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Como ter mais mulheres na política em tempos de polarização tão radical?

Como ter mais mulheres na política em tempos de polarização tão radical?
11/11/2024 | 15h15

Qual é o retrato das mulheres na política brasileira? De um lado, as mulheres são mais de 52% do eleitorado – e da população. Por outro, em 2024 menos de 20% de candidatas venceram as cadeiras nas Câmaras Municipais pelo país. No total, os próximos mandatos municipais continuam majoritariamente masculinos: 13% das prefeituras serão comandadas por mulheres, incluindo duas das 26 capitais brasileiras.

Passadas as eleições municipais, começa o período de análise e interpretação do resultado das urnas. A derrota da esquerda nas urnas também é uma perda feminina, já que das mais de 700 mulheres eleitas prefeitas, mais de 80% representam a centro-direita. Para o Legislativo, 35% das candidaturas eram de mulheres.

Partidos como o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o Partido Social Democrático (PSD) e o Progressistas (PP) foram os que mais conseguiram eleger representantes. Candidatas da esquerda totalizaram apenas 129 campanhas bem sucedidas para o pleito.

As desigualdades de gênero reforçam a orientação ideológica das mulheres na política?

Podemos dizer que a orientação ideológica das mulheres, na política, também tem influência das desigualdades de gênero ao próprio machismo estrutural.

A divisão desproporcional do trabalho doméstico entre homens e mulheres pode ser vista como um fator de influência no posicionamento político diferente dos gêneros. Em 2022, a diferença de horas dedicadas aos afazeres domésticos e/ou cuidado de pessoas era de mais de 9h a mais para mulheres. Em 2019, a diferença era de 10,6h, segundo dados do IBGE.

O machismo estrutural, que é mais permissivo com os homens, sobrecarregando as mulheres com a criação e os cuidados dos filhos, também contribui para a diferença de alinhamento político. O Brasil registrou 172 mil bebês sem o nome do pai na certidão, o equivalente a 6% dos registros de nascimento.

Por outro lado, também cresceu o número de processos judiciais de reconhecimento de paternidade – 20% das certidões tiveram seu preenchimento finalizado pela justiça. Isso que reforça que a maternidade é algo compulsório para as mulheres, enquanto a paternidade é uma escolha – que os homens que optam por não fazê-la não sofrem nenhuma represália social.

Se o homem é um animal político, as mulheres também o são?

Já dizia o movimento feminista que o lugar de qualquer mulher é onde ela quiser estar. Pensando que o feminismo luta por igualdade de gênero e por uma sociedade livre da opressão masculina, faz sentido que ele tenha sido uma força impulsionadora da adesão de jovens mulheres à esquerda.

Esse “lugar” ideológico luta a favor destas demandas feministas, como o direito ao aborto, igualdade salarial e de oportunidades no mercado de trabalho e pelo fim da violência de gênero, entre outros temas. A direita, por sua vez, tende a defender valores conservadores e tradicionais, que reforçam o machismo e o patriarcado, e se mostra contrária a muitas das demandas feministas.

O alinhamento político de acordo com gênero também tem relação com a reação dos homens às mudanças no mundo: ao não saberem mais como se comportar, eles desejam combater as transformações que estão em andamento.

A luta feminista é uma causa que precisa do engajamento de toda a sociedade, como em 2018, quando homens e mulheres se manifestaram contra a candidatura à presidência do então candidato Jair Bolsonaro por todo o páis. Crédito: Lucíola Correia/ Creative Commons

A luta feminista é uma causa que precisa do engajamento de toda a sociedade, como em 2018, quando homens e mulheres se manifestaram contra a candidatura à presidência do então candidato Jair Bolsonaro por todo o país. Crédito: Lucíola Correia/ Creative Commons

A esquerda como refúgio para as mulheres na política

No cenário político brasileiro, marcado por uma polarização acirrada e crescente, temos observado que a polarização também está se tornando uma questão de gênero. E essas circunstâncias são observadas não apenas no Brasil, mas em diversos países: com o avanço do debate feminista e a conquista de mais direitos para elas, mais meninas e mulheres  têm se declarado de esquerda.

Enquanto isso, os homens, perdidos com as mudanças na sociedade e no papel masculino, se identificam com personalidades controversas, como Elon Musk e Donald Trump – que passou de empresário polêmico a político de extrema direita.

Estudos divulgados recentemente mostram uma tendência mundial de jovens mulheres se identificarem mais com causas progressistas do que homens. No Reino Unido, o jornal Financial Times constatou que mulheres entre 18 e 30 anos são 25 pontos percentuais mais progressistas do que os homens. Nos Estados Unidos, 58% das eleitoras se declararam progressistas ou liberais, contra apenas 37% dos homens. Na Argentina, o voto de homens jovens foi decisivo para a eleição do ultraliberal Javier Milei.

