Por Por Alice Martins Morais/Amazônia Vox, Vitoria Faria/Amazonia Vox — Agência Brasil
Os candidatos à prefeitura de Belém, cidade que vai sediar a Conferência do Clima da ONU de 2025, a COP30, incorporam o evento em seus planos de governo e o enxergam como uma oportunidade de promover obras urbanísticas e de incentivar o turismo. Mas, em geral, pouco abordam diretamente as mudanças climáticas — o tema central da cúpula — nas suas propostas.
Ainda que as metas e compromissos adotados no evento sejam definidos no âmbito do governo federal, a cidade-sede também será avaliada em termos de estrutura e iniciativas que possam servir de exemplo — negativo ou positivo. No Climômetro — iniciativa da Agência Pública que busca analisar o posicionamento dos candidatos das capitais em relação às mudanças climáticas –, os cinco mais bem colocados em Belém disseram que pretendem priorizar ações para combater os problemas caso eleitos.
Mas quando analisamos, em parceria com o Amazônia Vox, como eles abordam a questão em seus planos de governo, essa prioridade não fica tão evidente assim. Quando falam em meio ambiente, os candidatos focam mais no desenvolvimento sustentável. Já no horário eleitoral os assuntos que têm ganhado mais atenção são saúde, educação e saneamento básico.
Nove candidatos concorrem ao posto, mas as pesquisas mais recentes apontam uma disputa concentrada em três candidatos: Éder Mauro (PL), deputado federal, ex-delegado da Polícia Civil e aliado a Jair Bolsonaro (PL); Igor Normando (MDB), deputado estadual, ex-vereador de Belém e primo do governador do estado; Helder Barbalho (MDB); e o atual prefeito, Edmilson Rodrigues (PSOL), que cumpre seu terceiro mandato na cidade (primeira passagem de dois mandatos ocorreu entre 1997 e 2005). Rodrigues tem o apoio do PT e une sua imagem à do presidente Lula (PT), mas enfrenta alta taxa de rejeição, avaliada em 70% pela pesquisa Quaest, divulgada em 31 de agosto.
Normando lidera com 42% das intenções de voto, seguido por Mauro (21%). Rodrigues (11%) está empatado tecnicamente em terceiro lugar com os candidatos Thiago Araújo (Republicanos) e Jefferson Lima (Podemos), de acordo com pesquisa Quaest encomendada pela TV Liberal (afiliada da Globo) e divulgada em 21 de setembro.
Superar baixos índices de saneamento básico é desafio
Entre todos os nove candidatos, um tema é unânime: a necessidade de melhorar o saneamento básico. Esse é um dos principais gargalos da cidade: 80,1% da população não tem acesso à coleta de esgoto, segundo dados de 2022 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Segundo o Instituto Trata Brasil, Belém está na 95ª posição no ranking de saneamento entre as 100 maiores cidades do país. Em 2021, quando Rodrigues assumiu a prefeitura, a cidade estava em 96º lugar. Buscando a reeleição, o candidato do PSOL afirma que dará continuidade às obras planejadas para a realização da COP30 que são de responsabilidade da prefeitura e que já estão em andamento ou em planejamento, em especial as de macrodrenagem, que prometem resolver as condições de infraestrutura, saneamento básico e de escoamento das águas da chuva.
As principais delas são a macrodrenagem da bacia do igarapé Mata-Fome, com orçamento total de R$ 400 milhões (divididos entre governo federal, Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata e prefeitura), e o Parque Linear do Igarapé São Joaquim, um investimento de R$ 150 milhões por meio da Itaipu Binacional.
Já Éder Mauro propõe a implementação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) para garantir acesso universal a água e esgoto, a criação de um fundo municipal para complementar recursos e modernizar a infraestrutura de saneamento, além de reduzir desperdícios hídricos e incentivar a reciclagem e captação de água da chuva.
Igor Normando promete a implementação de uma “sala de controle e monitoramento” equipada com sensores para, entre outras questões, identificar problemas como alagamentos e falhas na coleta de lixo em tempo real. Sugere ainda o estímulo à criação de hubs, pequenos centros nos bairros para beneficiar a gestão de resíduos sólidos.
