Durante décadas, o movimento estudantil brasileiro esteve na linha de frente das lutas sociais, exigindo transformações profundas não apenas no campo da educação, mas em toda a estrutura política do país.
Foi nas salas de aula, nas assembleias estudantis e nas ruas que milhares de jovens, movidos pela esperança de um futuro mais justo, se organizaram para resistir à opressão e reivindicar direitos.
Aqui vamos fazer uma análise histórica do movimento estudantil, com foco especial no período da ditadura militar e entender as origens dessa mobilização, suas principais organizações e pontos importantes da trajetória que chegam até os dias atuais.
O que é o movimento estudantil?
Resumidamente, o movimento estudantil é uma forma de organização coletiva dos estudantes, que busca representar seus interesses, lutar por melhorias na educação e atuar como agente político na sociedade.
Trata-se de um fenômeno que ultrapassa fronteiras geográficas, já que está presente em diferentes países e ao longo de toda história da educação moderna.
Um exemplo marcante da atuação de um movimento estudantil foi a mobilização em torno da campanha “O Petróleo é Nosso”, nos anos 1940. Nesse caso, os estudantes se uniram a outros setores da sociedade na defesa da criação de uma empresa estatal para explorar o petróleo brasileiro — algo que escalou até a fundação da Petrobrás em 1953.

O movimento estudantil foi fundamental para o sucesso das mobilizações populares que levaram à criação da Petrobras. Foto: reprodução
Os primeiros movimentos estudantis
Historicamente, a mobilização estudantil brasileira começou a ganhar corpo ainda na primeira metade do século XX. Em 1901, estudantes criaram a Federação dos Estudantes Brasileiros, uma das primeiras tentativas de unificação das pautas estudantis, mas que não teve grandes impactos na educação da época, já que a maior preocupação era a crescente industrialização do país.
Mas foi em 1937, com a fundação da União Nacional dos Estudantes (UNE), que o movimento estudantil ganhou peso institucional e projeção nacional. A UNE, desde sua criação, assumiu o papel de protagonista nas lutas sociais, posicionando-se em defesa da democracia e da ampliação dos direitos civis.
Já nos anos 60, a mobilização estudantil passou a ser fortemente influenciada pelo contexto político de polarização ideológica, principalmente com o avanço das ideias socialistas e a crescente tensão entre conservadores e progressistas.
No fim, esse cenário exigiu maior articulação e estrutura organizativa por parte dos estudantes — o que levou ao fortalecimento das entidades do setor.

Grupo de estudantes segue em ônibus rumo a manifestação a favor das eleições diretas no Brasil, em 1984. Imagem: divulgação
Principais organizações estudantis
Entre as principais estruturas de organização do movimento estudantil estão a União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937 no Rio de Janeiro, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), criada em 1948, também na capital carioca e os Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) e Grêmios Estudantis, que se consolidaram a partir da década de 1960 em diversas universidades e escolas do país como espaços locais de articulação política estudantil.
Essas entidades surgiam, em geral, a partir da mobilização orgânica dos estudantes em assembleias realizadas nos próprios espaços educacionais.
Os encontros ocorriam em auditórios, salas de aula e até mesmo pátios improvisados, onde os jovens debatiam pautas, elegiam representantes e fundavam novos grêmios e diretórios. Essas entidades tomaram uma proporção tão grande na época que foram fundamentais na articulação das lutas estudantis, organizando congressos, passeatas, assembleias e campanhas de mobilização nacional.
Não só isso, mas os diretórios acadêmicos e grêmios escolares se tornaram espaços de formação política, onde os estudantes aprendiam desde cedo a debater ideias, construir propostas coletivas e enfrentar desafios. A UNE, por exemplo, teve papel central na convocação de manifestações contra medidas autoritárias e também no apoio a reformas estruturais no país.
Assim, os estudantes se posicionaram não apenas como defensores de melhores condições na educação, mas como cidadãos ativamente políticos e dispostos a enfrentar regimes autoritários, como foi o caso do movimento estudantil durante a ditadura militar.

