Por Iago Filgueiras*
Você sabe, de fato, o que significa ser progressista? O termo aparece cada vez mais nos debates políticos, nas redes sociais e nos discursos de campanhas, mas explicar o significado do progressismo pode ser difícil.
Para alguns, ele representa o avanço dos direitos sociais. Para outros, é um rótulo ideológico usado para deslegitimar tradições e pregar uma suposta guerra do campo progressista contra a família e a religião.
Neste artigo, vamos explorar as origens do pensamento progressista, suas transformações ao longo da história e como ele se manifesta em diferentes contextos.
O que é progressismo e de onde ele vem?
Antes de tudo, é importante entender que o progressismo não é exatamente uma ideologia, com líderes, dogmas ou um manifesto fundador. Trata-se de uma tendência de pensamento que busca promover mudanças sociais, culturais e políticas com base na ideia de que a sociedade pode melhorar continuamente. Ou seja, é um conceito complexo e dinâmico.
As raízes do pensamento progressista remontam ao iluminismo do século 18, quando ideias como razão, liberdade, igualdade e justiça passaram a ser defendidas como pilares de uma sociedade moderna. Foi nesse contexto que surgiram as bases filosóficas para movimentos que viriam a reivindicar o fim da escravidão, o sufrágio universal, a educação pública e a liberdade de expressão.

Da esquerda para a direita, Voltaire, Russeau e Montesquieu, considerados os principais pensadores do iluminismo francês. Foto: reprodução
Desde então, o progressismo tem assumido diferentes formas ao longo da história — e em diferentes partes do mundo. Mas sempre com um fio condutor: o questionamento da ordem vigente em nome de transformações consideradas necessárias.
No Brasil, esse conceito também passou por diversas releituras. Mas, afinal, o que significa ser progressista?
O que é ser progressista?
Talvez você se pergunte: o que define alguém como progressista? A resposta é: depende.
Como já dissemos, o pensamento progressista não segue exatamente uma lógica linear. Afinal, pautas vinculadas ao progressismo no século 19, como o sufrágio universal, em democracias liberais como a nossa, já se tornaram um consenso.
Por isso, para definir o que é considerada uma ideia progressista, é preciso levar em consideração fatores históricos e culturais. É necessário refletir sobre o ponto onde está e qual é o destino que se busca alcançar.
É difícil compilar o pensamento progressista em caixinhas, pois ele tem assumido diversas formas ao longo do tempo. Pessoas com ideias ligadas ao progressismo não defendem necessariamente as mesmas coisas e, em alguns casos, embora tenham pautas semelhantes, propõem caminhos diferentes.

O progressismo assume diferentes formas e bandeiras, mas tem na luta por direitos e na defesa da democracia um eixo comum. Foto: reprodução
O cientista político e professor de Teoria Política da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Marco Aurélio Nogueira, em um debate realizado em 2018 na Fundação FHC, explicou algumas das mudanças que o conceito já teve ao longo do tempo.
No século 18, durante o iluminismo, os progressistas defendiam a prevalência da ciência e do indivíduo, em oposição ao rei e à Igreja — as instituições mais poderosas do período. Já no século seguinte, com influências do socialismo e do liberalismo democrático, eles incorporaram elementos da democracia e das lutas por igualdade.
No século 20, a luta por direitos humanos e sociais entrou em cena e, a partir dos anos 1970, o conceito incorporou temas como o reconhecimento das diferentes identidades. Ou seja, na atualidade, ser progressista envolve a luta por maior inclusão e direitos civis, além da defesa da democracia como valor fundamental para alcançar a justiça social.
Como o progressismo influenciou a história brasileira?
Para refletir sobre isso, é preciso levar em consideração que o progressismo é dinâmico e moldado pelo tempo e pelo espaço em que se insere, não seguindo exatamente uma linha reta.
No Brasil, o pensamento progressista esteve na base do processo de Proclamação da República. Os ideais iluministas, que propunham a valorização do indivíduo e da racionalidade, influenciaram em certa medida as visões de mundo de importantes figuras intelectuais do período, como Ruy Barbosa e Quintino Bocaiuva.

