ICL Notícias

Israel impede embarque de ativistas que vão levar alimentos a Gaza

Thiago Ávila representa o Brasil na iniciativa que desafia Israel para levar comida e remédios à população de Gaza
26/04/2024 | 16h00

Uma coalizão de organizações e ativistas de mais de 30 países, a Flotilha da Liberdade, que há 14 anos realiza expedições marítimas com ajuda humanitária, partirá de Istambul com o objetivo de desafiar o bloqueio israelense na Faixa de Gaza e levar 5 toneladas de alimentos e remédios ao povo palestino.

O ativista brasileiro Thiago Ávila participa da missão e relata neste diário, com exclusividade para o ICL Notícias, a experiência de tentar furar o bloqueio de Israel para levar mantimentos à necessitada população que há seis meses está sob ataque que já matou 34 mil pessoas — a maioria crianças e mulheres — e destruiu boa parte dos prédios, incluindo hospitais.

25/04, 6h18: Israel manipula e impede embarque

Os dias têm passado rápido desde que cheguei em Istambul para embarcar junto a mais de mil pessoas de mais de 30 países em 3 barcos rumo a Gaza levando 5.500 toneladas de alimentos e medicamentos.

Por aqui a rotina é intensa de treinamentos, ações de solidariedade junto à população de Istambul e tarefas de comunicação e mobilização para que o mundo saiba desse nosso esforço de romper o cerco ilegal israelense sobre Gaza e ajudar a diminuir os efeitos da fome e sede utilizadas pela entidade sionista como arma de guerra contra civis palestinos.

A preparação logística de carga, questões técnicas dos barcos e medidas de segurança na estrutura da flotilha já foram todas finalizadas. Participantes também estão nos detalhes finais, comprando equipamento de proteção individual básico, que inclui substâncias para proteger de ataques com gás de Israel, protetores de ouvidos para as bombas não causarem surdez permanente, materiais de primeiros socorros, entre outras coisas.

Por orientação da equipe, participantes estão elaborando com suas redes de apoio nos países de origem os planos de contingência para o caso de ataque e sequestro israelense, inclusive deixando pronto um vídeo de denúncia, para ser publicado apenas caso a pessoa esteja presa e incomunicável em alguma embarcação ou instalação israelense (como aconteceu em quase todas as edições anteriores da Flotilha da Liberdade).

A presença conosco de pessoas que já participaram de mais de 10 flotilhas antes dessa ajudam a ancorar os pensamentos dentro dos cenários mais prováveis e alinhar as expectativas, apesar da situação atual ser única por conta do genocídio e os levantes pro-Palestina no mundo.

Na verdade, embora tenham acontecido desde 2008 com os primeiros barcos e desde 2010 já sob o nome de Flotilha da Liberdade, nunca houve uma expedição para romper o cerco no meio de uma escalada de ataques militares de Israel.

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O nível de risco nunca foi tão alto como essa expedição que nos preparamos para realizar agora. A pressão sobre nós e todas as partes que colaboram conosco nesse momento é imensa.

Enquanto cumprimos as últimas exigências burocráticas do governo da Turquia (que solicitou de última hora novos formulários portuários e lista de passageiros atualizada), o presidente da Alemanha veio ao país para pressionar Erdogan a não permitir nossa saída. Além dele, representantes de governo dos Estados Unidos também vieram ao país fazer pressão.

Embora o presidente turco se posicione publicamente ao lado do povo palestino e a população no país seja bastante solidária à causa, a Turquia é membro da OTAN e isso significa algum nível de submissão aos Estados Unidos no sentido do fornecimento de armas do complexo industrial-militar estadunidense, entre outros aspectos.

Diante da pressão, Erdogan aumenta o rigor sobre os procedimentos de embarque, trazendo a necessidade de movermos os barcos para outro porto antes das pessoas poderem subir. É uma medida preocupante, pois um dos maiores riscos que sofremos é o de sabotagem aos nossos barcos antes da partida, ou de questões estruturais que podem estourar durante a jornada. Não seria a primeira vez, pois Israel já perfurou o casco de embarcações em flotilhas anteriores, que não naufragaram por muita sorte.

É bastante frustrante estarmos com tudo pronto de nossa parte, sabermos que a população de Gaza precisa desesperadamente desses alimentos e medicamentos e termos nossa partida atrasada de várias formas, tendo que mudar muitas vezes a data de saída.

Que mundo é esse que países se prestam ao vergonhoso papel de dedicar tantos esforços a impedir civis de levarem doações de primeira necessidade a um povo que tanto precisa?

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Do lado de lá do bloqueio naval (ilegal segundo o direito internacional) Israel emitiu hoje uma declaração ameaçando diretamente a Flotilha da Liberdade. A entidade sionista vociferou que tentará evitar que embarque e que, caso embarque, atacará a flotilha para impedir que chegue e atraque nas praias de Gaza.

Infelizmente essa já era a conduta esperada por esse governo que pratica há mais de 76 anos genocídio, limpeza étnica e que estrutura um Estado de colonização e apartheid sob o comando de uma ideologia sionista racista e supremacista.

As ameaças da entidade sionista não devem amedrontar os povos do mundo. Enquanto estamos aqui, acompanhamos com muita alegria as ocupações de universidades com acampamentos de solidariedade à Palestina. Vemos as ações de bloqueio de barcos e aviões cargueiros que sairiam de portos na Europa levando armas a Israel, protestos que crescem em vários países e uma pressão cada vez maior sobre os governos do mundo por medidas mais enérgicas para deter uma das maiores violações de direitos humanos na história da humanidade.

Estamos diante de um levante global, que pode crescer e ser a semente de transformações profundas na sociedade. É um chamado que a história está fazendo para nós e, apesar de todos os riscos, é nosso dever na flotilha sermos mais uma fagulha dessa grande mobilização mundial, inspirando e direcionando as pessoas a intensificarem os esforços de solidariedade à Palestina e pela transformação do mundo.

Toda vez que o stress da demora e os medos do risco de vida acometem alguém da flotilha de forma mais preocupante, acionamos nossa equipe de “cuidado coletivo” para que ajude a pessoa a se acalmar e elevar novamente a moral.

Eu, que faço parte dessa equipe, costumo sempre lembrar que nos últimos meses temos tido vitórias impressionantes contra a máquina de propaganda sionista, que foi desmascarada diante do mundo em sua crueldade e falta de escrúpulos. Aponto todas as vitórias de bilhões de pessoas enfim terem descoberto a verdade sobre o que é Israel e tenham se encantado com a coragem e força do povo palestino.

Quando o receio é mais sobre segurança física na viagem, tento trazer exemplos que lutas e condutas que tivemos em nossas ações no Brasil, trago o exemplo de pessoas que estão conosco na viagem, como a ex-general dos Estados Unidos Ann Wright, que renunciou durante a invasão estadunidense ao Iraque e que já foi em diversas flotilhas, tem múltiplos banimentos de 10 anos para a entrada em Israel e ainda segue conosco mobilizando bastante. Geralmente passa rápido a baixa de humor nas pessoas e a própria pessoa que estava outrora abatida volta a exercer uma influência positiva sobre as demais pessoas às vésperas da partida de nossa missão humanitária.