Estudantes protestam por mais acesso à educação e participação política nas universidades durante a ditadura militar. Foto: Arquivo Nacional
Movimento estudantil na ditadura militar
Com o golpe de 1964, o Brasil mergulhou em uma ditadura que restringiu direitos políticos, cassou mandatos, fechou o Congresso Nacional e instaurou um regime de censura, perseguições e violência institucionalizada.
Se o movimento estudantil estava se organizando para combater exatamente esse sistema antes, no contexto da ditadura tornou-se um dos principais focos de resistência civil.
Apesar das tentativas do regime de silenciar a juventude, os estudantes se organizaram e enfrentaram a repressão, transformando universidades em verdadeiros centros de contestação política.
A violência contra estudantes
Durante o regime militar, a repressão contra estudantes não se limitava apenas à vigilância ou censura. Ela se manifestava fisicamente com agressões, prisões arbitrárias e até assassinatos.
Um exemplo trágico dessa violência foi o que aconteceu com Edson Luís de Lima Souto — um estudante secundarista de 18 anos, morto em 28 de março de 1968, durante um protesto no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro.
A manifestação tinha como pauta o aumento no preço das refeições oferecidas aos estudantes de baixa renda que frequentavam o local. Durante a repressão policial, Edson foi atingido por um tiro no peito, tornando-se um mártir da luta estudantil.
Seu velório e enterro foram acompanhados por milhares de pessoas e geraram protestos em várias cidades do país.
A frase “Mataram um estudante, podia ser seu filho” foi uma das que ecoaram nas ruas, retratando o sentimento de indignação da população. Alguns ainda dizem que os eventos que se seguiram à morte de Edson tornaram-se um marco simbólico do endurecimento da ditadura e um estopim para a organização dos movimentos estudantis.

Estudante é preso com violência por militares durante protesto contra a ditadura, no centro do Rio de Janeiro, em 1968. Foto: reprodução
Passeata dos Cem mil
A Passeata dos Cem Mil, realizada em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro, foi a maior manifestação estudantil durante o período militar e levou às ruas uma multidão de estudantes, artistas, intelectuais e trabalhadores, indignados com a crescente repressão do regime.
Para entender a importância do protesto, é preciso entendermos o contexto em que ele estava inserido.
Nas semanas que antecederam o fatídico dia, o movimento estudantil intensificou sua atuação nas ruas. No início de junho de 1968, diversas manifestações começaram a ser organizadas e uma delas — a do dia 18 de junho — terminou com a prisão do então líder estudantil Jean Marc von der Weid.
No dia seguinte, centenas de estudantes se reuniram na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para articular novos atos e exigir a libertação de Jean e de outros jovens detidos, mas a polícia atuou novamente e cerca de 300 participantes acabaram presos após a assembleia.
Ou seja, foi nesse cenário de prisões repetitivas que o estopim das manifestações aconteceu: no dia 21 de junho uma manifestação em frente ao edifício do Jornal do Brasil resultou em diversas mortes, dezenas de feridos e mais de mil prisões.
O episódio entrou para a história como a “sexta-feira sangrenta” e causou forte comoção nacional.
Foi diante da repercussão dessa violência nos jornais que o regime militar autorizou a realização de uma nova manifestação — a Passeata dos Cem Mil.
Essa protesto foi tão grande para a época que demonstrou a capacidade de mobilização dos estudantes mesmo sob intensa vigilância e consolidou a juventude como protagonista na luta pela democracia.

As atrizes Eva Wilma, Tônia Carrero, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker participaram de um ato contra a ditadura militar durante a Passeata dos Cem Mil, realizada em fevereiro de 1968. Foto: reprodução
O movimento estudantil brasileiro é um dos pilares da resistência democrática no país.
Como vimos, sua trajetória vai muito além da luta por melhorias na educação — trata-se de uma força histórica que enfrentou regimes autoritários, questionou estruturas de poder e defendeu, com muita coragem, o direito de sonhar com um país mais justo.
Durante a ditadura militar, estudantes foram perseguidos, censurados, presos, torturados e mortos. Ainda assim, não recuaram.
Pelo contrário, encontraram nas escolas e universidades um espaço de articulação política e resistência. Portanto, as mobilizações estudantis que se espalharam nos anos de chumbo foram mais do que simples atos de protesto: foram afirmações de que a juventude não aceitaria ser silenciada.
Em muitos casos, essa luta ultrapassou os muros das universidades e se radicalizou. Parte dos estudantes, diante da escalada de violência e do fechamento total dos canais democráticos, aderiram a movimentos de resistência armada, acreditando que apenas a luta direta poderia derrubar o regime.
Com o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, o cenário ficou ainda mais sombrio. A medida institucionalizou a repressão, fechou o Congresso, censurou a imprensa e deu ao regime poderes quase absolutos.
Foi um golpe duríssimo contra o movimento estudantil, que teve suas entidades perseguidas e seus líderes obrigados a atuar na clandestinidade ou a partir do exílio. Mesmo assim, o movimento resistiu. Foi duramente atacado, mas não extinto.
Porque se tem uma coisa que não deixa dúvidas sobre a história brasileira é que enquanto houver injustiça, haverá estudantes dispostos a lutar.
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