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Revolução Chinesa: como se deu o processo que pavimentou o caminho da China rumo ao desenvolvimento

Conheça o processo revolucionário que alçou a China a novos rumos e pavimentou o caminho para que o país se tornasse uma das maiores potências mundiais
10/03/2025 | 16h50

Por Iago Filgueiras*

Na atualidade, a China desempenha um papel muito importante no cenário global. Muitos apontam que ela se tornou a fábrica do mundo e não é incomum que a frase “made in China” esteja grafada em diversos materiais: de utensílios domésticos a eletroeletrônicos.

No âmbito geopolítico, o país asiático se tornou um importante player e passou a ocupar posições significativas, sendo, muitas vezes, apontado como um antagonista à hegemonia dos Estados Unidos.

Se até a metade do século passado a China vivenciava uma profunda crise política e social com milhões de pessoas na extrema pobreza, na atualidade o país se consolidou como a segunda maior economia do mundo. Para entender como a República Popular da China se tornou o que é hoje, é fundamental entender como se deu a Revolução Chinesa.

Antecedentes

A China é um país com uma história milenar. A administração desse vasto território foi exercida, pelo menos desde 2.000 a.C., por meio de dinastias. Esses grupos monárquicos se impunham sobre outros territórios, assegurando o poder e transmitindo-o de forma hereditária. Eventualmente, os regimes enfrentavam crises e acabavam decaindo, dando lugar a novos representantes.

Em alguns períodos históricos, o desenvolvimento intelectual, econômico e comercial era visível, já em outros, a instabilidade econômica e política assolava a população. A partir do século 8 a.C, a civilização chinesa presenciou o desenvolvimento de correntes filosóficas e intelectuais que influenciam até hoje a sociedade, como o Confucionismo e o Taoísmo.

China Imperial

A dinastia Qing foi a última a governar o país. Entre 1644 e 1911, o regime passou por fases de grande crescimento econômico e fortalecimento militar, chegando a governar mais de 400 milhões de pessoas, o que, à época, representava ⅓ da população mundial. Durante esse período, a dinastia imperial expandiu seus domínios e conquistou novas regiões.

Mas, a partir de 1839, o governo monárquico começou a enfraquecer. O país, que até o fim do século 18 podia ser descrito como autossuficiente e tinha a capacidade de impedir a influência estrangeira na sua política, passou a sofrer com a pressão das potências ocidentais. Além disso, a instabilidade econômica, a corrupção e as revoltas internas impactaram drasticamente o poder da dinastia.

Bandeira da dinastia Qing (1889-1912). Imagem: Wikimedia Commons

Bandeira da dinastia Qing (1889-1912). Imagem: Wikimedia Commons

Nesse período, o país se envolveu em diversos conflitos armados, entre eles a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), travada contra o Império Britânico. Os ingleses exploravam o consumo ilegal de ópio, um psicoativo derivado da papoula, no mercado chinês e partiram para uma solução armada a fim de se opor ao protecionismo econômico e às tentativas do governo local de impedir o consumo da substância.

A derrota no conflito levou à assinatura do Tratado de Nanquim, o primeiro dos Tratados Desiguais, como ficaram conhecidos, firmados entre a China e as potências imperialistas. Esses acordos eram extremamente vantajosos para o ocidente. Em terras chinesas, o saldo foi a perda de Hong Kong e inúmeros benefícios tarifários para os britânicos, além do pagamento de altas indenizações.

Ilustração que retrata as Guerras do Ópio. Imagem: Collection Roger-Viollet/AFP

Ilustração que retrata as Guerras do Ópio. Imagem: Collection Roger-Viollet/AFP

As derrotas na Segunda Guerra do Ópio (1856-1860) e na Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) acentuaram ainda mais a crise da monarquia. Esse período de sujeição às vontades estrangeiras foi chamado pelos chineses de Século da Humilhação e durou até 1949, com a fundação da República Popular da China.

Movimentos revolucionários

O clima de instabilidade política e econômica mergulhou o país em uma profunda crise social. Neste período, surgiram movimentos revolucionários que buscavam não apenas pôr fim à monarquia, mas a criação de um estado republicano que pudesse levar segurança aos chineses e guiá-los rumo à industrialização.

Entre os rebeldes estava Sun Yat-sen, um médico de formação, filho de camponeses, que na primeira década do século 20 fundou o movimento de resistência Tongmenghui, em Tóquio. A organização agregou outros grupos revolucionários que iam da esquerda radical ao conservadorismo. Em 1911, eles foram um dos responsáveis pelo levante que colocou um fim à Dinastia Qing e à monarquia.

