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Patriotismo: amor à pátria ou idolatria cega aos símbolos errados?

Apesar do discurso nacionalista, o patriotismo brasileiro precisa ser inclusivo, pois não há apenas um Brasil no nosso país
18/11/2024 | 15h02

O dicionário define o que é patriotismo como

  1. Qualidade de quem é patriota.
  2. Amor à pátria, devoção ao seu solo e às suas tradições, à sua defesa e integridade.

Em sua essência, o patriotismo é o amor e a devoção a uma nação, associado a um sentimento de orgulho pelas suas tradições, história e cultura. Trata-se de uma afeição sincera pelos elementos que compõem a identidade nacional, como a língua, as artes, a natureza e os valores históricos, porém sem negligenciar ou reprimir os grupos minoritários ou as diversas culturas que formam a sociedade.

Um patriotismo no sentido verdadeiro está ligado à busca pela melhoria social e pelo bem-estar de todos os cidadãos. Ele fomenta o compromisso com os direitos humanos, com a justiça social e com a igualdade de oportunidades para todos.

Como definido na Constituição Federal, o patriotismo precisa se opor a qualquer forma de preconceito ou discriminação baseada em gênero, raça, origem, ou qualquer outra característica. Ele valoriza a diversidade cultural e reconhece a importância de absorver as influências positivas das demais culturas globais.

Patriotismo e nacionalismo são dois lados da mesma moeda?

O patriotismo e o nacionalismo, frequentemente usados como sinônimos, representam conceitos distintos e, muitas vezes, opostos. Compreender essa diferença é fundamental para a construção de uma sociedade justa e democrática, capaz de acolher a diversidade e o respeito às diferenças.

Diferenças essenciais entre Patriotismo e Nacionalismo

  • O patriotismo se concentra no bem-estar geral da nação, incluindo a população em sua totalidade. O nacionalismo se concentra no fortalecimento do Estado-nação, muitas vezes em detrimento de outras nações, ou de grupos nacionais, causando a perseguição e marginalização dessas pessoas, aumentando as desigualdades.
  • O patriotismo abraça a diversidade dentro da nação, reconhecendo a importância da contribuição de diferentes grupos para a riqueza cultural do país. O nacionalismo, priorizando uma ideia de nação, pode ser excludente, promovendo uma visão homogeneizada e hostil a outros grupos.
  • O patriotismo é muitas vezes associado a valores como justiça, liberdade e igualdade para todos os cidadãos, enquanto o nacionalismo tem sido usado para justificar ações discriminatórias ou atos de opressão.
  • Um patriotismo genuíno incentiva a participação na construção de uma sociedade mais justa e a defesa dos direitos humanos. O nacionalismo, por outro lado, pode conduzir à intolerância e à violência contra aqueles percebidos como “diferentes” ou inimigos – como o slogan da ditadura cívico-militar “Brasil: ame ou deixe-o”.

Nacionalismo, o perigo da ideologia excludente e do “patriota do caminhão”

O nacionalismo se caracteriza pela priorização dos interesses do Estado-nação e seus cidadãos, muitas vezes acima de outros interesses e valores humanos e globais. Ele pode gerar um sentimento exagerado de superioridade e união, reforçando a homogeneização cultural e gerando preconceito contra os “diferentes” e outros povos.

A ideologia nacionalista pode incentivar o fechamento em si próprio, a exclusão e o isolamento da sociedade face à diversidade e às inúmeras interações e influências culturais mundiais. Embora uma certa forma de nacionalismo possa ser inerente a uma identidade cultural de um povo, é fundamental que esse sentimento não se transforme em intolerância e discurso de ódio e em exclusividade patriótica.

Como nas ditaduras nacionalistas, quando a ênfase na homogeneização cultural é tão forte que gera a exclusão dos “diferentes” e a marginalização de grupos minoritários, com supressão de direitos humanos e instabilidade política. A glorificação da nação e a desconsideração de suas contradições podem criar um ambiente propício para a manipulação política e a ascensão de lideranças autoritárias.

Além disso, o nacionalismo exacerbado muitas vezes obscurece as complexas realidades globais, alimentando a desconfiança e o conflito entre nações. A busca por interesses nacionais exclusivos, em detrimento da cooperação internacional, pode levar a uma escalada de tensões, guerras e à deterioração das relações globais – como o “patriota do caminhão”, preso de forma frágil, ao mesmo tempo em que muito exposto a riscos.

O “patriota do caminhão” ficou conhecido em todo o país ao tentar impedir um caminhão de furar o bloqueio imposto por bolsonaristas após a derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022. Crédito: Reprodução/ Divulgação

Bandeira, hino nacional e camiseta verde-amarela: o pacote “patriota”

O movimento nacionalista recente no Brasil se apropriou dos símbolos nacionais – a bandeira do país, o hino nacional e as cores verde e amarelo – para promover uma visão distorcida da identidade nacional, muitas vezes associada a ideias autoritárias e conservadoras.

Esse movimento frequentemente utiliza esses símbolos para justificar a defesa de posições políticas específicas, ignorando ou minimizando a diversidade cultural e histórica do país, além de buscar silenciar o debate sobre injustiças sociais, desigualdades e outros temas complexos.

Essa instrumentalização de símbolos nacionais visa a criar uma narrativa simplista e homogênea da nação, com o intuito de mobilizar apoio para um projeto político específico, negligenciando valores democráticos, inclusivos e a própria história plural do Brasil.

A apropriação desses símbolos por esse movimento nacionalista resulta em uma visão distorcida do patriotismo. A crítica ao sistema democrático, a negação de direitos humanos fundamentais, e a defesa de ideias preconceituosas e excludentes, como o racismo, machismo, e homofobia, são, frequentemente, apresentados como parte integrante deste suposto “patriotismo”, obscurecendo as discussões necessárias sobre as complexidades da sociedade brasileira e sobre a importância de defender a pluralidade e a inclusão.

