.

O pensamento de Foucault é comumente separado em três fases. Foto: Reprodução

O pensamento de Foucault é comumente separado em três fases. Foto: Reprodução

Período Arqueológico

Nesta fase de sua obra Foucault busca compreender como um conhecimento surge. As coisas não são da forma que são porque sempre foram assim. Um saber também é fruto de um contexto histórico. Para entender isso, o pensador analisa como a loucura deixou de ter um certo caráter místico e passou a ser alvo de exclusão até o surgimento do conhecimento médico, por exemplo.

Para construir sua análise, Foucault precisou estudar as camadas de conhecimento que foram se acumulando com o passar do tempo.

Principais obras:

  • História da Loucura na Idade Clássica (1961)
  • O Nascimento da Clínica (1963)
  • As Palavras e as Coisas (1966)
  • A Arqueologia do Saber (1969)

Período Genealógico

No período descrito como genealógico, Michel Foucault busca entender como algumas práticas e saberes se desenvolveram por meio de lutas, conflitos e relações de dominação. Em obras deste período, ele analisou instituições modernas como as prisões, hospitais e escolas, buscando compreender como elas desenvolveram técnicas de controle das mentes e dos corpos.

Principais obras:

  • Vigiar e Punir (1975)
  • História da Sexualidade (1976)

Ética

O intelectual tenta entender como uma pessoa se torna o que é e como esse processo acontece em uma sociedade marcada por normas. Para isso, ele recorre à Grécia Antiga e às práticas da sexualidade durante a época, estudando um princípio caracterizado como “Cuidado de Si”.

Principais obras:

  • História da Sexualidade: O uso dos Prazeres (1984)
  • História da Sexualidade: O Cuidado de Si (1984)

Foucault e o Poder

Um dos principais campos de estudo de Michel Foucault foi o poder que, para ele, não é uma coisa que pode ser possuída mas, sim, uma relação que se manifesta em diversas esferas da sociedade de forma assimétrica, com relações de autoridade e obediência. Dessa forma, ele rompe com a visão tradicional de muitos pensadores, que viam o poder como algo principalmente concentrado em instituições ou pessoas.

Na visão do filósofo, portanto, o poder não é absoluto. Mesmo em relações assimétricas como a de pais e filhos, súditos e reis ou professores e alunos, ele não segue uma via de mão única, podendo ser questionado ou resistido, ainda que dentro das restrições impostas pela estrutura social.

Assim, o poder se alastra por toda a sociedade, formando uma rede de mecanismos e dispositivos da qual ninguém consegue escapar, moldando atitudes, comportamentos e discursos.

A organização de uma sala de aula, por exemplo, ilustram bem o conceito de poder disciplinar em Foucault. Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo

A organização de uma sala de aula, por exemplo, ilustram bem o conceito de poder disciplinar em Foucault. Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo

Uma das formas como o poder se manifesta foi chamada por Michel Foucault de poder disciplinar. Ele funciona por meio da vigilância, normalização e controle dos corpos e comportamentos.

Porém, ele também defende que um poder unicamente repressivo não se sustentaria por muito tempo e geraria revolta. Por isso, ao mesmo tempo em que ele reprime, produz conhecimento e corpos produtivos. Por exemplo:

Escola e Educação

  • O ambiente escolar ensina português, matemática e geografia, mas também ensina como se comportar na sociedade.
  • A disposição das salas de aula e a organização do tempo escolar – como a hora de ir ou não ao banheiro – moldam os corpos dos alunos, regulando sua postura, atitudes e horários.
  • Os alunos são monitorados e classificados de acordo com notas, testes e adaptação às regras de disciplina, criando um regime de normalização.

Loucura e Psiquiatria

  • Quando classifica e diagnostica, a psiquiatria define também o que é normal ou anormal na sociedade.
  • Comportamentos “anormais” são objetos de tratamento e controle, o que contribui para a noção de ‘normalidade”.
  • Foucault relaciona a ideia de saúde mental com o exercício de poder e controle sobre os corpos e mentes dos ditos anormais. Como exemplo, a OMS considerava a homossexualidade como uma doença psiquiátrica até 1990.