Sun Yat-sen junto aos membros do braço do Tongmenghui sediado em Singapura. Foto: Wikimedia Commons

Sun Yat-sen junto aos membros do braço do Tongmenghui sediado em Singapura. Foto: Wikimedia Commons

Foi neste período que Yat-sen desenvolveu a doutrina dos Três Princípios do Povo, que estabelecia que a república chinesa deveria ter um governo nacionalista, democrático e pautado pelo bem-estar da população.

A Revolução Chinesa

Com causas diversas e fruto de um longo processo histórico, a Revolução Chinesa precisa ser analisada para além do ano de 1949, quando a República Popular da China foi fundada. Para isso, é preciso compreender os movimentos que ocorreram desde a queda da dinastia Qing, até a ascensão do Partido Comunista Chinês (PCCh) ao poder.

Revolução Xinhai

Em 10 de outubro de 1911, forças do exército entraram em conflito com defensores da monarquia. A revolta logo se espalhou pelo país, levando diversas províncias chinesas a declararem independência. Em janeiro de 1912, uma assembleia nacional declarou a formação da República da China, com Sun Yat-sen como presidente temporário e capital em Nanquim.

Ao lado das forças leais à Dinastia Qing estava o primeiro-ministro do regime monárquico, Yuan Shikai, que comandava forças militarmente superiores e que ainda dominavam Pequim. Como parte de um acordo para colocar um fim à revolução e tentar garantir estabilidade, Sun Yat-sen abriu mão do cargo e Shikai assumiu a presidência.

Em fevereiro de 1912, o último imperador chinês, Pu Yi, abdicou do trono aos 6 anos de idade. O novo governo adotou uma bandeira de cinco cores, representando as cinco etnias chinesas. Neste mesmo ano, Yat-sen fundou o Kuomintang (KMT), ou Partido Nacionalista Chinês, cujo objetivo era congregar as forças republicanas. Embora tenha se tornado uma importante força política, o grupo logo foi posto na ilegalidade.

Retrato de Pu Yi, último Imperador chinês. Foto: reprodução

Retrato de Pu Yi, último Imperador chinês. Foto: reprodução

Em 1915, Yuan Shikai tentou restaurar a monarquia, mas foi imperador por pouco tempo. Pouco após renunciar ao cargo, ele morreu. Sem uma figura exercendo o poder e o controle do território, o governo central perdeu a força e o país mergulhou em um processo de fragmentação no qual diferentes regiões foram comandadas por diferentes líderes militares.

Era dos senhores da guerra (1916 – 1928)

Tendo o controle de diversas províncias e com exércitos próprios, generais e líderes regionais passaram a governar de forma independente. Neste período, com o vácuo de poder após a crise no governo central, os senhores da guerra formaram diversas alianças temporárias, inclusive com potências estrangeiras, e travaram confrontos para conquistar novos territórios.

Em 1919, Sun Yat-sen reorganizou o Kuomintang. Já em 1921, inspirados pelo sucesso da  Revolução Russa, militantes comunistas fundaram o Partido Comunista Chinês, que em 1923 foi admitido dentro da estrutura do Partido Nacionalista, atraindo também o apoio financeiro dos soviéticos.

Neste período, as forças que buscavam derrotar os senhores da guerra e consolidar um governo central, estavam estabelecidas na região de Guangdong, uma província localizada no sul da China.

Em 1925, com a morte de Sun Yat-sen, o Kuomintang enfrentou uma crise de liderança interna que levou à ascensão de Chiang Kai-shek ao controle do grupo. Sua condução, embora tenha continuado a promover os Três Princípios do Povo, era vista como autoritária e centralizadora, sendo menos tolerante à influência comunista.

A aliança composta pelos nacionalistas e pelos comunistas lançou, em 1926, uma ofensiva contra os senhores da guerra na região norte do país, contando com o apoio de armamentos fornecidos pela União Soviética.

Essa campanha ficou conhecida como Expedição do Norte e conseguiu conquistar importantes cidades chinesas, impondo perdas aos senhores da guerra. Neste período de reunificação, foi introduzida uma nova bandeira para a República da China.

