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Oferta e dízimo: como a Teologia da Prosperidade transforma fé em dinheiro para pastores milionários

A Teologia da Prosperidade transformou a fé em um mercado lucrativo. Igrejas prometem bênçãos em troca de dinheiro, enquanto pastores acumulam riqueza e influência política
18/02/2025 | 16h52
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A fé deveria ser um lugar de conforto e reflexão, mas para alguns líderes religiosos, virou um grande negócio. Muitas igrejas exploram a insegurança dos fiéis para arrecadar dinheiro, usando a Teologia da Prosperidade como justificativa.

O discurso convence as pessoas de que precisam dar dinheiro em troca de bênçãos. Na prática, pastores acumulam milhões enquanto os seguidores seguem endividados e frustrados.

No Brasil, essa lógica se espalhou e criou um mercado lucrativo, onde a fé virou mercadoria e a espiritualidade, um pretexto para a arrecadação. Quem questiona, ouve que está “roubando de Deus”. Quem doa e não vê resultado, se sente culpado por “não ter fé suficiente”.

Redes de templos, programas de TV, canais no YouTube e até partidos políticos sustentam esse ciclo, onde a arrecadação nunca para. Mas o que há por trás disso? Como essa doutrina convence milhões de brasileiros a doar dinheiro, mesmo quando falta para o essencial?

O que é a Teologia da Prosperidade?

A Teologia da Prosperidade é um modelo de crença que relaciona riqueza à fé. A ideia principal é que, se você dá dinheiro para a igreja, Deus te retribui com bênçãos financeiras, cura e sucesso.

Se você está desempregado ou passando dificuldades, o problema não é a falta de políticas públicas ou o impacto da economia. O problema, segundo essa doutrina, é você mesmo. Ou você tem fé e contribui com oferta e dízimo ou está condenado a continuar sofrendo.

Esse discurso se baseia em três pilares:

  1. A culpa é sempre do fiel: se a vida não melhora, é porque você não contribuiu o bastante.
  2. O pastor é um intermediário direto de Deus: ele tem “autoridade espiritual” para determinar bênçãos e maldições.
  3. Dinheiro é sinal de santidade: se o pastor é rico, é porque Deus está abençoando sua igreja.

Então, se o fiel é pobre, ele ainda não é digno de bênçãos.

Como essa doutrina chegou ao Brasil?

A Teologia da Prosperidade nasceu nos Estados Unidos, no início do século XX. Seu maior divulgador foi o pastor Kenneth Hagin, que afirmava que a fé tinha o poder de transformar a realidade material. Essa ideia se espalhou pelo mundo com o crescimento do neopentecostalismo.

No Brasil, igrejas como a Assembleia de Deus Vitória em Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus adotaram essa doutrina como base. Silas Malafaia, Edir Macedo e outros líderes neopentecostais transformaram o dízimo em um sistema de arrecadação altamente lucrativo, onde a fé se torna um produto vendido a cada culto.

Os fiéis doam acreditando que vão receber algo em troca. Enquanto isso, os pastores acumulam patrimônio e investem no próprio poder. Não há transparência sobre o destino dessas doações. As igrejas crescem, abrem novas sedes e investem cada vez mais em campanhas políticas, garantindo influência e poder.

Mas, se esse modelo é tão explorador, por que tantas pessoas continuam presas a ele?

Kenneth Erwin Hagin, um dos primeiros pastores a pregar sobre a Teologia da Fé. Foto: Church Times Nigeria

O dízimo virou obrigação, não um ato de fé

A arrecadação não acontece só pelo convencimento. Há um jogo psicológico muito bem estruturado. As igrejas criam um ambiente onde os fiéis se sentem constantemente pressionados a doar. Isso acontece por meio de estratégias como:

  • Constrangimento público: o fiel recebe um envelope e precisa devolvê-lo com dinheiro. Quem não contribui, se sente exposto.
  • Testemunhos ensaiados: pessoas são chamadas ao palco para contar como melhoraram de vida depois de doar.
  • Pressão e culpa: pastores dizem que quem não contribui está “roubando de Deus” e pode sofrer consequências.
  • Promessa de retorno financeiro: a doação é vendida como um “investimento”, onde quanto mais você dá, maior será a retribuição.