Quintino Bocaiuva, importante figura da Proclamação da República e ministro das relações exteriores do Brasil entre 1889 e 1891. Imagem: Auguste Petit. Retrato de Quintino Bocaiuva
Porém, a concepção progressista foi fortemente moldada pelo recorte histórico e geográfico em que estava inserida. Afinal, com a República veio o direito ao voto, mas este era exclusivo para homens e alfabetizados. As mulheres só foram incluídas no processo eleitoral em 1932. Já os analfabetos, em 1985.
A força dos direitos civis no pensamento progressista contemporâneo
Durante o debate na Fundação FHC em 2018, a historiadora e professora de Antropologia da USP, Lilia Schwarcz, abordou o cenário contemporâneo do pensamento progressista no Brasil. Para ela, na década de 1970, a luta por direitos sociais ganhou espaço. Mas, se por um lado houve avanços na garantia de direitos básicos como saúde e educação, as pautas relacionadas ao reconhecimento das múltiplas identidades acabaram ficando para depois.
Para Lilia, a luta por direitos sociais é uma grande marca do pensamento progressista no Brasil contemporâneo. A historiadora destaca os movimentos feministas, LGBTQIAPN+, ambientalistas e de luta por equidade racial como formas de pressionar a sociedade para a construção de um projeto democrático mais forte, inclusivo e diverso.

No Brasil contemporâneo, os direitos civis estão no centro das lutas progressistas. Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas
O que defendem os progressistas brasileiros?
Como já vimos, o pensamento progressista não é único e está em constante movimento. Por isso, não é possível definir que há uma obrigatoriedade nas pautas defendidas por esse campo. Mas alguns pesquisadores têm evidenciado a existência de uma certa coesão nas ideias de grupos ligados ao progressismo em relação a diversos assuntos.
Em 2017, um grupo de três pesquisadores brasileiros entrevistou cerca de mil pessoas em duas manifestações diferentes: uma em defesa da Operação Lava Jato e outra contra a Reforma da Previdência durante o governo de Michel Temer — pautas que explicitam uma divisão entre direita e esquerda.
Entre os manifestantes de esquerda, mais associados ao progressismo, houve um padrão muito coeso de posições relacionadas a temas como os direitos da população LGBTQIA+, direitos das mulheres, combate ao machismo, descriminalização do uso de drogas, percepção sobre o racismo e defesa de políticas de mobilidade social e redistribuição de renda.