Bandeira da República da China, que segue sendo usada por Taiwan. Imagem: bastisoft

Bandeira da República da China, que segue sendo usada por Taiwan. Imagem: bastisoft

Um ano após o início da ofensiva militar, Chiang Kai-shek realizou um expurgo para eliminar os comunistas do partido. Neste período, conhecido como Massacre de Xangai, diversos militantes de esquerda foram presos e assassinados, marcando o início da Guerra Civil Chinesa.

Guerra Civil Chinesa (1927-1949)

A Guerra Civil Chinesa foi marcada pelo combate entre os revolucionários de esquerda e membros do Kuomintang. Durante o embate, ambos os grupos chegaram a firmar alianças com os senhores da guerra, a depender da conveniência.

A primeira fase do conflito durou de 1927 a 1937 e foi marcada pela concentração dos comunistas em áreas rurais, como o soviete de Jiangxi, liderado por Mao-Tsé-Tung, uma figura que enxergava no campesinato (organização social agrícola de base familiar) um papel fundamental na Revolução Chinesa. Empregando táticas de guerrilha, as forças revolucionárias tentaram combater o poder militar dos nacionalistas.

Após um longo conflito, o soviete foi conquistado e os comunistas tiveram que deixar a região, iniciando um processo de retirada conhecido como Grande Marcha (1934-1935). Liderado por Mao e seus apoiadores, ao longo de um ano, o Exército Vermelho percorreu 9 mil km, cruzou 18 montanhas e 24 rios. Das quase 90 mil pessoas que compunham a marcha, estima-se que 8 mil tenham chegado ao destino.

Após a retirada, os revolucionários se estabeleceram na província de Yan’an.  No entanto, em 1937, como consequência da expansão imperialista do Japão sobre o território chinês no contexto da Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista e o Kuomintang interromperam o conflito interno para resistir aos avanços japoneses.

Mao Tsé-tung discursando para seguidores em 1944. Foto: Hulton Archive / Getty Images

Mao Tsé-tung discursando para seguidores em 1944. Foto: Hulton Archive / Getty Images

Após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e a derrota do Japão e da Alemanha Nazista, os estadunidenses tentaram negociar um acordo de paz entre Kuomintang e PCCh para tentar estabelecer um governo de coalizão, mas os enviados de Chiang-Kai-shek e o representante dos comunistas, Zhou Enlai, não chegaram a um acordo.

Em 1946, a guerra civil retornou, durando até 1949. Os nacionalistas foram apoiados pelos Estados Unidos, já os comunistas receberam apoio da União Soviética, que entregou ao exército de Mao Tsé-Tung materiais bélicos capturados durante a libertação da Manchúria, um estado fantoche que reivindicava o governo da China mas era fortemente influenciado pelo Japão.

Anteriormente conhecido como Exército Vermelho, o Exército de Libertação Popular conquistou uma série de vitórias, enfraquecendo o poder político e militar do Kuomintang.

Tropas nacionalistas nas ruas de Xangai durante a guerra civil, em 1949. Foto: Harrison Forman

Tropas nacionalistas nas ruas de Xangai durante a guerra civil, em 1949. Foto: Harrison Forman

Em 1º de outubro de 1949, a República Popular da China (RPC) foi proclamada, marcando o fim do Século da Humilhação. Em dezembro do mesmo ano, as tropas de Chiang Kai-shek iniciaram uma retirada para a ilha de Taiwan.

China e Taiwan

Mapa representando as localizações geográficas de China e Taiwan. Imagem: reprodução

Mapa representando as localizações geográficas de China e Taiwan. Imagem: reprodução

A ideia dos nacionalistas era reagrupar as forças e tentar retomar o controle da China Continental. Isso não aconteceu e o governo do Kuomintang passou a reivindicar o controle de todo o território chinês, o que inicialmente foi reconhecido pela comunidade internacional.

Em 1971, com o rompimento entre a República Popular da China e a União Soviética, os EUA passaram a apoiar o reconhecimento do governo socialista como representante da China e,  com a mudança do status, o país tomou posse de um assento no Conselho de Segurança da ONU, anteriormente controlado pelo Kuomintang.

Atualmente, o princípio de “uma só China” estabelece que o reconhecimento de Taiwan como legítimo representante do povo chinês, implica no não reconhecimento da República Popular da China, e vice-versa. Embora não seja considerado um país independente pelos EUA, os norte-americanos apoiam militarmente Taiwan, o que é visto como uma fonte de instabilidade na região do mar do Sul da China.

