“Vai com Deus.” “Graças a Deus!” “Deus me livre.” “Só Deus sabe…” “Axé.” “Amém.”
Essas expressões que falamos e escutamos todos os dias revelam algo muito profundo sobre o cenário das religiões no Brasil: somos um dos países mais diversos do mundo. Independentemente da religião ou crença individual, a espiritualidade está presente na fala, nos gestos, nas músicas, nas festas e até nas despedidas.
A fé faz parte da cultura brasileira de forma tão enraizada que mesmo quem não segue uma religião costuma repetir essas frases. Neste artigo, vamos mergulhar nesse universo plural, entender a história das religiões no mundo e no Brasil e refletir sobre como essa diversidade pode ser um caminho para o respeito e a convivência pacífica entre diferentes crenças.
A história da religião
A religião é uma das manifestações culturais mais antigas da humanidade. Desde os primeiros agrupamentos humanos, a necessidade de compreender o mundo e lidar com o desconhecido levou à criação de sistemas de crenças, rituais e mitologias.
Mais especificamente, a religião teve suas origens entre os períodos Paleolítico e Neolítico, quando os primeiros grupos humanos começaram a se fixar em territórios específicos e adotar um estilo de vida sedentário.
Nesse contexto, os fenômenos naturais (como tempestades, ciclos lunares, secas e colheitas) passaram a ser interpretados como expressões de forças sobrenaturais ou divinas. Assim, surgiram as primeiras formas de crença, profundamente ligadas à natureza e ao ambiente ao redor.
Porém, essas expressões religiosas evoluíram ao longo do tempo e foram influenciadas por fatores geográficos, históricos, políticos e sociais. Hoje, existem cerca de 10 mil religiões no mundo.

Representação de diversos líderes religiosos globais. Imagem: divulgação
Qual a religião do mundo com mais seguidores?
O cristianismo é a religião com o maior número de adeptos em todo o planeta, contando com mais de 2,3 bilhões de seguidores distribuídos em diferentes regiões. Fundamentado nos ensinamentos de Jesus Cristo, o cristianismo possui como base central a crença em um Deus único e na salvação por meio da fé e é uma das religiões mais antigas do mundo.
Porém, ao longo da história, essa religião se interseccionou em três grandes vertentes: o catolicismo, com liderança centralizada no Papa e sede no Vaticano; o protestantismo, que surgiu durante a Reforma do século XVI; e a ortodoxia, predominante em países do Leste Europeu e partes da Ásia, com forte tradição litúrgica e autonomia em relação à Igreja de Roma.
Logo após o cristianismo, o islamismo é a segunda maior religião do mundo, com cerca de 1,9 bilhão de fiéis. Seus seguidores, os muçulmanos, acreditam em Alá e seguem os ensinamentos do profeta Maomé, registrados no Alcorão.
O hinduísmo, por sua vez, é a terceira maior religião em número de praticantes, sendo uma das mais antigas tradições religiosas ainda em prática. Caracteriza-se por uma grande diversidade de crenças, rituais, deuses e filosofias, como o karma e o ciclo de reencarnações (samsara).

O islamismo surgiu no deserto arábico no ano 610 da era cristã. Imagem: divulgação
A história da religião no Brasil
A história religiosa do Brasil é cheia de camadas, mas é principalmente marcada por uma mistura única de tradições. A religiosidade está presente em nosso país, desde antes da chegada dos portugueses, mas passou por um acelerado processo de transformação no século 14, quando os colonizadores chegaram por aqui e trouxeram o catolicismo como religião oficial.
Mas, diferentemente do que muitos pensam, as crenças dos povos indígenas e dos africanos escravizados não foram simplesmente apagadas. Pelo contrário: elas sobreviveram, se adaptaram e se misturaram à fé católica, dando origem ao famoso sincretismo religioso – uma das marcas mais autênticas da espiritualidade brasileira.
Esse sincretismo está presente em vários cantos do Brasil e em práticas que fazem parte do dia a dia de muita gente. Um bom exemplo é o benzimento – onde uma rezadeira ou benzedeira usa orações católicas combinadas com elementos da medicina popular e da espiritualidade indígena ou africana.
Outro exemplo bastante conhecido é a associação entre santos católicos e orixás do candomblé e da umbanda. Em muitos terreiros, por exemplo, Nossa Senhora da Conceição é relacionada a Iemanjá, orixá das águas e dos mares. Já São Jorge, é associado a Ogum, o orixá guerreiro.
Essa convivência entre diferentes crenças e práticas espirituais ajudou a formar uma identidade religiosa brasileira rica, diversa e, acima de tudo, aberta à mistura.
No Brasil, fé é algo que se reinventa, se adapta à realidade de cada comunidade e se expressa de formas que muitas vezes não cabem em rótulos tradicionais. E talvez seja justamente essa mistura que faz da religiosidade brasileira algo tão único, cheio de significado e, principalmente, muita fé.

