Por Demétrio Vecchioli
(Folhapress) — Influenciadores responsáveis por dois dos maiores canais infanto-juvenis do YouTube que transmitem lives incentivando crianças e adolescentes a participar do jogo do tigrinho dizem que alugam seus canais para de uma empresa de apostas autorizada pelo Ministério da Fazenda.
Como mostrou a Folha de S. Paulo, as lives contam mais de 300 mil pessoas online simultâneas e divulgam os mesmos vídeos pré-gravados, exibidos repetidamente, incentivando a jogar e aproveitar supostos bugs.
Os links para as bets são divulgados nos comentários.
Um desses canais é do influenciador Vinicius Leme, que produz conteúdo para o público infantil, como ele mesmo reconhece. Aos 23 anos, faz sucesso no Instagram com vídeos em lojas de brinquedos, acompanhado de crianças e adolescentes. Seu canal no YouTube está desatualizado, mas mantém 1,3 milhão de seguidores.
“Não sou eu quem posto as lives e nem recebo o dinheiro. Meu conteúdo é de humor e infantil”, afirmou ele à reportagem.
“Existem administradores que entram em contato. Eu ‘dou’ o editor limitado do meu canal, e eles não têm acesso a nada além de postar a live, para não correr o risco de verem a minha receita de vídeos pessoais, nem excluir, nem editar conteúdos”, disse.
O dono de outro canal, que aceitou falar sob anonimato à reportagem, deu a mesma versão de que a transmissão se deu após receber uma proposta de parceria para divulgar essas lives. Ele diz desconhecer quem é o contratante.
Ambos os canais, assim como outros com perfil semelhante e com lives idênticas, levam a links para jogar principalmente na Goldebet e na Lotogreen, duas marcas da mesma empresa, a Sabiá Administração, autorizada pelo Ministério da Fazenda.
A empresa alega que já acionou afiliados para cessarem com as irregularidades.
“Infelizmente, identificamos que alguns afiliados estão aproveitando a incerteza quanto à continuidade de suas operações para tentar obter vantagem sobre os jogadores. Assim que tomamos conhecimento desses atos, imediatamente os notificamos para cessar tais práticas e estamos adotando as medidas legais cabíveis”, disse a empresa em nota.
O influenciador ouvido pela reportagem sob a condição de anonimato admitiu que as lives exibem ganhos falsificados com o Fortune Tiger, conhecido como tigrinho, e cita que o mesmo esquema existe para também para o “Aviator”, outro jogo popular no país.
Canal infantil com incentivo a apostas
Na sexta-feira (29) à noite, havia 15 mil pessoas online na falsa live exibida no canal deste influenciador.
Nas duas lives simultâneas na página de Vinicius, outras 29 mil pessoas eram incentivadas a apostar.
“É normal que seja exibido como ao vivo, porque nós criadores não temos controle sobre isso. Quando você solta um vídeo com o método ao vivo, ele aparece como ao vivo, mas não necessariamente você está ao vivo”, afirma Vinicius.
Segundo ele, a veiculação se deu sem o conhecimento de que poderia estar cometendo um crime, já que o YouTube autoriza as lives.
Procurado pela reportagem, a plataforma disse que as lives são regidas por seus termos de condições e que tem regras específicas sobre venda de produtos ou serviços ilegais ou regulamentados.
“Apenas permitimos links para sites de apostas online que passaram por verificações para garantir que atendem aos requisitos legais locais. Se um criador quiser criar um link para um site de apostas online, ele precisará garantir que o domínio seja certificado pelo Google Ads, revisado pelo YouTube e listado pelo Ministério da Fazenda”, afirmou a empresa.
A plataforma disse que já removeu 14 vídeos relacionados a jogos de azar, sem especificar desde quando, que encerrou um canal por repetidas violações e que estimula os usuários a denunciarem os conteúdos quando houver dúvida sobre sua autenticidade. Todos os canais denunciados pela reportagem ao YouTube no dia 8 de novembro continuavam publicando falsas lives até esta segunda (2).
O Superior Tribunal Federal (STF) determinou e o Ministério da Justiça antecipou a entrada em vigor de regulamentação que proíbe a publicidade voltada a menores de 18 anos.
“A exemplo de sua condição de pessoa em desenvolvimento e por limites próprios decorrentes de seu desenvolvimento físico e mental, [crianças e adolescentes] não possuem condições plenas de compreender o conceito de oferta, as consequências de uma publicidade, os exageros decorrentes de técnicas de convencimento ou o interesse econômico envolvido por trás de um anúncio divertido”, diz texto da nota técnica da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) que embasou a decisão.
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