É de se questionar o “patriotismo” de brasileiros que se reúnem, na data da independência do país, para exaltar um empresário estrangeiro e atacar um juiz de sua própria nação. Afinal, se devemos valorizar e priorizar os nossos símbolos e representantes, por que existem tantas animosidades para uns e nenhuma para outros?

O nacionalismo das ditaduras brasileiras

As ditaduras brasileiras, ao longo da história, frequentemente utilizaram o nacionalismo como um instrumento de poder e de controle social e ideológico. A busca por uma identidade nacional homogênea e a construção de um inimigo externo (ou interno), frequentemente associado a forças políticas consideradas opositoras ou estrangeiras, foram estratégias chave para a mobilização da população em torno do regime e para a supressão de dissidências.

A exaltação de um passado idealizado e a demonização de grupos considerados perigosos para a “unidade nacional” serviam para fortalecer a imagem do Estado e para justificar a repressão e o controle social, reforçando a ideia de uma ameaça externa ou interna à identidade nacional, e justificando assim medidas autoritárias.

Por meio do uso de símbolos nacionais, da censura de expressões contrárias, e de propagandas que reforçavam o ideal de uma nação unida e forte, as ditaduras do Estado Novo e do regime militar buscaram construir um consenso nacional artificial, mascarando as violências, as injustiças sociais e a repressão.

O nacionalismo era usado para mobilizar apoio popular e legitimar o regime autoritário, frequentemente sob a premissa de defender a soberania nacional e a integridade territorial da nação. Este tipo de patriotismo instrumentalizado se distanciava da valorização da diversidade cultural e social, priorizando a homogeneização e o controle.

O patriotismo de um país que surgiu da miscigenação

Qual seria uma “cara” única do Brasil? Você consegue pensar? E, se não chegou a nenhuma possibilidade, a miscigenação que já vivemos ao longo de cinco séculos de história tem muita influência na sua resposta.

O passaporte brasileiro, também em razão das várias possibilidades de identidade nacional, é o mais cobiçado no mercado ilegal para a falsificação de documentos.

Como a modernista Tarsila do Amaral retratou, não existe um único padrão para a fisionomia brasileira. Crédito: Reprodução/ Domínio público

O conceito de patriotismo no Brasil, que foi moldado por inúmeras histórias de miscigenação, não pode ser reduzido a uma identidade única e homogênea. A riqueza e a complexidade da nossa formação social, resultado da interação de povos indígenas, africanos e europeus, se refletem em uma cultura rica e diversa.

Um patriotismo genuíno, portanto, deve celebrar essa miscigenação, reconhecendo a contribuição de cada grupo para a formação da identidade nacional, em vez de buscar uma unidade artificial e esvaziadora das particularidades étnicas, culturais e regionais.

É possível ser patriota ignorando a história indígena do Brasil?

No contexto brasileiro, não é uma “falha patriótica” ignorar a vasta e rica diversidade cultural, especialmente a ancestralidade indígena? A preservação da cultura, tradições e territórios indígenas é um ato de respeito e justiça, além de um elemento crucial para um verdadeiro patriotismo, pois reflete a riqueza e a complexidade da identidade nacional brasileira.

A cultura, as tradições e os territórios indígenas são parte integrante da história e da identidade nacional brasileira. Os povos indígenas, com sua profunda ligação com a terra e suas ricas tradições culturais, tiveram e continuam a ter um papel fundamental na construção do país – foi deles a primeira noção de nação. A preservação dessas manifestações é essencial para a construção de um patriotismo inclusivo e abrangente, que respeite e valorize a diversidade cultural brasileira.

A preservação dos territórios indígenas está intimamente ligada à preservação dessa cultura. Esses territórios são espaços de grande importância cultural, onde são mantidas as tradições, o conhecimento ancestral e as formas de vida indígenas. Defender a preservação desses territórios e as tradições é uma responsabilidade fundamental de todos os brasileiros.

A promoção do diálogo e do entendimento entre a população indígena e a população não-indígena é essencial para a preservação da cultura indígena. Um patriotismo saudável reconhece e respeita a diversidade, e fomenta o diálogo para construir relações mais justas e igualitárias entre os diferentes grupos sociais.

Além disso, a preservação dos territórios indígenas, e dos valores tradicionais brasileiros, requer o combate a atos de despejo e invasões, bem como a proteção dos direitos fundamentais dos povos indígenas. É responsabilidade do Estado e da sociedade civil impedir o desrespeito e promover a defesa dos direitos dos povos indígenas.

Patriota, nacionalista ou apenas um Policarpo Quaresma?

O patriotismo, ao priorizar o bem-estar de todos na sociedade, é um componente crucial para uma nação democrática e justa. Já o nacionalismo, ao priorizar a nação acima de outros valores, pode se tornar uma força excludente e perigosa.

É importante cultivar e manter um patriotismo responsável, que valorize a diversidade, a justiça social, e o respeito à dignidade humana, em oposição ao nacionalismo que gera divisão, preconceito, e conflito. O patriotismo deve ser um instrumento para construção de uma sociedade melhor e não de seu oposto.

Como no livro de Lima Barreto, que sejamos como Policarpo Quaresma: mesmo alimentando um sentimento de pertencimento e preocupação com o Brasil, que tenhamos uma postura crítica e reflexiva, questionando as estruturas sociais e políticas e apontando as injustiças da sociedade brasileira. E, como os modernistas da Semana de 1922, sempre possamos refletir sobre o patriotismo superficial e o nacionalismo exacerbado, incitando a antropofagia dos ideais estrangeiros.

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