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Faltando poucas horas para nossa subida aos barcos que nos levarão com destino a Gaza, fui pegar minha mochila e me despedir de Nigel, cuidador do espaço onde fiquei acomodado durante esses dias. Me sentia mal de não ter conseguido em nenhum dia dar a devida atenção a esse senhor, que se dedicava tanto a ser gentil comigo em todas nossas breves interações.

Na noite anterior, enquanto editava vídeos para a rede social, Nigel bateu na porta do quarto e insistiu para que eu saísse para conversar. Ele havia preparado uma mesa com comidas e bebidas e tinha a expectativa que eu o acompanhasse. Bebi a água, catei as comidas de canto que não tinham nada de origem animal e conversei um pouco.

Alguns minutos depois, quando disse a ele que precisava ir para terminar coisas de trabalho, ele pegou em minha mão e disse “por que você está tão triste, Thiago?” Aquela pergunta me deixou em choque porque é exatamente o contrário da impressão que as pessoas tem ao me conhecer (ou tinham antes dessa escalada do genocídio me tirar tanta energia de vida).

Quando perguntei a Nigel porque ele tinha a impressão de que eu estava triste, ele disse que estava estranhando muito que todo dia me perguntava que lugares eu tinha conhecido e eu não tinha nada para falar, que ele recomendava lugares e eu não demonstrava interesse, que saía logo cedo de manhã e só voltava para dormir ou ficar fechado no quarto. Expliquei a ele que estava tudo bem, que era só cansaço, uma carga muito grande de trabalho e saudades da minha família. Me convenci de que, antes de embarcar para Gaza eu iria me despedir dele, contar o que tinha vindo fazer e agradecer pela acolhida.

Agora, a poucas horas do embarque, com a mochila pronta para sair e já sem tanto problema de segurança (pois provavelmente nunca mais voltaria naquele lugar na vida), vesti meu keffiyeh (lenço tradicional palestino que ganhei quando estive anos antes na Cisjordânia ocupada) e fui até onde estava Nigel para me despedir.

Ele demonstrou um grande susto ao ver que eu estava com o keffiyeh e, quando contei que era um ativista da causa Palestina, que estava indo para Gaza, ele ficou transtornado, ficando agitado de um jeito estranho e insistindo para que eu não fosse. Enquanto eu explicava com mais detalhes as informações (públicas) da Flotilha da Liberdade, ele me interrompeu e relatou que era ex-militar, que tinha lutado contra Israel e seus proxys na Síria e no Líbano sob comando da Rússia (pela região, provavelmente deve ter sido pelo Grupo Wagner, mas eu não quis perguntar).

Nigel ficou meio desesperado, dizendo que Israel é capaz de tudo, relatando as mais terríveis atrocidades cometidas pelos sionistas que ele havia visto e dizendo que eles não tem limites.

Quanto mais eu explicava a Nigel sobre nossa ação, mais transtornado ele ficava. Rejeitando todas as questões de ideais de sociedade e necessidade de justiça e reparação histórica ao povo palestino, o pragmático ex-militar (evidentemente traumatizado dos anos de batalha) estava convencido de que estávamos nos deslocando rumo a uma missão suicida.

Nigel insistia para que eu não fosse, ora argumentando que gostava de mim e queria me ver vivo, ora frustrado dizendo que a situação da região não tem solução e alegando que nenhum palestino faria isso por mim de ir ao Brasil caso fosse o contrário.

Contei a ele tudo que vivi ao longo dos anos (inclusive na Palestina) e o incrível valor que esse povo tem. Também relatei o quando a comunidade islâmica no Brasil e em outros lugares tem me acolhido, defendido e apoiado. Nos dias críticos desses últimos meses, muitas mesquitas me convidaram a ir lá conversar com as comunidades e, em São Paulo, por questão de segurança, eu até dormia na Mesquita Brasil, e sempre me trataram muito bem.

A medida que ia mostrando mais elementos da flotilha, Nigel, que aprendeu árabe e se converteu ao islã depois desses anos na região, foi se acalmando e seu semblante foi mudando gradativamente. Quando mostrei a ele o vídeo que havia gravado algumas horas antes com o neto de Nelson Mandela (que está conosco na Flotilha), vi um sorriso pela primeira vez.

Enquanto continuava contando do que tinha vindo fazer, em uma reviravolta de humor, Nigel me dá um abraço apertado, rindo alto e dizendo que nós éramos as pessoas mais corajosas que ele já tinha conhecido na vida. Disse que éramos Che Guevaras de nosso tempo e desejou que tivéssemos toda a sorte do mundo na jornada.

Enquanto agradecia e começava a me levantar, pois tinha conversas a fazer e vídeos para editar quando chegasse no centro de operações, ele me segura e fala que tem um único pedido que eu devia prometer a ele que cumpriria.

Nigel queria que eu, caso houvesse mesmo um ataque israelense às embarcações, guardasse o keffiyeh, me enrolasse na bandeira do Brasil e gritasse que não era árabe. Segundo ele, o carinho pelo Brasil em toda parte é tão grande que isso poderia evitar que eu fosse assassinado por eles.

Quando expliquei a Nigel que eu não desejava ter nenhum tratamento diferenciado em relação aos demais e que na delegação da Flotilha da Liberdade havia centenas de árabes (alguns palestinos e outros de países que sequer tem relações diplomáticas com a entidade sionista), ele voltou a se frustrar.

Insistiu meio indignado no risco e começou a me perguntar coisas incisivamente e querer me dar dicas de manobras evasivas militares para escapar de bombas, de determinados golpes e até ferimentos críticos. Agradeci pelo carinho e cuidado, mas terminei de levantar e comecei a ir em direção à porta enquanto conversava.

Ao chegar na porta, ele me deu outro abraço apertado, pediu para eu me cuidar e mudou sua demanda: falou que acompanharia tudo pelo meu Instagram, mas pediu que prometesse dar notícias diárias a ele por WhatsApp de que estava bem.

Nos despedimos e fui caminhando em direção ao nosso centro de operações rindo sozinho, sem acreditar ainda na experiência tão curiosa que tinha acabado de viver. “Preciso colocar isso no diário pra nunca esquecer”, pensei.

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De última hora tudo para e nosso grupo se reúne por conta de um acontecimento bastante indesejado. Israel, utilizando uma manobra sorrateira, havia conseguido impedir que subíssemos nas embarcações da Flotilha da Liberdade, que aconteceria em poucas horas.

Depois de tentar tantas manobras, a entidade sionista conseguiu, a partir da pressão sobre Guiné-Bissau, que o país africano contestasse o uso de sua bandeira por uma das embarcações e que exigisse uma inspeção de emergência no barco.

Todo navio precisa navegar sob a bandeira de algum país e, de fato, esse país pode exigir esse procedimento. Porém Guiné-Bissau nunca havia exigido isso antes e Israel sabe muito bem que não existe uma única irregularidade com os barcos (pois não seríamos ingênuos de nos expor ao risco de impedimentos burocráticos desnecessários). É uma medida única e exclusivamente para nos atrasar. Sob pressão de Israel, Guiné-Bissau recusou os inspetores turcos no barco e serão trazidos inspetores de outros países para realizar o procedimento.

