Em mais uma tentativa de explicar a alta taxa de juros brasileira, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, recorreu a uma analogia um tanto inusitada. Ele creditou às linhas de empréstimos com taxas menores uma das razões que explicam a Selic estar atualmente em 13,75% ao ano e usou a meia-entrada no cinema para fazer a comparação. “No crédito direcionado, a gente pode fazer a análise do cinema que vende a meia-entrada. Se eu vendo muita meia-entrada e quero ter o mesmo lucro, a entrada inteira eu tenho que subir o preço. O crédito funciona um pouco assim”, afirmou Campos Neto.
O chamado crédito direcionado é formado por linhas de empréstimos para habitação, para a produção rural e aquelas concedidas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) ao setor produtivo. Grande parte dessas linhas é concedida por bancos públicos e muitas são subsidiadas para que tenham juros menores.
A fala do presidente do BC, segundo reportagem do site G1, ocorreu em evento promovido pela Esfera Brasil na semana passada. Na ocasião, ele comparou o volume total do crédito no país a um “tubo” para explicar porque a concessão de empréstimos, com juros menores, afetam o patamar da taxa Selic, que está no maior patamar desde 2016.
“Se um pedaço do tubo está imobilizado [crédito direcionado, com juro mais baixo], eu tenho que aumentar a pressão no outro [subindo mais a taxa total]. Quando você tem muito crédito subsidiado, a sua potência de influenciar com o juro diminui. Então tem que ter um juro mais alto do que você teria”, declarou.
Ainda no evento da Esfera, Campos Neto disse que o crédito direcionado representa 42% do volume total de crédito no Brasil, patamar elevado na comparação internacional, feita com países parecidos com o Brasil. Somente o México apresentou taxa maior entre os países analisados, ainda assim, menor que a do Brasil (26%). Outros países possuem percentual de 5% nessa modalidade.
Até quando Campos Neto vai buscar explicações para a inexplicável taxa de juros brasileira?
Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em março, a autoridade monetária manteve a Selic nos atuais 13,75% ao ano. Foi a sexta vez que isso ocorreu. Após o coro puxado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e equipe do governo ter sido engrossado por empresários, representantes de trabalhadores e economistas gabaritados, como o Nobel de economia Joseph Stiglitz, Campos Neto vem tentando buscar explicações para manter a Selic como está, muitas vezes demonstrando, sem disfarçar, que adotou viés político na decisão.
Como bem lembraram os economistas do ICL (Instituto Conhecimento Liberta) Deborah Magagna e André Campedelli, em artigo publicado ontem (17), o presidente do BC brasileiro tem feito “chantagem pesada” contra o governo. Tem, inclusive, tentando direcionar a política econômica. “Ele é somente o responsável pela condução da política monetária, mas diz como deve ser feita a política fiscal, que tributos devem voltar e como o próprio presidente eleito da República deve se portar e falar sobre questões econômicas. Este homem também é protegido por boa parte da mídia, que o colocam como sensato e meramente técnico. Este homem é Roberto Campos Neto”, escrevem os dois no artigo.
Mas, ainda que tenha sido atendido em algumas das exigências, como a apresentação do novo arcabouço fiscal, regra fiscal que substituirá o teto de gastos, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente do BC “se mantém irredutível sobre sua política de taxa de juros. A última declaração do dono da política econômica brasileira foi de que a taxa de juros é um antibiótico, que só pode deixar de ser administrado quando não existir risco nenhum mais de existir a inflação”.
Apesar da fala do presidente do BC, bancos públicos têm dado indicação de que continuarão baixando os juros para fomentar o crédito e os negócios no Brasil. O novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, já indicou que a instituição aumentará o seu volume de empréstimos. “Aquele banco acanhado acabou. Ele vai debater, vai investir e vai impulsionar o crescimento do país”, afirmou ele, em março.
Além disso, ele também disse que está no radar a redução de juros para alguns tipos de operação, algo defendido também pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
A presidenta do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, definiu como prioridade em sua gestão o fomento ao crédito, principalmente o rural, com apoio à agricultura familiar, ao empreendedorismo, à transformação digital, entre outras.
Sobre Campos Neto, está prevista a ida dele ao Congresso Nacional este mês para explicar as razões dos juros altos no Brasil.
“Eu acho que o problema dos juros é um problema de todos nós, é um problema do Banco Central, é um problema do governo, é um problema das pessoas. A gente tem de trabalhar juntos para resolver. Mas a gente precisa dar explicações e não ficar apontando o dedo [para o Banco Central]”, disse Campos Neto.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e do site G1
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