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Campos Neto espera que sucessor não seja julgado pela camisa que vai votar nas eleições

Em entrevista ao O Globo, o presidente do Banco Central disse que não são os economistas que estão prevendo alta da Selic em setembro, mas o mercado. "É preciso cautela", sugeriu.
20/08/2024 | 11h50

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, passou boa parte dos últimos meses sendo alvo de críticas corretas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não só pela condução ortodoxa da política monetária, deixando de baixar as taxas de juros quando podia tê-lo feito, como por adotar um comportamento mais político do que técnico.

Alçado ao posto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o mandato de Campos Neto termina em 31 de dezembro deste ano. A sucessão já vem sendo discutida dentro do governo devido às eleições municipais que vão embolar toda a agenda do Congresso. O candidato à sucessão deve ser sabatinado no Senado, por isso o governo tenta antecipar a indicação.

Em uma longa entrevista à jornalista Míriam Leitão, em O Globo desta terça-feira (20), o presidente da autoridade monetária falou de economia, mas também de suas controvérsias que ajudaram a inflamar as críticas de Lula.

A mais clássica delas foi ter ido votar com a camisa da seleção brasileira nas eleições de 2022, uma vestimenta sequestrada pelo bolsonarismo. Questionado sobre o assunto, ele disse: “Hoje eu teria feito diferente. O voto é um ato privado. Não acho que seria surpresa, as pessoas não achariam que eu não ia votar desta forma. Teria feito diferente, mas acho que, no fim das contas, a autonomia e a independência se fazem pelo que eu fiz ao longo do tempo no Banco Central. Fizemos a maior alta de juros em período eleitoral dos países emergentes”.

Na sequência, disse esperar que seu sucessor no comando da autarquia não seja julgado pela cor da camisa utilizada na hora votar, mas sim pelas decisões técnicas que tomou.

“Quem vai me suceder aqui tenho certeza que vai ter proximidade com o governo atual, que vai participar de eventos do governo atual. E espero que ele não seja julgado por isso. Aliás, eu espero que a pessoa que venha me suceder aqui não seja julgada nem pela cor da camisa com a qual ele votou, nem pelas reuniões que ele fez, nem pelos jantares que ele fez, e sim pelas decisões técnicas que tomou”, disse.

Questionado sobre outro episódio controverso, em que foi homenageado em um jantar pelo governo bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas, o presidente da autoridade monetária desconversou: “Esse episódio não é verdade. Eu tive uma homenagem no Mato Grosso, do governador Mauro Mendes. Não teve nenhuma repercussão na mídia. Meu avô é de Mato Grosso. Em seguida veio o convite para fazer em São Paulo porque é o lugar onde eu moro. Teve um convite para fazer um evento na cidade do Rio de Janeiro, porque eu sou do Rio. Depois para um evento em Minas. Eu entendi que era um reconhecimento do trabalho do Banco Central. Não vejo nenhum problema nisso”, disse. “Nunca falei com o Tarcísio que queria ser ministro de nada. Todas as vezes que discuti com o Tarcísio, o que ele dizia para mim é, eu ‘sou candidato em 2030′”, afirmou Campos Neto, ao dizer que é amigo pessoal do governador.

Ainda sobre sua sucessão, ele disse não saber quem vai saber o nome escolhido. “Há uma especulação em relação ao Gabriel [Galípolo, diretor de Política Monetária e próximo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad]. Mas, independentemente de quem seja, espero que seja julgado pelas coisas técnicas. É impossível você estar no Banco Central e não ter proximidade com o governo ou com alguns agentes políticos. Porque precisa do governo e dos agentes políticos para fazer seus projetos”.

Sobre a Selic, Campos Neto diz que há assimetrias dentro do Copom sobre a próxima decisão

Em relação à próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em setembro, ele disse haver divergências dentro do colegiado sobre o balanço de riscos, termômetro usado para definir a taxa básica de juros, a Selic. Por isso, ele não crava se haverá ou não alta da taxa, atualmente em 10,50% ao ano.