Não existe muita alternativa nesse momento que não aceitar o procedimento. Com o porto cercado pela polícia e sem conseguirmos embarcar as pessoas (por exigência do governo turco, teremos que mudar de Porto para embarcar), o jeito é esperar que Guiné-Bissau realize essa inspeção e, caso aconteça o cenário provável da pressão de Israel fazer com que esse país siga tentando nos atrasar, devemos considerar até mudar a bandeira do barco para outro país amigável (embora tenhamos poucas opções de países que aceitassem essa missão corajosa).

Qualquer ação nossa nos tomará tempo para resolver e o atraso aqui de poucos dias é muito impactante em nossa organização. Várias pessoas, eu inclusive, não estão organizadas financeiramente para uma estadia longa (eu só vim porque a comunidade árabe gentilmente arrecadou entre si e pagou minha passagem, mas os demais custos estou tendo que pagar eu mesmo).

Porém, muito mais importante que os inconvenientes do atraso para as delegações da Flotilha da Liberdade, é a urgência para que os alimentos e medicamentos cheguem em Gaza. “Quem tem fome, tem pressa”, dizia o inspirador Herbert de Souza, que viveu no Brasil até o golpe militar de 1964 (apoiado pelos Estados Unidos) e que depois teve que fugir novamente do Chile em 1973 após o golpe de Pinhochet contra Salvador Allende (outra ação coordenada por Washington).

A organização Save The Children já aumentou para 30 crianças confirmadas que morreram de desnutrição e desidratação em Gaza nesses 200 dias. Além disso, todos os dias centenas de crianças estão tendo que passar por procedimentos médicos (algumas até amputações) sem nenhum tipo de anestesia.

Só de pensar no que essas crianças estão passando (e lembrando de minha filhinha Teresa de poucos meses de vida) me vem uma tristeza profunda e aumenta em mim o senso de urgência.

Precisamos sair já. Precisamos aumentar a pressão sobre os governos do mundo para que a Flotilha da Liberdade consiga zarpar e que tenha o máximo de segurança e proteção em sua jornada até Gaza.

Espero que isso não desanime as pessoas que acompanham e apoiam nossa jornada, ao contrário, que sirva de estímulo para que divulguem ainda mais, ajudando a aumentar essa pressão. Até o momento nenhum governo nos protegerá em nossa jornada até Gaza. A mobilização externa e pressão é, para nós, a maior proteção possível. Quando os governos falham, nós navegamos.

24/04, 6h18: Treinamento de não-violência

Dormir aqui é uma tarefa dialética: o cansaço acumulado de mais de seis meses sem parar me faz entrar em um sono extremamente pesado, mas o estranhamento de estar dormindo fora de casa longe da minha companheira, Lara, e da minha filhotinha humana, Teresa, faz com que, ao acordar, eu sinta tanta saudade que não consiga voltar a dormir.

E depois de despertar minimamente, o mapa mental de todas as tarefas e responsabilidades do dia vai tomando conta dos meus pensamentos e tudo acelera quase como uma locomotiva na minha cabeça, que só vai parar à noite, quando o corpo não aguenta mais.

Nos meses que antecederam a Flotilha da Liberdade, Lara e eu assumimos outra missão da maior importância: sermos pais de primeira viagem. Após muitas conversas, compreendemos que em nosso grande propósito de vida de “transformar o mundo e viver o máximo de felicidade até lá” cabia também a tarefa hercúlea de trazer mais um ser a esse mundo e criá-la com todo amor, carinho e dedicação para ser parte da cura que nossa sociedade precisa.

É uma tarefa difícil para qualquer pessoa ser um bom pai/mãe. No entanto, ela se torna muitas vezes mais difícil quando adicionamos a ela a necessidade de não abrir mão de nossa responsabilidade com todos os demais seres com os quais compartilhamos esse planeta.

Embora muita gente pense que a vida de militantes revolucionários é luxo e glamour de rede social, na verdade é bem o oposto disso: é uma constante entrega, é uma dedicação e disciplina extremamente intensa e que cobra um custo muito alto (se é uma vocação verdadeira).

Teresa nem havia nascido e já tinha recebido diversas ameaças de morte, a maioria de sionistas raivosos por meu papel em desmentir publicamente o sionismo em seus planos genocidas.

São coisas que as pessoas nem imaginam, mas que fazem parte da nossa vida, como, por exemplo, o dia que fui a São Paulo em um podcast de alta audiência debater com o líder do lobby e da propaganda de guerra sionista no Brasil e, além de eu ter que ir com escolta blindada providenciada pela comunidade árabe, Lara teve que dormir fora de casa em Brasília pela intensidade das ameaças.

Thiago, sua companheira Lara e a pequena Teresa de quase 4 meses

Thiago, sua companheira Lara e a pequena Teresa, de quase 4 meses

É uma verdadeira montanha-russa de sentimentos criar uma criança em tempos de genocídio. Principalmente quando se tem, como nós, a compreensão de que todas as 2 bilhões de crianças no mundo são também nossa responsabilidade.

Todo dia vem um amor imenso que toma conta de nós seguido por uma indignação massacrante pelas quase um milhão de crianças em Gaza que estão passando por coisas que nenhuma criança deveria ou poderia passar.

A saudade de Teresa e Lara nesses dias de missão humanitária é ainda maior, pois os últimos meses foram de uma missão coletiva tão bonita, com muita cumplicidade e dedicação mútua para sermos excelentes pais.

A verdade é que meus olhos enchem de água cada vez que penso em Teresa ter a fralda trocada sem ser por mim, ou tomar banho sem mim, ou acordar sem ir cumprir com o papai nossa rotina das tarefas da manhã.

Estou falando com elas com muita frequência por vídeo e tentando que Teresa não sinta tanto minha falta. Quando a saudade aperta mais, Lara, que também é uma militante revolucionária, ou alguém da nossa incrível rede de apoio que temos ao redor de Teresa (e que está dando toda a assistência nesse período), me lembra que essa missão é por todos nós, que Teresa se orgulhará muito dela e que sou um excelente pai.

Na verdade, a nossa convicção da vida que escolhemos é tão grande que, enquanto gente sem noção em rede social especulava se Lara e Teresa não sofreriam com minha ausência, no dia que viajei rumo a Gaza, Lara aproveitou para levar Teresa em sua primeira manifestação política: a celebração de 63 anos que Cuba derrotou a invasão dos Estados Unidos a Playa Girón! 🙂

A verdade é que muitas das coisas que famílias de revolucionários vivem estão muito distantes da realidade da maioria das pessoas, a ponto que quem não conhece a fundo tende a estranhar.

Pelo menos a maioria das pessoas respeita (e até admira) nossa dedicação e, quem chega mais perto, acaba vendo que existe um oceano de amor, de carinho e de cumplicidade na nossa vida linda em família (mais bagunçada do que gostaríamos e, sem dúvida diferente, mas linda ainda assim).

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Hoje, enfim, consegui me juntar aos treinamentos de ação direta não-violenta da Flotilha da Liberdade. Foi incrível estar com tantas pessoas de extrema coragem e preparo para o que viemos fazer. Finalmente em encontro presencial, foi possível olhar nos olhos das pessoas e pude visualizar melhor tudo que faremos nos próximos dias em conjunto.