Se essa lógica fosse real, os mais pobres já teriam saído da miséria há muito tempo. Mas, na prática, o dinheiro arrecadado não volta para a comunidade. Ele financia grandes estruturas, influencia eleições e mantém o conforto de quem está no topo da hierarquia religiosa.

Quem está ficando rico com o dinheiro dos fiéis?

A arrecadação de ofertas e dízimos movimenta bilhões no Brasil, sem transparência. Enquanto os fiéis fazem sacrifícios para manter as igrejas funcionando, pastores acumulam patrimônio e influência política.

O pastor Silas Malafaia, por exemplo, já foi flagrado ensinando estratégias para arrecadar dinheiro de fiéis. Em um vídeo, ele afirma que “ou dá a oferta porque ama ou dá a oferta porque é constrangido. Azar o dele”. A justificativa é irrelevante, desde que o dinheiro entre.

Esse dinheiro não fica apenas dentro das igrejas. Ele também financia políticos alinhados a interesses religiosos. Um exemplo é a decisão do governador Tarcísio de Freitas, que isenta igrejas do pagamento de ICMS. Isso significa que os pastores podem importar bens, incluindo carros de luxo, sem pagar impostos, desde que aleguem “uso religioso”.

Além disso, algumas igrejas aparecem em investigações criminais. A Polícia Federal já encontrou ligações entre igrejas e milícias, revelando que parte do dinheiro doado pode estar financiando crimes.

Pastores pedem sacrifício, mas vivem no luxo

Muitos pastores pedem doações e falam sobre sacrifício financeiro, mas vivem de forma bem diferente dos fiéis que sustentam suas igrejas. Casas amplas, carros de luxo e viagens internacionais fazem parte da rotina de líderes que transformaram a fé em um negócio altamente lucrativo.

O discurso sobre oferta e dízimo mantém esse sistema funcionando. A promessa de que “quem doa, recebe em dobro” incentiva fiéis a contribuírem, mesmo quando enfrentam dificuldades. Mas, no topo da hierarquia religiosa, a prosperidade parece estar garantida apenas para os próprios pastores.

Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, é um dos exemplos mais conhecidos. Ele construiu um império pregando sobre prosperidade e arrecada milhões por ano com sua igreja. Mas não é o único.

  • Virgínio de Carvalho (Assembleia de Deus em Sergipe) aumentou seu patrimônio em 5.800% em 10 anos, comprando imóveis e carros de alto valor.
  • O pastor Geraldo dos Santos Filho, da Assembleia de Deus Para as Nações, foi preso por usar igrejas para lavar dinheiro do PCC.
  • Líderes da Bola de Neve foram acusados de manipular documentos para assumir o controle da igreja e faturar R$500 mil com dízimo.

Esses casos mostram como o modelo de arrecadação sem transparência favorece o enriquecimento de poucos. As igrejas não são obrigadas a prestar contas, e muitos pastores usam sua influência política para manter essa estrutura protegida.

Denise Seixas e o apóstolo Rina, fundadores da igreja Bola de Neve, antes da crise que dividiu a liderança. Após a morte de Rina, Denise assumiu a presidência em meio a disputas judiciais e denúncias de desvio de dízimos. Foto: Redes sociais

Como o dinheiro da igreja influencia a política?

Além de sustentar o estilo de vida de alguns pastores, o dinheiro arrecadado com oferta e dízimo também financia campanhas políticas e fortalece grupos conservadores. Igrejas evangélicas se tornaram ferramentas para mobilizar eleitores, influenciar decisões e proteger interesses religiosos no Congresso.

Durante as eleições, cultos viram espaço para discursos políticos, e fiéis são incentivados a votar em determinados candidatos. O medo e a promessa de um “governo cristão” são usados como estratégia para garantir apoio nas urnas.