Poder e vigilância

Para ilustrar como a vigilância funciona em nossa sociedade, Foucault recorre a um modelo arquitetônico de prisão desenvolvido pelo filósofo Jeremy Bentham no século 18.

Imagine um presídio circular, com uma torre de vigilância no centro e as celas ao redor. Os presos não conseguem ver quem está na torre e, por isso, nunca sabem se estão sendo observados. Essa incerteza faz com que se comportem como se estivessem sendo vigiados o tempo todo. Esse é o modelo panóptico.

Modelo de prisão panóptico apresentado pelo filosofo Jeremy Bentanham. Imagem: Blue Ākāśha/ Wikimedia Commons

Modelo de prisão panóptico apresentado pelo filosofo Jeremy Bentanham. Imagem: Blue Ākāśha/ Wikimedia Commons

Além de um desenho arquitetônico, ele explicita uma das formas de funcionamento do poder na sociedade moderna. A vigilância direta deixa de ocupar um papel central, já que o que importa não é ser observado o tempo todo, mas a incerteza da vigilância. A possibilidade de ser visto leva o indivíduo a internalizar normas e comportamentos, regulando a si próprio de forma contínua e mais eficiente.

Nas escolas, os alunos devem saber que podem ser observados para garantir que se comportem conforme é esperado, assim como os trabalhadores mantêm a produtividade e o compromisso quando sabem que os gestores podem estar observando. Essa vigilância também gera o conhecimento que define normas e legitima o poder sobre os corpos e comportamentos.

Do Panóptico ao Algorítmico

No século 21, a sociedade panóptica assume novas formas. A vigilância está nas câmeras de segurança que observam as esquinas, prédios e espaços públicos. Há quem diga que ela vá além das câmeras e exista também em nossas casas, através de computadores, celulares e tablets.

Entra em cena, então, um panoptismo mais sutil. As redes sociais incentivam a exposição voluntária, ao mesmo tempo que os algoritmos analisam os dados coletados, moldando comportamentos e preferências. A vigilância, então, se torna mais silenciosa, parte da vida cotidiana.

A inteligência artificial também é incorporada a esse processo e por meio dela, se fazem análises profundas, aliadas a diversos saberes acumulados que geram conhecimento. Segundo autores, em nenhum outro momento uma fonte de observação foi capaz de colher tantas informações, de forma tão fiel e simultânea, quanto a captura de dados pessoais postados na internet, principalmente nas redes sociais.

Na atualidade, o controle ocorre também no ambiente digital. Imagem: NicoElNino/Shutterstock

Na atualidade, o controle ocorre também no ambiente digital. Imagem: NicoElNino/Shutterstock

O que antes funcionava pelo medo de ser observado, agora é reforçado por meio da análise algorítmica, revelando como as tecnologias expandem e trazem sofisticação aos mecanismos de poder descritos por Foucault.

Outros filósofos, como o sul-coreano Byung-Chul Han vão discutir o conceito de panóptico digital e como as redes sociais funcionam como dispositivos de controle e vigilância em nossa sociedade. A pensadora estadunidense Shoshana Zuboff também vai se dedicar a estudar as relações de poder com base nas atividades das empresas de tecnologia.

Por que Foucault ainda é relevante?

Ao propor que o poder não seja centralizado, mas integre uma rede de relações que molda a vida cotidiana, a obra de Michel Foucault se torna importante para debater e entender as complexas relações de poder que existem em nossa sociedade, além do impacto que elas exercem sobre o cotidiano.

No século 21, suas ideias trazem conceitos que podem ser aplicados para entender também a dinâmica de uso das redes sociais, a vigilância no meio digital, os algoritmos e como comportamentos e preferências são impactados por eles.

A influência do filósofo é ampla e toca áreas como filosofia, sociologia e ciência política. Além disso, o seu trabalho dialoga com diversos autores e pensadores contemporâneos, sendo inclusive, alvo de diversas críticas.

Há quem aponte que ao conceituar poder de forma difusa e presente em todos os espaços, Michel Foucault acabou por não dar a devida atenção às formas mais visíveis e opressivas. Outros dizem que sua obra peca ao não apresentar propostas para transformar a sociedade, e que, embora sua análise seja profunda, não apresenta caminhos possíveis.

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