No Brasil eu sempre treinei nossos movimentos e coletivos próximos nesse tipo de ação. As pessoas muitas vezes confundem a tática não-violenta como se fosse uma passividade, mas é exatamente o oposto: utilizar formas de resistência não-violentas como tática em determinadas situações de enfrentamento ao sistema que vivemos requer das pessoas coragem, disciplina e ousadia extremas.

Em vários processos de libertação no mundo esse tipo de tática fez a diferença, principalmente para desmoralizar opressores e escancarar a crueldade das estruturas de dominação.

Na luta pela independência da Índia, Mahatma Gandhi e milhares de pessoas deitavam na frente dos cavalos do império britânico, marchavam e ocupavam espaços em atos de desobediência civil e a cada agressão que sofriam, cresciam mais ainda em legitimidade para sua causa até a expulsarem o maior império colonial de sua época.

O mesmo aconteceu com Martin Luther King Jr. e milhares de estadunidenses na luta pelos direitos civis e o fim da segregação racial. Rosa Parks, quando ocupou conscientemente um assento “proibido” de ônibus e não saiu mesmo diante de ameaças, jovens que entravam em cafés que não atendiam negros e permaneciam sentados mesmo sendo atacados por supremacistas brancos, ou grupos de jovens que entravam em ônibus em direção ao Mississipi de forma não-violenta justamente porque era lá que estava o epicentro da violência racial, todas essas ações cumpriam um papel.

Desafiaram a ordem vigente com coragem e desmontaram de forma escancarada e incontestável as mentiras dos grupos dominantes sobre de onde era originada a violência.

O uso de táticas não-violentas onde faça sentido estratégico, muito longe de ingenuidade ou amadorismo, pode ser um dos principais fatores que garantem uma vitória moral e inspirem mais pessoas a se juntar à causa.

Além de todo o acúmulo, estudo e prática criteriosos de integrantes de todas as edições anteriores da Flotilha da Liberdade, fiquei feliz que também pude compartilhar com o grupo que estava de espanhóis, catalães e bascos um pouco sobre nossas experiências no Brasil, quando também já conquistamos vitórias impressionantes nas cidades, no campo e em territórios indígenas utilizando esse tipo de tática.

Para os próximos dias, é tarefa de cada pessoa que veio à Flotilha da Liberdade se preparar física e mentalmente para um dos maiores desafios de suas vidas. Essa preparação tem a intenção é que, em um cenário ruim de Israel cometer um crime de guerra e atacar uma embarcação estrangeira e sequestrar uma tripulação estrangeira fora de seu território, ainda assim as pessoas consigam reagir da melhor forma e seguindo nossos acordos coletivos.

Estamos treinando para que todo mundo se mantenha de forma não-violenta, não caia em provocações, porém também consiga não cooperar com o Estado sionista que está cometendo um genocídio, que já matou participantes em outra flotilha e em tantas outras sequestrou todas as pessoas, levou para Israel, as prendeu e as deportou após alguns dias.

Se engana quem pensa que a Flotilha da Liberdade é uma ação amadora ou ingênua: nós sabemos muito bem o que estamos fazendo aqui, estudarmos minuciosamente e nos preparamos exaustivamente para alcançar nossos objetivos de contribuir para diminuir a fome e a falta de medicamentos em Gaza, romper o cerco ilegal e criminoso de Israel e semear a solidariedade ao povo palestino rumo à sua libertação.

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É incrível partilhar os dias com essas pessoas aqui. Estou entre ativistas que são grandes referências para mim em tantas coisas.

São pessoas que estiveram em tantos lugares que eu também estive atuando (e tantos outros que eu nem imaginava). Pessoas de extrema coragem e dedicação para viver uma vida a serviço de uma causa maior.

Cada conversa é uma lição de vida, cada troca é um acúmulo de experiência que nos potencializa e cada interação é como se fossem almas se reencontrando, mas que são basicamente fruto da mesma coisa.

Aqui tem pessoas de todos os continentes, que falam dezenas de idiomas, que vivem em diferentes condições nas cidades, no campo ou nos biomas, que possuem diferentes estratégias e táticas de atuação, mas todas, sem exceção, com o mesmo objetivo: acabar com a maior e mais cruel violação de direitos humanos presente no nosso tempo.

Me sinto extremamente bem aqui entre essas pessoas que tanto admiro. Confio nelas com a minha vida e a vontade de vê-las bem, felizes e com o máximo de segurança possível me motiva a intensificar o trabalho a cada instante, tentando fortalecer a Flotilha da Liberdade e aumentando nossas chances de que tudo corra bem.

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Voltei exausto para o lugar onde estou hospedado e ainda com muito trabalho a fazer. Pela diferença de fuso horário, o início da madrugada aqui é a hora mais propícia para publicar nas redes sociais e atingir a audiência do Brasil.

Chegando na acomodação (a pensão mais barata que tinha naquela região em Istambul, bem precária, por sinal), a pessoa que cuidava do espaço, um senhor alto e loiro chamado Nigel, que falava inglês com um sotaque que eu não conseguia identificar, me chama para conversar.

Ele queria saber onde eu já tinha ido em Istambul, o que estava achando e contasse histórias do Brasil. Toda vez que eu me aproximava da acomodação eu guardava tudo que caracterizava a Palestina, por segurança, então ninguém ali sabia quem eu era ou o que tinha vindo fazer.

Eu sempre fui uma pessoa bastante sociável, que ama se jogar no mundo, conhecer as pessoas e se conectar com elas. Mas essa questão de segurança, o cansaço físico dos treinamentos e a quantidade de tarefas que eu ainda tinha quando chegava no alojamento, fazia com que eu sempre interagisse meio correndo com ele. E eu percebia que ele se frustrava e queria conversar mais.

De forma educada, eu oferecia a atenção que conseguia por um curto período de tempo, mas logo corria para minhas outras coisas. Mesmo esse pouco tempo já era um avanço pra mim em relação aos últimos 6 meses.

Quando estive no Egito em novembro, por exemplo, com tudo tão à flor da pele, eu fui acolhido por um apoiador de meu trabalho e fiquei hospedado bem ao lado das pirâmides. Porém, o foco era tão grande em tentar fortalecer os esforços de ajuda humanitária e o comboio que tentamos mobilizar no país de caminhões e pessoas para a fronteira com Gaza em Rafah que eu não olhei nem 30 segundos para essas grandes maravilhas do mundo.

Pode parecer estranho, mas as pessoas que são próximas de mim já se habituaram a essa forma atípica de funcionamento da minha atenção e hiperfoco em momentos de necessidade.

A verdade é que muito da minha capacidade de me abrir pra coisas lindas desse mundo (inclusive as pessoas) adormeceu com a tarefa hercúlea de viver, ver e tentar com todas as minhas forças deter um genocídio.

Algumas pessoas são tão iluminadas que revivem em mim a vontade de conhecer, de estar perto e conviver, mas a maioria das coisas da vida comum foram perdendo o sentido quando penso que qualquer uma daquelas 14 mil crianças mortas em Gaza poderia ser Teresa, ou qualquer uma daquelas mil amputadas sem anestesia.

