Refazer os passos que vêm de longe, além Atlântico, para os afrodescendentes no Brasil, será sempre uma jornada contínua.
Os processos históricos, frutos da escravização da população negra no tráfico transatlântico negreiro, se incumbiram de criar mecanismos muito bem alicerçados na negação e invisibilização de quaisquer traços e aspectos de suas culturas e ancestralidades. Seja enquanto por parte da sociedade ou do próprio Estado Brasileiro e suas instituições.
Estas ações da negação de suas identidades e ancestralidades refletirão no cotidiano destes sujeitos, onde criar-se-á a falta de um sentido cosmoperceptivo (não lugar).
Não podemos mais uma vez dar a volta na árvore do esquecimento contemporâneo!
O principio de ancestralidade para os povos africanos e os afrodescendentes na diáspora afrobrasileira é um sentimento de pertencimento e que vai dar sentido a própria vida em sua integralidade. Sem ancestralidade, somos árvores ocas.
O processo de negação destas características era levado a cabo por traficantes negreiros e colonizadores. Esse era o processo enquanto mecanismo afroepistemicida.
Tirem suas ancestralidades, que tiraremos seus sentidos á vida!
O culto a Baba Egun (pai ancestral), que se originou na Ilha de Itaparica, no estado da Bahia, vem ao longo de décadas cumprindo esse papel reparatório. Isso vale para sua comunidade de adeptos, familiares consanguíneos e as famílias extensivas que Baba Egun vem acolhendo e dando suportes ancestrais.
O culto aos ancestrais nos terreiros de Baba Egun tem um caráter não somente religioso, mas também, social, politico e cultural, pois cultuar Baba Egun (pai ancestral) é uma soma de reparações.
Posso falar baseado em minha vivência no Terreiro de Baba Onilá, em Itaparica, onde tenho cargo de cultuador de Baba Egun, mas especificamente de Baba Onilá.
Esta reparação ancestral, enquanto experiência de retorno a uma ancestralidade negada, foi de suma importância, pois Baba Onilá. Mesmo que eu não tenha nenhuma relacão biológica com este ancestral (Baba Onilá), fui acolhido, bem como minha família.
Não pretendo romantizar esta vivência, destituindo o caráter humano deste culto, restringindo somente aos aspectos da religião, pois cultuar Baba Egun, é também se envolver nesse viver em coletividade, onde as relações humanos e sociais se evidenciam em sua plenitude de relações.
Um vácuo se fechou no que concerne à minha história, me senti reparado historicamente, já que os conselhos espirituais por parte deste Egun, foram o bálsamo que precisava para as feridas da escravidão e colonização dos meus ancestrais.
O Egun, não é somente o morto distanciado dos seus, muito ao contrário da lógica judaico cristã. Baba Onilá vem intervir nos problemas de saúde dos seus familiares, resolver conflitos, harmonizar a sua comunidade e o sentido de coletividade é o conceito primordial. Os nossos ancestrais não tememos, os reverenciamos e nos referenciamos como parte deles.
Baba Onilá nos faz relembrar que temos ancestrais a nos cuidar. Mostra que não estamos sós e sempre virá a nos atender em nossos pedidos e suplicas reparatórias.
Onde o Estado não chega para atender as necessidades fundamentais da população, Baba Egun estará cumprindo este papel de pai que se importa com o seu povo e comunidade, propiciando à sua coletividade a importância da comunalidade enquanto conceito de resistência e sobrevivência.
Cultuar nossos ancestrais, é travar uma relação dialógica e polifônica com os seus ancestrais, onde não há o distanciamento próprio das lógicas racionais e individualizantes eurocidentalizadas.
Nossos ancestrais se materializam e vêm conviver conosco, dançando e cantando em suas festas, onde seus familiares têm a honra de rever esses pais ancestrais de sabedoria e acolhimento.
Mesmo que Baba Egun (pai ancestral) já estejam em outra dimensão, essa dimensão não é monolítica, fechada, sem uma multirrelação onde não há a troca. Pelo contrário, a troca se dá com o reconhecimento e ressignificação do saber atávico reencontrado.
Eles estão em “Itunlá”, a ultima morada, a morada do segredo (mistérios), a casa do renascimento, mas retornam aos seus orientando e cobrindo lacunas históricas como reparações ao seu povo
A morte é só um estágio transicional, pois acreditamos que a carne fisica cumpre seu papel terreno, mais o espirito continua numa dialogia ancestral.
“Se awo kikun, awo kirun, ni se awo malo Situnlá
Itunla ile awo”
(Os iniciados nos mistérios não morrem, os iniciados nos mistérios não desaparecem, os iniciados nos mistérios vão para Itunlá)
Uma saudação feita a Baba Egun, pelas mulheres de sua comunidade, consegue expressar exatamente o que esse texto se propõe a expor, que é “Atelerió”, que significa (você é anterior a mim).
Baba Onilá Mojuba io
Baba Onilá Ba mi o
Somos a continuidade dos nossos!
Deixe um comentário