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Por Bia Abramo

Brasileiros não sabem identificar conteúdo falso e enganoso online. Em pesquisa realizada pelo instituto Truth Quest, o Brasil obteve o pior índice entre 21 países. O relatório foi publicado em junho pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Resumo compilado pela consultoria Snaq mostra o Brasil em último lugar quando é medida a capacidade de pessoas adultas identificarem se uma notícia publicada online é verdadeira ou falsa, atrás de Colômbia, Suíça, França e Estados Unidos.

Finlândia, Reino Unido, Noruega, Irlanda e Luxemburgo aparecem entre os cinco primeiros lugares como países com maior capacidade de discernir conteúdo online falso e enganoso.conteúdo falso

Brasileiros entre os mais enganados

O resultado do Brasil é assustador: o país obteve o pior índice. O gráfico mostra como somos suscetíveis à desinformação no ambiente virtual. Para o antropólogo David Nemer, da Universidade de Virginia, é preciso tomar cuidado ao analisar os resultados extraído do relatório.

“O relatório não busca entender o porquê e para o porquê não existe resposta fácil. Há, isso sim, determinadas correlações e características em comum entre os países que aparecem nos últimos lugares. Há que considerar as diferenças entre esses cinco países em relação ao comportamento de consumo de informação nas redes. O Brasil, por exemplo, que está mais massivamente na redes do que a Finlândia”, afirma.

“Temos também lembrar que o Brasil nos últimos anos, pelo menos os seis da ascensão da direita ao poder, incluindo os quatro anos da gestão de Jair Bolsonaro, criaram um ambiente de muita descrença com a imprensa. Ou seja, isso contribui para que as pessoas aqui não tenham a percepção do que é verdade ou mentira’, diz Nemer.

No caso específico do Brasil, Barciela, que é também pesquisador da área de monitoramento e análise de redes sociais diz: “Esse é um fenômeno muito típico do Brasil. Você tem um enorme volume de produção de conteúdo, seja por portais de imprensa, seja por canais que se passam por portais de imprensa, tanto os ligados ao bolsonarismo como ao campo da esquerda, que emulam manchetes sensacionalistas ou mesmo falsas.”

“Todos eles acabam contaminando tanto o ambiente, de tal maneira que acaba sendo uma forma de censura”, continua. “O estado de campanha constante no Brasil, com ofensivas da extrema-direita, teriam causado esse índice da capacidade de adultos de identificarem se uma notícia online é verdadeira ou não.”

De acordo com Barciela, esse “estado de companha constante” também se repete nos resultados da pesquisa entre norte-americanos e franceses. “Acredito que tenha a ver também com períodos eleitorais e/ou estado de campanha constante.”

“Os Estados Unidos estão em  estado de campanha constante, assim como o Brasil, principalmente depois daquela tentativa de golpe lá em janeiro de 2020, se não me engano, e agora eles vão ter esse período eleitoral. Eles têm a questão da liberdade acima de tudo, que também implica numa atuação um pouco mais rígida da justiça contra esse tipo de conteúdo.”

Quanto à França, que acaba de passar por dois turnos de eleições legislativas “também, principalmente por estar em período eleitoral com uma campanha muito forte da extrema direita. Ou seja, o que Brasil, França e Estados Unidos teriam em comum é a “correlação entre esses países com o fato de estarem em períodos eleitorais ou de campanha constante”, afirma.

Nemer, autor do livro “Tecnologia do oprimido: Desigualdade e o mundano digital nas favelas do Brasil” (editora Milfontes), reitera a importância de procurar “os fatores culturais de um certo padrão de comportamento. Entre os cinco últimos do gráfico, pelo menos Brasil, Colômbia, França e Estados Unidos são países em que a ascensão de uma direita muito reacionária criou uma demonização da imprensa, que tende a afastar os leitores da informação.”

Brasil, mostra a sua cara?

De acordo com Barciela, o ambiente de desinformação criado pelas big techs no Brasil ajudou a desenhar esse cenário. “Lembro de uma pesquisa que me marcou muito. A pesquisa questionava se, com o derretimento de calotas polares que boiam no oceano, o nível do mar aumentaria. A pergunta foi feita para pessoas bem informadas, progressistas, quase técnicas. E as pessoas respondiam de maneira quase a corroborar um ponto de vista, uma interpretação.”

“Tenho a percepção que a dificuldade que esses entrevistados exprimem quando dizem não entender uma notícia ou distinguir entre uma informação falsa ou verdadeira é semelhante ao dessa outra pesquisa sobre calotas polares que mencionei.”

Imprensa contra conteúdo falso

Nesse campo de batalha armado entre informação e desinformação que se dá nas redes, perdem todos: os fatos e sua influência nas vida política e social. Como reverter esse processo?

“Eu acho muito importante a gente ter em mente o papel da imprensa nisso tudo. Tem um livro que chama “Network Propaganda: Manipulation, Disinformation, and Radicalization in American Politics” (Oxford University Press), no qual os autores analisaram o peso da imprensa na campanha de Donald Trump em 2016.”

“A atenção que foi dedicada a cada absurdo que ele falava, a cada notícia falsa que ele disseminava, o peso que a imprensa deu para aquilo na divulgação de fake news era coisa da ordem de bilhões de dólares que el, Trump, teria gasto em propaganda se ele tentasse atingir e ter a mesma minutagem na TV, na rádio. Entendo que, para enfrentar esse problema específico sobre notícias, o primeiro passo seria a própria imprensa refletir sobre seu papel. Ou seja, como ela se vende e também se retroalimenta desse sistema.”

Partindo da perspectiva da questão de notícias falsas, desse discernimento, o primeiro passo seria a própria imprensa caminhar para algo próximo a uma autocrítica, a uma reinvenção, diz Barciela

A íntegra da pesquisa está disponível para dowlnload na página da OCDE.

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