Toda vez que penso nisso, fica óbvio para mim que, mesmo sem as conhecer, eu faria absolutamente qualquer coisa para que esse sofrimento acabasse, inclusive assumindo riscos e adormecendo uma parte significativa de mim para dedicar toda a energia a essa missão. Faltam apenas subirmos nos barcos em direção ao local mais perigoso em todo o planeta atualmente, então o foco precisa ser cada vez maior.

23/04: Primeiro dia em Istambul

O corpo estava cansado da viagem, mas a vontade era tanta de conhecer as pessoas e começar o trabalho local de preparação pra a Flotilha da Liberdade que pulei da cama com o sol nascendo em Istambul.

Fui conhecer a sede da organização Mavi Marmara, bastante dedicada à solidariedade com a causa Palestina. Na Flotilha da Liberdade em 2010, foi justamente o barco da Mavi Marmara o primeiro atacado por Israel.

Naquela ocasião, da grande flotilha que navegava em direção a Gaza, vários barcos foram bloqueados no caminho e apenas seis conseguiram chegar mais próximos da zona marítima Palestina de Gaza.

O que vinha na frente, o Mavi Marmara, foi atacado por helicópteros e lanchas rápidas repletas de soldados israelenses.

Os relatos das pessoas que estavam nesse barco e nos outros é revoltante: o exército israelense atirava do alto dos helicópteros nas pessoas que estavam no convés do navio, enquanto das lanchas vinham os tiros que acertavam a cabeça de pessoas que iam para a grade tentar ver por onde o exército estava fazendo sua aproximação para tomar o barco.

Naquela noite 10 pessoas foram assassinadas a sangue frio, algumas já rendidas quando o exército sionista havia tomado o barco.

A tragédia de 2010 marcou muito todas as pessoas com quem converso aqui. Muitas das pessoas que zarparão com a gente na Flotilha rumo a Gaza também estavam ou possuem conhecidos que estavam em 2010.

De lá para cá, uma dúzia de edições aprimorou as táticas, os protocolos de segurança e nunca mais houve um assassinato pelo exército israelense nas expedições, embora tenha havido ataques, prisões, torturas, deportações e a tomada dos barcos e itens de ajuda humanitária.

É bonito ver pessoas que sobreviveram em 2010 e que estão tão dispostas quanto eu a ir nessa expedição. Compreendem que apesar do risco, é muito importante essa nossa ação e que não há risco maior nesse momento que o que o povo palestino está correndo em Gaza (e é neles que devemos nos inspirar).

É muito bonito ver que aqui ninguém se vê como heróis ou heroínas. Não é um lugar de ego individual, mas sim de responsabilidade coletiva (e uma rotina imensa de trabalho de preparação).

A nossa convicção política de que somos sujeitos e sujeitas ativas da história nos leva, necessariamente, à necessidade de organização para que se tenha mais gente (portanto, mais força). A tarefa de coletivizar para aumentar nosso potencial realizador nos ensina, ao longo da vida, a ter mais mentalidade servidora e atuar não em benefício próprio, mas por uma causa comum.

Tive o prazer de enfim conhecer pessoalmente o Fellipe, o único outro brasileiro que está comigo nessa jornada. Ele tem também cidadania portuguesa e é residente na Irlanda, de onde se juntou à Flotilha para coordenar a imprensa internacional na expedição. É uma pessoa fantástica, daqueles irmãos de alma que inspiram.

Quando não está na flotilha, Fillipe atua monitorando e ajudando no resgate de barcos de migrantes de África que afundam ou são atacados tentando chegar na Europa. O mesmo Mar Mediterrâneo onde ele faz esse trabalho humanitário tão importante e corajoso será agora nosso caminho inverso: da Europa para a Ásia Ocidental, onde fica a Palestina (e muita gente chama de Oriente Médio).

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Sai para ir na feira comprar frutas, comer e gravar os primeiros vídeos da cidade. A ideia é conseguir fazer também um relato em vídeo de cada dia para publicar nos stories da minha página no Instagram (@thiagoavilabrasil).

Eu sempre tenho dificuldade com isso porque fico tão imerso nas minhas tarefas que mal gravo as coisas, quando gravo, não me organizo em tempo para editar, quando edito não me organizo em tempo para publicar e interagir com as postagens. Sempre me arrependo quando terminam as viagens e vejo que compartilhei com as pessoas e guardei como registro e legado apenas uma pequena fração daquilo (e por isso eu tenho tão poucas fotos e vídeos de todos os lugares do mundo que fui em missões de solidariedade).

Dessa vez me comprometo a tentar fazer diferente, sonhando com o dia que eu tenha estrutura de equipe de edição, pessoas pra acompanhar minha página e essas coisas.

Atravessei a ponte que conecta a Europa com a Ásia. Ao sul, Gaza por sua ve conecta a Ásia com África, tornando toda essa região um lugar muito especial do mundo.

Perto de mim, ao sul, está a região do Crescente Fértil, que vai do Rio Nilo, no Egito, até o Rio Eufrates, no Iraque. Essa região é conhecida como o “berço da civilização”, pois há cerca de 10 mil anos os povos dali foram deixando de ser caçadores e coletores aproveitando a imensa fertilidade do solo para se estabelecerem e criarem os primeiros grandes assentamentos e civilizações. Aqui tem tanta história, tanta cultura, tanta sabedoria ancestral e originária que a colonização europeia tenta apagar e minimizar (e que é nosso dever não permitir).

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Hoje fizemos a grande marcha de solidariedade ao povo palestino para marcar a partida da Flotilha da Liberdade. O coração acelerou quando não paravam de chegar pessoas no local de encontro, me lembrando a grande marcha que realizamos em São Paulo em 4 de novembro de 2023.

Naquele dia enfrentamos a invisibilidade da imprensa e a propaganda sionista e fizemos a maior manifestação em solidariedade ao povo palestino da história do Brasil. Horas depois os sionistas convocaram uma marcha em favor de Israel, que foi um grande fracasso e mostrou que a população brasileira entendeu que não é correto assassinar crianças, cometer genocídio e depois tentar se fazer de vítima.

As redes sociais rompendo o bloqueio midiático com o corajoso conteúdo produzido por comunicadores em Gaza desferiu um golpe mortal nas mentiras sionistas.

Apesar de controlarem os grandes veículos, eles perderam o controle das mensagens que alcançavam as pessoas (inclusive com maior rapidez que os veículos tradicionais).

Enquanto as pessoas, por seis meses, assistiam indignadas ao primeiro genocídio transmitido ao vivo na história, grandes veículos de comunicação apareciam atrasados e escancaradamente mentindo ou manipulando, ficando mais evidente que nunca seu viés de classe e posição ideológica submissa a Estados Unidos e Israel.

Na Turquia a situação é diferente, apesar das várias contradições. Aqui o governo declara apoio abertamente à causa Palestina, embora ainda mantenha acordos comerciais, relações diplomáticas e de outros tipos com Israel.