Principais líderes

Da esquerda para a direita, Sun Yat-sen, Chiang Kai-shek, Mao Tse-tung e Zhou Enlai. Foto: reprodução

Da esquerda para a direita, Sun Yat-sen, Chiang Kai-shek, Mao Tse-tung e Zhou Enlai. Foto: reprodução

  • Sun Yat-sen: influente líder da Revolução Xinhai e principal figura do Kuomintang. Considerado pela República Popular da China e por Taiwan como o fundador da China moderna.
  • Chian Kai-shek: líder do Partido Nacionalista após a morte de Sun Yat-sen, foi a principal liderança da Expedição do Norte. Após a derrota para o PCCh, fugiu para Taiwan, de onde defendia ser o legítimo representante da China.
  • Mao Tsé-Tung: importante figura na luta contra o Kuomintang e considerado o fundador da República Popular da China, tendo ocupado a liderança do país até sua morte em 1976. Sua contribuição teórica para o marxismo-leninismo, estratégias e políticas ficou conhecida como Maoísmo.
  • Zhou Enlai: foi um diplomata, político e líder revolucionário. Importante aliado de Mao-Tsé-Tung. foi a primeira pessoa a ocupar o cargo de primeiro-ministro da República Popular da China, de 1949 até sua morte, em 1976.

Consequências da Revolução Chinesa

A Revolução Chinesa foi responsável pela coletivização da terra e pelo rápido desenvolvimento industrial chinês. Após a tomada do poder pelos comunistas, o país ajudou outras nações que lutavam pelo socialismo no contexto da Guerra Fria. Nas guerras da Coreia e do Vietnã, o apoio chines foi fundamental.

Sem o reconhecimento internacional imediato da República Popular da China, os chineses precisaram lidar com sanções econômicas e embargos comerciais, que só foram retirados em 1972.

Durante o governo de Mao Tsé-Tung, políticas controversas foram implementadas, como o “Grande Salto Adiante”, que pretendia impulsionar a reforma agrária e o desenvolvimento industrial e a “Revolução Cultural” que buscava preservar o comunismo chinês e impedir a influência de forças revisionistas.

Retrato de Mao Tsé-tung em frente a Cidade Proibida, antigo palácio imperial chinês. Foto: reprodução

Retrato de Mao Tsé-tung em frente a Cidade Proibida, antigo palácio imperial chinês. Foto: reprodução

Há quem aponte que como resultado de políticas governamentais, milhões de pessoas morreram, vítimas da fome e da perseguição política. Porém, algumas fontes afirmam que os números foram manipulados e implicaram a Mao e ao PCCh a responsabilidade por mortes decorrentes de diversos fatores. As perspectivas sobre esse tema costumam ser fortemente influenciadas por diferenças políticas e culturais.

Mas uma coisa é certa: hoje a China é uma das maiores potências do mundo, tanto economicamente, quanto em número de habitantes. Se em 1949, o país tinha cerca de 600 milhões de habitantes, em 2024, o contingente populacional chegou a 1,4 bilhão. A expectativa de vida também cresceu, saltando de 40 anos na época da revolução para 78,6 anos.

Distrito comercial central de Pequim. Foto: Ispyfriend/IStock

Distrito comercial central de Pequim. Foto: Ispyfriend/IStock

No final da década de 1970, o então presidente Deng Xiaoping iniciou um processo conhecido como “Reforma e Abertura”, responsável por conduzir o país à modernização dos setores produtivos, descentralização da economia e abertura ao comércio global. Críticos apontam que esse movimento representou uma guinada em direção ao capitalismo, enquanto alguns pesquisadores defendem que se trata de um socialismo com características chinesas.

Em 2024, o país possuía o segundo maior PIB do mundo, mas o crescimento econômico e tecnológico também se refletiu em melhorias na qualidade de vida da população.  Em 1978, cerca de 800 milhões de pessoas viviam na extrema pobreza. Por meio dos esforços do governo a porcentagem foi diminuindo ao longo das décadas, até que em 2020 o país anunciou ter zerado esse indicador.

O fato é que, se atualmente a China é um país com forte influência internacional, grande crescimento econômico e palco de surpreendentes avanços tecnológicos e científicos, a Revolução Chinesa desempenhou um papel significativo na história e foi responsável por influenciar não apenas os rumos da política interna do país, mas todo o cenário geopolítico global.

Para entender mais sobre as decisões políticas que transformaram a China no maior case de desenvolvimento econômico da história humana, assine a plataforma do ICL e tenha acesso ao curso “Compreendendo a China”, com o professor Elias Jabbour.

 

*Estagiário sob supervisão de Leila Cangussu

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