Silas Malafaia, por exemplo, foi um dos principais aliados de Jair Bolsonaro. Durante o governo, líderes religiosos receberam benefícios fiscais e cargos públicos como reconhecimento pelo apoio. Igrejas passaram a atuar ativamente na política, impulsionando candidatos e defendendo leis que mantêm suas vantagens.

A bancada evangélica no Congresso trabalha para impedir investigações sobre o dinheiro das igrejas. Sempre que há alguma proposta para fiscalizar essas instituições, deputados e senadores ligados a esses grupos reagem contra.

Isso significa que parte do dinheiro doado pelos fiéis pode estar sendo usada para bancar campanhas eleitorais e garantir privilégios para as próprias lideranças religiosas. Enquanto fiéis acreditam estar contribuindo para a obra de Deus, esse dinheiro pode estar circulando nos bastidores da política.

A falta de fiscalização sobre oferta e dízimo

Igrejas têm isenção de impostos, o que significa que bilhões de reais circulam por essas instituições sem fiscalização rigorosa. Diferente de empresas e outras organizações, elas não precisam prestar contas sobre suas arrecadações.

Esse modelo abre espaço para práticas que podem incluir:

  • Lavagem de dinheiro: recursos sem origem clara que passam por templos antes de serem usados em outras transações.
  • Enriquecimento ilícito: pastores que acumulam bens de alto valor sem transparência sobre a origem do dinheiro.
  • Evasão fiscal: uso da isenção tributária para evitar o pagamento de impostos sobre grandes quantias.
  • Uso político: financiamento indireto de campanhas eleitorais e troca de favores com políticos.

O problema não está na fé, mas no uso dela para justificar a arrecadação sem controle. Com pouca fiscalização, igrejas funcionam como empresas que movimentam grandes quantias sem precisar explicar como o dinheiro é gasto. Enquanto isso, fiéis continuam sendo incentivados a doar, sem saber exatamente para onde vai esse dinheiro.

O pastor Silas Malafaia financiou e apoiou Jair Bolsonaro em campanhas, garantindo benefícios para igrejas e lideranças evangélicas enquanto mantinha influência na base bolsonarista. Foto: Isac Nóbrega/ PR

Como identificar e evitar a exploração financeira nas igrejas?

Ter fé não significa sustentar o luxo de pastores milionários. Muitas igrejas constroem uma relação de confiança com seus fiéis, mas usam essa proximidade para arrecadar dinheiro sem transparência.

Se você contribui financeiramente, vale a pena refletir sobre algumas questões:

  • A igreja informa como o dinheiro é gasto? Se não há transparência, há motivo para desconfiança.
  • O pastor tem uma vida simples ou acumula bens de alto valor? Se há ostentação, o discurso sobre sacrifício pode ser apenas para os fiéis.
  • Há pressão para doar sob a promessa de bênçãos? Se a contribuição se torna uma obrigação para que você seja abençoado, pode haver manipulação.
  • A igreja defende isenções fiscais para líderes religiosos? Se há esforço para evitar fiscalização, pode haver interesses que vão além da fé.

Se algumas dessas respostas forem “sim”, talvez seja o momento de questionar para onde está indo sua contribuição. Religiões devem servir à comunidade, e não a interesses privados.

A fé não pode ser usada como instrumento de exploração

A ideia de oferta e dízimo foi transformada em um sistema de arrecadação que favorece poucos. Muitos pastores acumularam patrimônio ao longo dos anos, enquanto os fiéis continuam sendo incentivados a doar sem saber exatamente como o dinheiro é usado.

O que deveria ser um ato voluntário virou um compromisso quase obrigatório dentro de algumas igrejas. A fé passou a ser associada a contribuições financeiras, como se fosse preciso pagar para receber bênçãos ou proteção.

Se a religião faz parte da sua vida, ela deve ser um espaço de acolhimento e aprendizado, não um sistema que exige dinheiro em troca de promessas. Questionar essa estrutura não significa perder a fé, mas entender que ninguém deveria enriquecer às custas da crença dos outros.

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