Esse alinhamento de ideologia e gênero não se dá por acaso. É fruto de uma consciência política aguçada, de uma busca por igualdade e justiça social, e de uma identificação com as pautas feministas e progressistas que a esquerda, em sua maioria, defende. É a consciência de que os direitos femininos são os primeiros a serem alterados em momentos de crise, e que é preciso lutar por eles.

Quais pautas da esquerda mais atraem as mulheres?

Protesto contra o PL do Aborto na Cinelândia, Rio de janeiro

Rio de Janeiro (RJ) 13/06/2024 – Manifestação de protesto contra o PL 1904/24, que equipara aborto a homicídio, com pena de até 20 anos, reúne mulheres na Cinelândia.

O direito à autonomia feminina

O feminismo defende o direito das mulheres de decidir sobre seus próprios corpos, vidas sexuais e reprodutivas e seus próprios caminhos profissionais e pessoais. A esquerda apoia essa luta, se posicionando a favor de políticas públicas que garantam o acesso à saúde reprodutiva, à contracepção e ao aborto legal e seguro. Como observado nos últimos anos, a direita tem trabalhado para se sobrepor ao poder individual de decisão, restringindo os direitos das mulheres.

A luta contra a violência de gênero

A violência contra a mulher é uma das maiores expressões da desigualdade de gênero e uma causa conhecida dos partidos progressistas. Ao se posicionar a favor de políticas públicas que combatam a violência de gênero e que garantam a segurança das mulheres, incluindo o fortalecimento de leis de proteção, como a Lei Maria da Penha, e a criação de políticas de atendimento às vítimas de violência doméstica, a esquerda cria mais afinidades com as mulheres.

A direita, por sua vez, prefere minimizar o problema da violência contra a mulher e defender valores que reforçam a cultura do estupro e da impunidade nesses casos.

Igualdade de oportunidades

O feminismo defende a igualdade de oportunidades em todos os aspectos da vida, incluindo o acesso à educação, ao trabalho, à saúde e à política. A esquerda se posiciona a favor da promoção da igualdade de gênero e do combate à discriminação contra as mulheres.

Já os partidos de orientação mais à direita no campo ideológico acabam por defender um modelo tradicional de família e da divisão de papeis entre homens e mulheres. Além de perpetuar a desigualdade de gênero, limita as oportunidades que as mulheres podem conquistar na vida cotidiana.

A influência do feminismo nas jovens mulheres

As jovens mulheres de hoje estão crescendo em um mundo em que as ideias feministas estão cada vez mais presentes. Por meio das redes sociais, principalmente, elas estão mais e melhor informadas e conscientes das desigualdades e da necessidade de lutar pelos seus direitos. Uma vez que sabem que ninguém pode lutar pelo que é delas, se mostram muito dispostas a lutar por um futuro mais justo e igualitário.

  • A menor ligação com religiões: as jovens mulheres estão cada vez menos ligadas a religiões tradicionais e conservadoras, que tendem a reforçar valores patriarcais e a limitar a autonomia das mulheres. Essa desconexão com as religiões tradicionais têm contribuído para a adesão de jovens mulheres a ideias feministas e progressistas.
  • A busca por igualdade e justiça social: As jovens mulheres estão cada vez mais conscientes da importância da igualdade e da justiça social, e veem a esquerda como uma resposta para as suas demandas e para a busca por um mundo mais justo e igualitário.

Uma resposta à busca por igualdade e justiça social

As jovens mulheres estão percebendo que a esquerda é um movimento que está mais próximo de suas demandas e de sua busca por um futuro mais justo e igualitário. A esquerda se posiciona a favor de políticas públicas que promovam a igualdade de gênero, que combatam a violência contra as mulheres, e que garantam o acesso às mulheres a serviços essenciais, como saúde, educação e trabalho.

A polarização política e o impacto na vida das mulheres

A polarização política tem afetado a participação das mulheres na política de forma negativa. O aumento do discurso de ódio, da intimidação e da violência política tem afastado as mulheres dos espaços de poder, e tem contribuído para a diminuição da representatividade feminina na política.

  • O discurso de ódio. As mulheres que se posicionam em defesa de seus direitos e de seus interesses têm sido alvo de ataques e ofensas nas redes sociais e nos meios de comunicação, especialmente de parte de setores conservadores e de extrema-direita.
  • A intimidação e a violência. Mulheres na política estão sujeitas à intimidação e à violência física e psicológica. Esses ataques tem como objetivo silenciar as mulheres e impedi-las de exercer seus direitos políticos.

As mulheres na política podem ajudar a combater a polarização?

A crescente participação de jovens mulheres na política reflete uma consciência política em expansão, com foco em igualdade, justiça social e identificação com pautas feministas e progressistas.

Esse movimento apresenta uma oportunidade para fortalecer o engajamento em torno de questões feministas e promover uma sociedade mais justa e igualitária. Para isso, é fundamental atender às demandas dessas jovens e construir um futuro onde a igualdade de gênero seja uma realidade acessível a todos.

Com mais diálogo e engajamento político e social, começamos a traçar um caminho que pode diminuir a polarização e criar um ambiente mais colaborativo.

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