Como em vários outros países do mundo, a referência não deve ser no que um governante diz, mas sim no que os povos estão dispostos a fazer e cobrar. E o povo turco é extremamente solidário à causa Palestina. Isso ficou visível na marcha, que reuniu mais de 25 mil pessoas em um chamado de última hora! É uma sensação indescritível estar na maior marcha que pude participar em mais de 6 meses desde que Israel intensificou o genocídio contra o povo Palestino em Gaza.

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Hoje consegui gravar meu primeiro vídeo contando que estou aqui. Antes, por segurança, eu fazia materiais apenas falando da Flotilha da Liberdade, porém sem mencionar minha presença.

Espero que o fato de ter brasileiros aqui ajude a conectar mais o Brasil com a causa Palestina, que estimule as pessoas à ação, que seja também educativo sobre o que de fato é a história dessa região e que mobilize nosso governo a tomar medidas concretas para deter o genocídio.

Na marcha toda hora alguém me aborda para perguntar o que penso das ações do governo brasileiro em relação à Palestina. Digo que dou muito valor ao que o governo brasileiro fez até então em solidariedade à Palestina, desde as corajosas falas de Lula, a proposta de resolução de pausa humanitária no Conselho de Segurança da ONU (vetada pelos Estados Unidos ainda em outubro, quando tinham apenas 4 mil mortes ainda), as missões de repatriação, o apoio à África do Sul na acusação contra Israel por genocídio na Corte Internacional de Justiça e outros gestos.

No entanto, não é suficiente: precisamos fazer mais. O Brasil pode liderar esses esforços e Lula pode se agigantar no mundo e na história tanto quanto Mandela, Gandhi e outras pessoas se tiver mais ousadia para enfrentar o mal que é o sionismo e o genocídio israelense contra o povo palestino (que tem os Estados Unidos como sócio dessa violação).

O Brasil ainda tem acordos militares com Israel, com armas compradas a preço mais caro que são testadas nos corpos palestinos, treinamentos militares e de polícia utilizando técnicas violentas que foram criadas e aprimoradas nos corpos palestinos.

Em nosso país também há, lamentavelmente, acordos de cooperação acadêmica com universidades israelenses, que produzem conhecimento para a legitimação de um Estado de apartheid. Temos também um acordo de livre comércio entre Israel e o Mercosul, além da indignante presença do lobby sionista que se promove na televisão, que persegue ativistas da solidariedade Palestina, que leva magistrados e políticos para fazer tour do genocídio em Israel e que tem seus intitutos, confederações, ONG´s e na própria embaixada de Israel no Brasil o seu espaço de operações.

É importantíssimo que nosso governo modifique essa política e desmonte essas estruturas de ingerência em nosso país, pois no Brasil até o embaixador de Israel articula abertamente a política com Bolsonaro e a extrema direita, ataca abertamente o governo e já deveria ter sido expulso do Brasil há muito tempo.

A expulsão do embaixador e a ruptura de relações com Israel é um primeiro passo importante para desarmar essa armadilha do sionismo de extrema-direita, e não fazer isso terá um preço muito caro a Lula e a todos nós que sonhamos com um Brasil mais justo socialmente.

Após a marcha nos reunimos para fazer uma avaliação, trocar informes da preparação técnica dos barcos e organizar para o dia seguinte, quando haverá mais treinamento para as delegações e muita mobilização para a flotilha ter mais alcance e termos mais proteção em nossa jornada.

Cada minuto livre aqui tentamos pensar como levar mais longe essa mensagem, como alcançar mais gente, como ter mais olhos sobre esses barcos. O sucesso nessa tarefa de mobilização, de convencer mais gente de fora a ajuda e compartilhar pode salvar a nossa vida, literalmente falando.

23/04: Preparação para a partida

O coração está a mil em um misto de emoções quando entro na sala de embarque. É um sentimento comum em viagens marcantes, porém essa é diferente. São incontáveis tarefas pendentes de uma vida extremamente corrida e que desaba no sentido organizativo quando alguma coisa interdita as horas do dia.

Entre um vôo e outro, a minha principal tarefa é estruturar meu plano de segurança, um mecanismo de planejamento e ações de precaução que toda pessoa que vai se expor a algum risco (e deseja que ele seja minimamente calculado) deve fazer. Mas que plano seria possível de lidar com uma viagem para o local mais perigoso em todo o planeta atualmente?

Estou indo para Gaza em três barcos carregados com mais de cinco mil toneladas de alimentos junto com mais de mil pessoas de mais de 30 países, desafiando o cerco ilegal mantido por Israel desde 2007, mas que há quase 200 dias se intensificou ainda mais em um dos piores genocídios da história.

É um desafio traçar o melhor plano de segurança pois, nessa ação direta não-violenta de extrema coragem, essas mais de mil pessoas que zarparão comigo de Istambul rumo a águas internacionais e, em seguida, rumo a Gaza, estarão desafiando o mais cruel regime existente hoje.

O sionismo está marcando seu lugar na história junto ao nazismo, ao fascismo e ao apartheid da África do Sul como parte dos grandes regimes de ódio violadores de direitos humanos. Apenas nos últimos 200 dias Israel matou mais de 34 mil pessoas palestinas em Gaza, entre elas mais de 14 mil crianças.

Além disso, impôs a fome e a sede como armas de guerra, praticou remoções forçadas de quase 2 milhões de pessoas, utilizou armas de guerra proibidas como o fósforo branco, bombas de fragmentação e mísseis com lâminas, matou 178 trabalhadores da ONU em mais de 360 ataques em seus hospitais, escolas e abrigos, assassinou mais de 140 jornalistas, mais de 300 médicos, paramédicos e trabalhadores da saúde, matou diversos trabalhadores humanitários estrangeiros (inclusive europeus que distribuíam comida) entre tantas e tantas outras violações que encheriam esse diário.

É um regime de horror que não respeita as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, não respeita a Corte Internacional de Justiça, não respeita a vontade popular de milhões de pessoas nas ruas em todo o mundo, que não respeita ninguém.

Então como traçar um plano de segurança eficaz nessa situação? Quando a tarefa é difícil, o melhor a fazer é compartimentá-la em pequenas partes. O que era possível fazer de articulações diplomáticas e institucionais antes da partida eu fiz, com o limite de que não podia falar publicamente de minha ida.

O sigilo era necessário, pois, além da pressão do lobby sionista no Brasil, o único vôo que encontrei me levava em conexão simplesmente para o país mais hostil no mundo hoje às ações de solidariedade à Palestina: a Alemanha. Era o vôo que tinha disponível de um dia para o outro, quando a comunidade árabe no Brasil ofereceu gentilmente pagar minha passagem para que pudesse participar dessa ação de solidariedade.

O trajeto de Brasília a Guarulhos e, depois, de Guarulhos a Frankfurt foi fazendo uma maquiagem em minhas redes sociais para pisar em território alemão em melhores condições.

Fiz uma dúzia de postagens seguidas para deixar a visão inicial da página do Instagram (@thiagoavilabrasil) como “inofensiva”. Sai o “internacionalista, comunicador, socioambientalista e revolucionário” e entram fotos e mensagens para dar a entender que aquela pessoa passando pelo país mais hostil da União Europeia era apenas um “influencer vegano”.