“O que posso dizer, e de novo, é que há opiniões divergentes no grupo sobre o balanço de riscos, se são simétricos ou não. A gente vai decidir no próximo Copom”, disse.

Segundo Campos Neto, ainda que se tenha um esperança no radar sobre uma queda de juros nos Estados Unidos, em setembro, a decisão lá não embala diretamente a decisão daqui. “O mundo saiu de uma sincronia de política monetária para uma não sincronia. Precisa observar como é que isso vai se dar nos EUA. O mercado está muito volátil”, pontuou.

Sobre a economia brasileira, ele apontou que os indicadores estão melhores, com atividade e emprego fortes e que tudo isso precisa ser olhado de perto. O fato de a inflação ter encostado no teto da meta, ele avalia que o indicador deve arrefecer agora. Enfim, tudo será avaliado.

Recentemente, Campos Neto disse, durante audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, que, embora os juros no Brasil sejam “absurdamente altos”, não se pode dizer que a taxa de juros seja “exorbitante”. Segundo ele, nos últimos cinco anos, entre 2019 e 2024, o Brasil experimentou uma menor inflação acompanhada de uma menor taxa de juros.

O fato é que o Brasil ocupa a terceira posição no ranking de maior juro real do mundo (descontada a inflação), com uma taxa de 7,36%. Fica atrás somente da Turquia, a líder, e a Rússia.

Na entrevista a Míriam Leitão, o presidente da autoridade monetária brasileira ainda comentou sobre a expectativa de alta da Selic na reunião de setembro por uma ala de agentes. “A gente sempre disse que se fosse necessário subir os juros, subiria, mas não lembro de ter falado de alta de juros. O mercado já vinha colocando um pouco de expectativa de alta na curva. Mas não depende só do mercado, precisa olhar o cenário daqui para frente. A economia está forte, parte do mercado de trabalho está forte, a inflação em 12 meses bateu 4,5%, mas vai cair um pouco, e os próximos números vão ser melhores”, disse, fazendo uma distinção: “Os economistas não estão prevendo alta [de juros] para este ano, mas o mercado, sim. É importante ter calma, ter cautela nos momentos de muita volatilidade.”

A ala do mercado a que Campos Neto se refere está refletida no Boletim Focus, do Banco Central, que traz todas as semanas a mediana das previsões de indicadores da economia brasileira. Campos Neto só se esqueceu de dizer que muitas dessas projeções foram inflamadas por falas dele, fazendo com que alguns dos analistas consultados chutassem as previsões para cima para subir a mediana, como os economistas do ICL já alertaram algumas vezes.

Campos Neto comenta erros de economistas nas previsões

Questionado sobre os erros nas projeções de economistas a respeito dos indicadores da economia brasileira, Campos Neto avaliou que é preciso reconhecê-los. “Acho que os economistas, eu me incluindo, temos errado consistentemente em crescimento há bastante tempo. Diria há alguns anos. Uma tese inicial é de que um pedaço estrutural do crescimento está melhor do que a gente imaginava. Em termos de dados econômicos, a gente está bastante distante do que os preços dizem”, ponderou.

Ele comentou que a economia brasileira está com um crescimento bom, assim como os dados de emprego e que, embora a inflação esteja um pouquinho acima do centro da meta, “a gente quer trazê-la para a meta”.

Sobre a parte externa, Campos Neto disse que o Brasil está “super bem”. “Acho que os dados estão muito melhores no Brasil do que os preços refletem. A parte fiscal, com toda dificuldade do governo, está tendo um esforço, bloqueio ali. O arcabouço poderia ser melhor. Mas você vê que o governo está se esforçando. Acho que os números estão melhores do que o que o fundamento diz”, disse.

A respeito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ele disse que “ser ministro da Fazenda é muito difícil”.

Redação ICL Economia
Com informações de O Globo

 

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