Que ano.
Não bastasse o reinado de Arthur Lira, eventos climáticos extremos, a vitória de Trump e tantos outros dissabores vividos nesses 12 meses, o finalzinho de 2024 ainda foi marcado por um episódio revoltante.
No domingo (29), uma exposição de fotos instalada na Lagoa, bairro da zona Sul do Rio, em homenagem a crianças e adolescentes mortos por balas perdidas ou em ações policiais simplesmente sumiu.
Houve um pequeno período de mistério sobre o autor do desaparecimento das fotos, mas durou pouco. Logo o responsável se apresentou: foi o próprio prefeito do Rio, Eduardo Paes.
Parentes e amigos daquelas jovens vítimas da violência receberam com perplexidade a justificativa do prefeito para a medida. “Não dá para cada organização de cariocas indignados achar que vai fazer uma exposição em área pública do Rio de Janeiro — por mais justa que possa ser a homenagem e o registro — e instalar onde bem deseja na cidade”, disse Paes.
Ou seja, para o alcaide a manifestação de indignação de mães e pais contra a violência que tirou a vida de seus filhos não passa de algo que atrapalha a “ordem” da cidade.
Nenhuma palavra sobre a desordem primordial que afeta o Rio: a truculência da polícia e o domínio geográfico dos traficantes, fatores que diariamente expõem inocentes ao risco dos tiroteios. É esse tipo de situação que com frequência causa mortes de crianças como aquelas.
Nenhum pio de consolo aos pais que perderam seus meninos e meninas.
O surto ordeiro do prefeito mirou exclusivamente a demonstração de luto pelas pequenas vitimas da violência. Uma outra homenagem, colocada perto dali e direcionada aos policiais militares mortos em serviço, foi mantida.
Questionado sobre o tratamento diferente, Paes tentou se explicar. “Será reavaliada se pode permanecer ali (a exposição de fotos dos PMs). Mas como já está há muito tempo não determinei a retirada”, disse.
No outro caso, nada de reavaliação, nada de ponderação. Apenas a retirada sumária.
É o poder público causando mais uma dor a quem perdeu os filhos tragicamente. O mesmo poder público que deveria ter protegido as vítimas e acolhido a reivindicação dos pais por justiça — algo considerado básico em qualquer democracia digna desse nome.
Dessa vez, é preciso destacar, não foi Cláudio Castro, o governador bolsonarista, quem causou a violência. O papel de brutamontes coube justamente ao prefeito que se opõe a Bolsonaro, que é aliado de Lula e que muitos imaginavam ser um democrata.
Agora, de olho no cargo de governador, Paes vai fazendo uma correção de rota à direita, para conquistar essa parte reacionária do eleitorado. Isso inclui botar a PM em cima de professores grevistas e fazer gestos desumanos como arrancar a homenagem às crianças, algo que cai bem aos olhos de policiais e bolsonaristas, que detestam defensores de direitos humanos.
Quem retirou as fotos foi o político que se diz apaixonado pelo subúrbio carioca, faz juras de amor a Madureira e volta e meia vai beber em um bar do Cachambi.
Pelo visto, essa admiração pela periferia é limitada, e não se estende àqueles que realmente vivem sua rotina trágica e perdem familiares para a barbárie vigente nesse pedaço do Rio.
Homem branco, de bom poder aquisitivo e morador de bairro nobre, Eduardo Paes vai ao subúrbio apenas de vez em quando, para alimentar a carioquice do personagem que interpreta e lhe rende muitos votos.
Quando o prefeito volta para o aconchego da zona Sul, quem continua na periferia são pessoas como as mães que montaram a exposição de fotos na Lagoa e seus filhos.
Gente em sua maioria pobre, preta e trabalhadora, submetida ao domínio territorial de bandidos sanguinários e aos desmandos da polícia que mata.
Como se não fosse o suficiente, esse contingente da população está também sob jugo de um prefeito que não demonstra compaixão pelas suas tragédias e está mais preocupado com a “ordem” da cidade do que com seu grito por justiça.
Se a ideia de Eduardo Paes é mesmo conquistar votos de extremistas de direita, está no caminho certo.
Os democratas que reelegeram o prefeito para evitar a vitória do bolsonarista Alexandre Ramagem na última eleição é que devem estar muito preocupados a essa hora.
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