Apesar das diferenças internas, há pautas comuns que unem grupos progressistas no país. Foto: Carl de Souza/AFP
O pensamento progressista é de esquerda ou de direita?
É possível determinar o pensamento progressista como relacionado a um espectro político ou outro? A resposta para essa pergunta é complexa. Afinal, em diferentes contextos históricos e políticos, ideias ligadas a essa tendência já foram defendidas por campos variados.
Aqui, vamos explorar as nuances dessa associação, entender o que motiva esse pensamento e refletir sobre como certos discursos — mesmo sob a bandeira do progresso — podem, na prática, esvaziar o debate e ignorar desigualdades estruturais.
Por que o progressismo é associado à esquerda?
No Brasil, o progressismo é frequentemente associado às linhas de pensamento mais à esquerda do debate público. De modo geral, esse raciocínio faz sentido em muitos aspectos. As ideias progressistas costumam estar ligadas à luta por direitos civis, à busca por justiça social, à defesa das minorias e à promoção da igualdade de oportunidades — pautas tradicionalmente defendidas por partidos e movimentos de esquerda.
Além disso, há uma identificação histórica entre o progressismo e o combate a estruturas tradicionais que mantêm desigualdades: o patriarcado, o racismo estrutural, o elitismo político. A defesa de políticas públicas voltadas à redistribuição de renda, ao acesso à educação, à saúde e ao fortalecimento de direitos coletivos reforça essa associação com o campo progressista.
Em 1990, o sociólogo estadunidense James Davison Hunter, ao propor o conceito de “guerra cultural” para explicar a disputa entre dois campos morais, apresentou uma perspectiva interessante sobre a diferença entre progressistas e conservadores.
Para ele, as visões de mundo dos dois grupos são incompatíveis: no progressismo ela é pautada pela ideia de que a moralidade é construída socialmente, pela importância da autonomia individual e da necessidade de luta por maior equidade. Já para os conservadores, a moralidade é derivada de fontes externas e fixas, como a religião e a tradição.
Isso ajuda a entender por que o pensamento progressista, em geral, é associado á esquerda, uma vez que as visões de mundo daqueles que se identificam como progressista é mais alinhada a esse espectro ideológico.
Quando o debate progressista é esvaziado
É preciso ressaltar o impacto transformador que as pautas progressistas podem desempenhar em nossa sociedade. Mas além disso, é essencial entender que essa transformação só acontece quando o debate é pautado pela justiça social. Sem isso, temas urgentes correm o risco de virar slogans vazios, apropriados por discursos liberais e vendidos como “inovação”.
A descriminalização das drogas, por exemplo, é uma bandeira progressista — mas quando defendida apenas por seus benefícios econômicos em grande escala ou por um suposto direito individual genérico, sem considerar o genocídio da juventude preta e a seletividade penal, a ideia acaba esvaziada.
É a politização que dá profundidade e direção às pautas. Percebe que, ao defender a descriminalização apenas pelo ponto de vista econômico, não se debate a quem atende o modelo defendido. O dinheiro do comércio legalizado será apropriado pelas grandes empresas ou será revertido em investimento econômico e infraestrutura nas periferias?

Um discurso progressista sem atenção às desigualdades estruturais pode reforçar exclusões. Foto: Luiz Baltar/Divulgação
O mesmo vale para pautas como sustentabilidade e inclusão LGBTQIA+. Afinal, quando se defende essas ideias a necessidade de mudanças estruturais precisa ser um ponto central, do contrário, lutas importantes acabam vazias ou criam até mesmo um novo nicho de mercado.
Essa reflexão é crucial para que o pensamento progressista não se torne apenas uma estética política, mas continue sendo uma força de transformação concreta.
Um horizonte para quem não quer deixar ninguém para trás
Grupos que se opõem ao pensamento progressista, sobretudo conservadores, apontam o progressismo como uma ameaça aos valores, uma negação da religião e da moralidade. Mas, embora reduzir esse pensamento a uma caricatura seja interessante para muitos, as pautas são mais profundas: elas defendem a dignidade de todas as pessoas e a democracia.
Esse campo de pensamento busca construir uma sociedade em que ninguém precise abrir mão de sua identidade para ter acesso a direitos. Não há um manual fechado, nem unanimidade em todas as pautas. Talvez a pluralidade desse pensamento seja também um caminho para o debate.
O progressismo é feito de disputa, mas também de escuta e de alianças. Num cenário em que a democracia vive sob tensão, ele pode funcionar como ponto de encontro entre quem deseja um país mais justo, plural e comprometido com o bem comum. Não se trata de impor uma visão única de mundo, mas de garantir que todas as vozes possam existir nele.
*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu
Pergunte ao Chat ICL
Relacionados
Leia manifesto contra privilégios e abusos de mais ricos e políticos fisiológicos
O movimento pede a assinatura de um abaixo-assinado no site 99porcento.com.br
DESIGUALDADE: No Brasil, 63% da riqueza do país está nas mãos de apenas 1% da população
Grupo de 1% dos mais ricos do Brasil tem renda média mensal 36,2 vezes maior que os 40% mais pobres
A conta dos ricaços nunca chega
De um lado, o povo que trabalha, produz e sustenta o país. Do outro, os que vivem do lucro alheio e usam o poder político para manter seus privilégios intocados