A Câmara Municipal de São Paulo deve analisar hoje, terça-feira, se abrirá ou não uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o trabalho humanitário do padre Júlio Lancellotti e de entidades que atuam na região da cracolândia.
Ontem, a Arquidiocese de São Paulo disse que segue apurando uma denúncia contra o padre e que está “em busca da verdade”. Um suposto assédio sexual praticado contra um ex-coroinha em 1987 motivou a apuração. O relato foi feito à revista conservadora Oeste.
Em janeiro, antes dessa denúncia, vieram a público reproduções de conversas nas quais um homem identificado como Lancellotti (o que não foi confirmado em nenhum momento) troca mensagens pelo celular com um suposto jovem (que não aparece na gravação) e se masturba em uma chamada de vídeo.
Em nota, o religioso disse ontem que “as acusações estão imbricadas em uma rede de desinformação, que mascara eventuais interesses de setores do poder político e econômico” e disse ter “plena fé que as apurações conduzidas pela Arquidiocese esclarecerão a verdade dos fatos”.
A notícia de que a Arquidiocese segue investigando o padre mobilizou a extrema-direita nas redes sociais, acostumada a atacar o religioso desde antes das acusações sem provas. Vereadores disseram não acreditar que a comissão será instalada, mas a posição da Arquidiocese pode mudar o panorama. “A atitude correta, transparente e idônea da Arquidiocese pressiona a Câmara a continuar o seu trabalho”, afirmou à Folha de São Paulo Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara.
O assunto “não é prioridade”, segundo um político que preferiu não se identificar à Folha. Ele disse que a instalação da comissão deve ser abordada na reunião do colégio de líderes, às 14h de hoje, mas tem poucas possibilidades de ir adiante porque “seria desgastar muito a Câmara”. Já há um consenso de trabalhar contra a instalação da CPI, caso o tema venha a ser discutido no colégio de líderes.
Há cerca de um mês, Ricardo Nunes (MDB) afirmou que a falta de apoio na Câmara, dentre outros fatores, deve enterrar a comissão. “Acho que não deve ir pra frente”, disse Nunes. A preocupação do prefeito e de seus aliados é que uma CPI liderada pela situação em ano eleitoral o colocaria como perseguidor de quem alimenta e acolhe os mais pobres.
Realizado às terças-feiras, o encontro das lideranças de cada partido na Câmara não tem uma pauta predefinida, então é possível que o assunto da CPI não seja analisado, embora se espere que isso aconteça. O colégio de líderes toma decisões por consenso, por isso os vereadores devem chegar a uma decisão conjunta.
Se a decisão for pelo início da CPI, ainda será necessário o aval do plenário — 28 dos 55 vereadores precisam votar a favor para que a CPI seja aberta.
Protocolado em dezembro pelo vereador Rubinho Nunes (União Brasil), o documento pede que se inicie uma investigação sobre a oferta de “alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento de dependentes químicos” por organizações nessa região.
O vereador disse que irá “mirar” no padre Júlio, embora isso não esteja especificado no requerimento. Após essa informação vir à tona, alguns vereadores decidiram retirar apoio à proposta. Confira abaixo a nota do padre Julio divulgada ontem:
“Recebo, com serenidade e paz de espírito, a nota da arquidiocese de São Paulo, publicada na presente data, informando que apura as acusações lançadas nos últimos dias. Esclareço que as imputações surgidas recentemente, assim como aquelas que sobreviveram no passado, são completamente falsas, inverídicas e tenho plena fé que as apurações conduzidas pela Arquidiocese esclarecerão a verdade dos fatos.
As acusações estão imbricadas em uma rede de desinformação, que mascara eventuais interesses de setores do poder político e econômico em ceifar aquilo que é o sentido do meu sacerdócio: a luta pelos desamparados e pelo povo de rua.
Sigo, de maneira inabalada, a esperança de um futuro que extirpe o ódio aos pobres das nossas ruas e dos nossos corações”.
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