Parece uma coisa sem sentido (e é até engraçado incorporar esse personagem), mas é extremamente eficaz. Foi assim que até Israel me deixou entrar em 2019, quando conheci enfim a Palestina, vi na prática os horrores do Estado de apartheid implementado na Cisjordânia ocupada, cheguei até as fronteiras norte e leste de Gaza (mas não pude entrar) e conheci os territórios que o sionismo ocupou em uma limpeza étnica que se inicia em 1947 e se intensifica nos dois anos seguintes com a formação do Estado de Israel.

Eu já acompanhava, estudava e apoiava a causa Palestina desde 2006, mas foi apenas quando estive lá presencialmente (e na fronteira sul pelo Egito em novembro de 2023), que compreendi o tamanho do horror ao qual esse povo está submetido há mais de 76 anos.

Chego no aeroporto de Frankfurt com as pessoas mais próximas em prontidão. A política alemã de repressão aos movimentos solidários à causa Palestina é de tolerância zero. Prendem as pessoas em casa por postagens em redes sociais, atacam congressos acadêmicos (inclusive de judeus que muito corajosamente se posicionam contra a ideologia racista e supremacista que é o sionismo), obrigam a reconhecer e legitimar o Estado de Israel antes de concluir o processo de requerentes de cidadania alemã, defendem Israel nas instâncias internacionais e pressionam outros países sob sua influência para que não se posicionem a favor do povo palestino.

Pelo trabalho que realizo em solidariedade à Palestina, que ganhou mais alcance com os vídeos virais após outubro, com as manifestações massivas que realizamos e com os debates (difíceis) com sionistas e propagandistas de guerra em podcasts e entrevistas de TV, além de minhas idas à região para articular com movimentos locais e fortalecer os esforços de denúncia e ajuda humanitária, não tenho dúvidas de que teria problemas na imigração alemã se eu fosse identificado por fazer esse trabalho.

Felizmente, dessa vez não fui. Passei em todos os procedimentos de segurança e não saí do aeroporto para aguardar o vôo para Istambul poucas horas depois.

Enquanto esperava, via pela televisão que os Estados Unidos aprovou um novo pacote de ajuda militar para Ucrânia e Israel, sendo 26 bilhões de dólares para o Estado sionista.

A insistência da televisão alemã em defender Zelensky e Netanyahu é de embrulhar o estômago, assim como a hipocrisia de Joe Biden, que alega ter sensibilidade às vidas palestinas em sua campanha (quase naufragada) à reeleição, mas segue sendo sócio do genocídio palestino, enviando armas, protegendo Israel com seus porta-aviões e fragatas de guerra, pressionando países vizinhos para impedir a solidariedade e bloqueando a implementação de medidas diplomáticas e judiciais que pudessem parar a mão genocida de Israel.

Na prática, eu embarco para Istambul entendendo que a maior violação de direitos humanos existente no mundo hoje está prestes a se agravar ainda mais, com novos 26 bilhões de dólares que Israel receberá de “ajuda” de Washington. O que já era inaceitável, insustentável, inadmissível, ganhou mais recursos e energia da maior potência imperial do mundo como um “presente” para se intensificar e prolongar.

Embarcação vai levar ativistas e alimentos

Embarco entendendo que sou uma das pessoas entrando do outro lado dessa cadeia da indústria da guerra. Que nossa jornada para chegar em Gaza com medicamentos e alimentos que combatam a fome gritante nos colocava potencialmente junto com o povo palestino na mira dessas balas e dessas bombas.

Eu tenho total ciência de que os governos de Estados Unidos e Israel farão de tudo para impedir que a Flotilha da Liberdade alcance Gaza e rompa o bloqueio. Eu e todas as mais de mil pessoas entendemos que os riscos são enormes, mas também entendemos que deve ser feito.

Depois de fazer tudo que estava ao meu alcance do Brasil, do Egito e mobilizando tudo que pude nas redes, nas ruas, no parlamento, nos veículos de comunicação, representar o Brasil na ação direta não-violenta mais importante da nossa geração me parecia exatamente o que eu deveria fazer.

No último trecho de vôo, pois após Istambul seguiremos de barco, minha cabeça pensava nas várias ações não-violentas que foram impactantes na história. Na corajosa luta de Gandhi durante a independência da Índia, na inspiradora mobilização de Martin Luther King Jr. e o movimento negro na luta por direitos civis nos Estados Unidos (inclusive com “caravanas da liberdade”, que também desafiavam um regime de segregação indo em ônibus para lá).

Lembrava das outras edições da Flotilha da Liberdade, que também tentaram romper o cerco a Gaza com barcos com ajuda humanitária e foram atacados por Israel (que em 2010 inclusive matou 10 ativistas durante a tomada de um dos barcos).

Sobretudo, lembrava das ações de extrema coragem do povo palestino, como as Grandes Marchas do Retorno, as greves de fome nos porões das prisões israelenses, entre tantas outras ações não-violentas que o mundo ignorou.

A verdade é que o povo palestino luta há décadas com uma grande diversidade de táticas, grita de todas as formas possíveis e imagináveis, mas o mundo só prestou atenção (antes de outubro) nas vezes que os palestinos reagiam, então a grande imprensa utilizava essa reação para tirá-la de contexto e culpar os próprios palestinos por sua situação.

Desembarquei em Istambul me mantendo totalmente convencido do grande propósito por trás dessa ação de solidariedade e do papel histórico-politico dessa ação direta não-violenta para aumentar a pressão sobre Israel para parar o genocídio e diminuir a fome de milhares de palestinos em Gaza.

É madrugada aqui, então me resta encontrar o meu alojamento, dar notícias ao grupo mais próximo de assistência no Brasil, me atualizar sobre como está minha companheira Lara, milha filhota Teresa, minha mãe (também Teresa), descansar e me preparar para encontrar amanhã todas as delegações internacionais nos últimos preparativos antes de zarparmos para Gaza.

É curiosa a sensação de fazer um diário de viagem novamente após tantos anos. As últimas vezes que fiz foram quando estive em Cuba, nos territórios zapatistas em Chiapas, no México, e nas missões de solidariedade aos povos Guarani-Kaiowá, todas há mais de 10 anos.

Desde então realizei diversas ações de solidariedade internacionalista, mas não documentava diariamente as ações e pensamentos. Espero que tenha utilidade e agregue algo para quem lê

22/04: A missão

Na próxima quarta-feira, uma coalizão de organizações e ativistas de mais de 30 países, a Flotilha da Liberdade, que há 14 anos realiza expedições marítimas com ajuda humanitária, partirá de Istambul com o objetivo de desafiar o bloqueio israelense na Faixa de Gaza e levar 5 toneladas de alimentos e remédios ao povo palestino.

“Todas as mais de mil pessoas que estão aqui têm a sorte de participar de algo que entrará para a história, mas elas não estão sozinhas. É sabendo que milhões de pessoas estão em coração com a gente que me comprometi a fazer um diário de toda a jornada. Uma alegria que foi abraçada pelo ICL, um dos veículos mais dedicados desde o início a cobrir e denunciar a catástrofe que está ocorrendo contra o povo palestino em Gaza”, afirma Thiago Ávila, profissional de Relações Internacionais que irá representar o Brasil.