O altar da umbanda retrata diferentes imagens de santos e orixás. Imagem: reprodução
Quais são as religiões do Brasil atualmente?
A diversidade religiosa é uma das principais características do Brasil de hoje. Resultado de séculos de trocas entre culturas indígenas, africanas, europeias e orientais, o cenário religioso brasileiro é amplo, vivo e está sempre mudando.
Embora o catolicismo ainda seja a fé mais seguida, outras crenças vêm ganhando cada vez mais espaço, mostrando como a espiritualidade no país é plural e espalhada por todos os cantos. Entenda mais sobre algumas delas aqui:
Catolicismo
O catolicismo ainda é a religião com mais adeptos no Brasil, embora venha perdendo espaço nas últimas décadas. A Igreja Católica tem forte influência cultural, política e social no país, com uma presença marcante em festas populares, feriados e patrimônios históricos.
Evangelismo
O crescimento das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais e neopentecostais, é um dos fenômenos religiosos mais relevantes nas últimas décadas. Essas igrejas têm ganhado espaço em todas as regiões do país, com forte atuação nas periferias urbanas.
Xamanismo
Ligado às tradições indígenas, o xamanismo é praticado em comunidades originárias e também por grupos urbanos que buscam reconexão espiritual com a natureza, por meio de rituais com plantas medicinais, cantos e danças.
Espiritismo
Inspirado nos ensinamentos de Allan Kardec, o espiritismo acredita na reencarnação e na comunicação com os espíritos. É uma religião que prega o aperfeiçoamento moral e o amor ao próximo.
Umbandismo
Religião brasileira que mistura elementos do catolicismo, espiritismo e religiões africanas. A umbanda cultua orixás, guias espirituais e valoriza o trabalho de caridade, o autoconhecimento e a cura espiritual.
Candomblé
Religião de matriz africana, o candomblé cultua os orixás, entidades divinas ligadas à natureza e às forças da vida. Cada orixá tem suas cores, comidas, ritmos e símbolos próprios. Os rituais envolvem dança, música, oferendas e muita ancestralidade. É uma religião comunitária, rica em tradição oral, e tem grande importância na preservação da cultura afro-brasileira.
Judaísmo
Com presença no Brasil desde o período colonial, o judaísmo é a religião do povo judeu, fundamentada na Torá (o livro sagrado) e nas tradições milenares, como o shabat – costume de reservar o sábado como um dia de descanso -, as festas judaicas e a alimentação kosher. As comunidades judaicas estão presentes em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

A união entre diferentes religiões é a verdadeira raiz da religiosidade brasileira. Imagem: Getty Image
A importância do Estado Laico
Segundo a Constituição de 1988, o Estado brasileiro não adota nenhuma religião oficial, tendo separação entre Estado e religião de maneira integral – garantindo um cenário no qual a liberdade religiosa é protegida e garantida por lei.
Essa separação é fundamental para que nenhuma fé seja privilegiada em detrimento de outras, e para que as decisões políticas e legais sejam baseadas em princípios universais de justiça, e não em dogmas religiosos. Em um país como o Brasil, que possui uma enorme variedade de crenças, práticas espirituais e visões de mundo, o Estado laico é essencial para manter a igualdade, a tolerância e o respeito mútuo.
Um exemplo que levanta debates sobre a laicidade do Estado brasileiro ocorreu em novembro de 2024, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento de uma ação proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) questionando a presença de símbolos religiosos em prédios públicos.
O MPF argumentou que, por ser o Brasil um Estado laico, a exibição de símbolos como crucifixos em repartições públicas poderia sugerir uma preferência por determinada religião, contrariando o princípio da neutralidade estatal em assuntos religiosos.
Contudo, o STF decidiu manter a presença desses símbolos, considerando-os manifestações histórico-culturais que refletem a formação da sociedade brasileira.
Essa decisão, no entanto, reforça um cenário preocupante: o avanço da influência da bancada religiosa sobre as instituições públicas e os espaços de poder. Quando parlamentares eleitos para representar todos os cidadãos colocam suas crenças pessoais acima dos direitos constitucionais, corre-se o risco de enfraquecer os pilares democráticos do Estado laico.
A atuação de setores religiosos no Congresso tem promovido pautas que buscam impor visões religiosas sobre temas sociais, científicos e educacionais, muitas vezes desconsiderando a diversidade e os direitos das minorias.
Afinal, defender a laicidade do Estado é, mais do que nunca, garantir a liberdade e a igualdade para todos – independente de sua fé ou ausência dela. É a religiosidade que também humaniza nossa sociedade como um todo: em muitas comunidades, as religiões são também redes de solidariedade, de resistência e de transformação social.
Afinal, a diversidade religiosa no Brasil é um reflexo direto da nossa história, marcada por encontros e confrontos entre culturas, povos e tradições. Do catolicismo herdado da colonização aos cultos afro-indígenas que resistiram e se reinventaram, passando pelo crescimento das igrejas evangélicas, pelo espiritismo, pelo islamismo, judaísmo, budismo, hinduísmo e tantas outras expressões de fé, o Brasil é um dos países com a mais rica paisagem espiritual do mundo.
Em uma sociedade verdadeiramente plural, o Estado laico não nega a fé – ao contrário, ele a protege, garantindo que nenhuma visão de mundo seja imposta e que todas possam conviver em liberdade.
É nesse encontro, entre o respeito às diferenças e a escuta mútua, que a religiosidade pode contribuir para uma sociedade mais justa, ética e humanizada.
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