O ICL Notícias terá um diário de Ávila durante toda a viagem. Ele escreverá todos os dias no site.

Israel mantém Gaza sob ocupação militar desde 1967 e sob cerco total desde 2007. Isso significa que qualquer criança de 0 a 17 anos (a maioria da população de Gaza está nessa faixa etária) nunca viveu um dia em liberdade.

As restrições impostas por Israel mesmo antes de outubro de 2023 impediam a entrada de itens essenciais como equipamentos médicos, alimentos (que ultrapassasse um cruel cálculo de calorias para cada pessoa, mas ainda mantendo a insegurança alimentar), materiais escolares e até itens como vestidos de noiva, chocolates e óculos de mergulho.

“A fome está sendo utilizada por Israel como uma arma de guerra. Na história recente, a situação que o povo de Gaza enfrenta só é comparável à situação que duas regiões da Somália passaram em 2011 e em partes do Sudão do Sul em 2017, com a diferença de que em Gaza hoje toda a população está sendo submetida a esse crime contra a humanidade”, afirma Thiago Ávila.

As restrições, que já faziam organizações denunciarem Israel por transformar Gaza na “maior prisão sem teto do mundo” pioraram muito após outubro de 2023, quando o ministro da Defesa, Yoav Gallant, declarou que os palestinos em Gaza ficariam sem água, sem comida, medicamentos ou eletricidade como punição coletiva após os ataques de 7 de outubro.

“Nós estamos enfrentando animais humanos e agiremos de acordo”, afirmou o ministro quando fechou totalmente as passagens para ajuda humanitária de Israel, além do cerco marítimo e aéreo e o controle que detém sobre a fronteira de Rafah, que separa o Egito do sul de Gaza.

Thiago Ávila será o representante do Brasil na expedição até Gaza; ele escreverá um diário no ICL Notícias durante a viagem

Thiago Ávila será o representante do Brasil na expedição até Gaza; ele escreverá um diário no ICL Notícias durante a viagem

“Antes da intensificação do cerco, 500 caminhões entravam diariamente em Gaza com ajuda humanitária e já existia insegurança alimentar. Há quase 200 dias Israel restringiu a entrada para 0 a 200 caminhões diários, sendo a média dos últimos dias de 181 caminhões. O que já era um campo de concentração, se tornou um campo de extermínio, com mais de 34 mil pessoas assassinadas, entre elas mais de 14 mil crianças, e com a fome se tornando um risco de morte ainda maior que as bombas de Israel”, afirma Ávila.

Diante da intransigência de Israel, alguns países começaram a realizar entregas aéreas, porém com alcance limitado. Esse método é mais caro, perigoso (pessoas já morreram esmagadas ou afogadas, quando caem no mar) e serve mais para manobras de relações públicas de governos que querem aparecer como solidários à catástrofe humanitária palestina.

Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, por exemplo, principal aliado estratégico de Israel e maior fornecedor de armas, segue enviando bilhões de dólares em ajuda militar incondicional, mas faz entregas aéreas de comida para diminuir o impacto sobre a opinião pública estadunidense em período eleitoral.

“Quando os governos falham, as pessoas comuns precisam dar um passo à frente. A Flotilha da Liberdade denuncia a inação dos governos e organismos internacionais para deter o genocídio. O que essas mais de mil pessoas estão fazendo colocando suas vidas em risco era papel dos governos e organismos multilaterais internacionais. Mas, se os governos não fazem, as pessoas comuns terão que deter o genocídio contra o povo palestino através de seus próprios meios”, aponta Ávila.

Ele afirma que os ativistas da Flotilha estão colocando suas vidas em risco “para cumprir uma decisão da maior instância jurídica mundial, que Israel ignora para manter o genocídio e os governos do mundo não fazem o suficiente para impedir.

Quem tem consciência e humanidade não pode silenciar diante da maior violação de direitos humanos de nossa geração, e precisa empenhar seus melhores esforços para interromper essa catástrofe”, ressalta.

“As medidas preliminares do Tribunal Internacional de Justiça ordenadas contra Israel são muito claras”, comenta Ismail Moola, da Aliança de Solidariedade à Palestina da África do Sul, parte da Coligação da Flotilha da Liberdade. “A decisão do tribunal exige que o mundo inteiro desempenhe o seu papel para impedir o genocídio que se desenrola em Gaza, incluindo o acesso desobstruído a ajuda vital.”

A Flotilha da Liberdade (ou Freedom Flotilla Coalition — FFC) é uma coligação internacional suprapartidária de campanhas que defendem a liberdade e os direitos humanos. As expedições acontecem desde 2010 com o objetivo de quebrar o bloqueio a Gaza, em solidariedade com os gritos dos palestinos por liberdade e igualdade.

Gaza: ataque à Flotilha em 2010 matou dez ativistas

Ávila está certo quando diz que os ativistas estão arriscando sua vida pela causa palestina. Em 2010, durante a expedição da Flotilha da Liberdade, Israel atacou os barcos com helicópteros e lanchas rápidas, assassinou 10 integrantes da Flotilha, apreendeu os barcos e toda a mercadoria e prendeu as pessoas, levando-as para Tel Aviv, onde ficaram presas até serem deportadas a seus países de origem.

Nos anos seguintes a Flotilha seguiu rumo a Gaza, sempre desafiando o cerco ilegal promovido por Israel.

Um navio com 1000 ativistas navegará até Gaza ao lado da embarcação cargueira com alimentos e remédios

Um navio com cerca de 1000 ativistas navegará até Gaza ao lado da embarcação cargueira com alimentos e remédios

“Tanto em águas internacionais quanto no território marítimo palestino de Gaza, Israel não tem direito de atacar nossa delegação (e cometeu um grave crime de guerra todos os anos que o Estado sionista o fez). Acreditamos que dessa vez será diferente, pois o mundo finalmente percebeu que Israel pratica genocídio e limpeza étnica há mais de 76 anos, que estruturou seu Estado de colonização e apartheid com base em uma ideologia racista e supremacista, que é o sionismo. As mais de 1000 pessoas que hoje se colocam em risco possuem, em sua retaguarda, as milhões que estão indo às ruas há mais de seis meses em todo o mundo e que não nos abandonarão, assim como não abandonaram o povo de Gaza”, lembra Ávila.

O internacionalista e comunicador convidou a comunidade brasileira a acompanhar essa jornada de perto a partir de suas redes sociais. Em seu Instagram (@thiagoavilabrasil) que possui 267 mil seguidores, Thiago Ávila afirma que postará tudo sobre essa jornada em forma de diário. Ele compõe a equipe de mídia internacional da Flotilha da Liberdade e teve sua ida custeada pela comunidade árabe no Brasil.

Atuando na causa palestina desde 2006, Ávila esteve no país e já tentou entrar em Gaza tanto pelo norte e oeste (via Israel em 2019) como pelo sul via Rafah (fronteira com o Egito em 2023). Sua atuação dedicada e seu trabalho de comunicação nas redes sociais e de mobilização tem trazido destaque, sendo Ávila o premiado de 2024 pelo Megafone Ativismo.

Por Thiago Ávila — Especial para o ICL Notícias

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