Aterro sanitário tem falhas e reciclagem é inexistente
Outro problema bastante mencionado pelos candidatos é o dos resíduos sólidos. A capital paraense gera mais de 1,5 mil toneladas por dia, segundo dados da prefeitura revelados em reportagem da Amazônia Vox. Mas recicla apenas 0,45% disso, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Relatório da organização coloca Belém entre as capitais que menos reciclam, em índice bem inferior à média nacional, que já é baixa, de 3%.
O destino de praticamente todo o lixo da cidade é o Aterro Sanitário de Marituba, na região metropolitana de Belém (RMB), instalado em 2015 para que o lixão que atendia a RMB pudesse ser fechado. No entanto, o Ministério Público do Pará (MPPA) e moradores do entorno vêm denunciando falhas que impactam a população e o meio ambiente.
Há críticas ao fato de ele ter sido instalado a apenas 30 metros de uma comunidade local, o que indica a falta de licenciamento ambiental adequado, e ao forte odor que não é controlado devidamente. Por isso, o aterro está há anos no centro de um conflito judicial, e a Justiça chegou a ordenar o fechamento das operações, mas os prazos foram continuamente estendidos — também por decisão da Justiça paraense. Devido à ausência de uma alternativa viável por parte das administrações municipais, o aterro continua recebendo resíduos.
Os problemas na coleta do lixo foram, inclusive, os que mais renderam críticas à gestão de Rodrigues. A crise já vinha sendo sentida havia anos na cidade, mas foi potencializada pelo momento de transição de contratação de uma nova empresa para gerir os resíduos da região, e a prefeitura passou meses com a coleta irregular até iniciar o novo contrato.
“Agora, nós estamos vendo melhorias acontecendo, mas é um problema de muito tempo que ainda não está resolvido”, avalia o arquiteto e urbanista Lucas Nassar, diretor-geral do Laboratório da Cidade, organização de Belém que defende o desenvolvimento de cidades democráticas, sustentáveis e adaptadas às mudanças climáticas.
Segundo ele, o desafio é criar um novo aterro sanitário para substituir o de Marituba, o que é promessa de Rodrigues para este novo mandato. Os demais candidatos prometem resolver o problema, mas não mencionam diretamente a construção de um novo aterro. O fomento à reciclagem é um dos pontos principais citados nesse sentido.
Para Nassar, este novo momento de regularização da coleta pode ser o ideal para educar a população a colaborar com essa iniciativa, se forem estabelecidas rotinas e dinâmicas que funcionem para as pessoas.
Os candidatos trazem propostas nesse sentido. Well Macedo (PSTU) defende um Programa de Educação Ambiental para a População de Belém. Radicalmente distantes ideologicamente, Rodrigues e Mauro abordam a importância da reciclagem e do descarte correto dos resíduos. Ítalo Abati (Novo) cita campanhas educativas sobre gestão de resíduos sólidos.
Propostas devem ultrapassar a abordagem superficial
Segundo Nassar, falta nos planos, no entanto, o detalhamento de como seria a execução dessas propostas. “Existem temas que já estavam em outros planos de governo e que agora se repetem, mas implementar uma mudança na prefeitura não é fácil. O gestor tem que ser assertivo e pensar nos custos”, reforça.
“É preciso uma mudança de paradigma na forma como enxergamos o planejamento urbano. Primeiro, temos que pensar além dos quatro anos de mandato. Os prefeitos devem dar continuidade a projetos de gestores anteriores e ter o conhecimento da complexidade das obras”, complementa.
Beatriz Pagy, diretora executiva do Instituto Clima de Eleição, chama atenção para o fato de que os planos de governo não são vinculantes, servem apenas de referencial e podem ser alterados durante a gestão sem nenhum prejuízo ao político. “Como não gera obrigação, às vezes mesmo um político contrário a uma pauta pode incluir esse tema na sua proposta”, pontua.
Outro ponto que ela considera relevante é que não há um modelo-padrão imposto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), então os candidatos podem fazer como quiserem. Desse modo, alguns planos são diretos e curtos, enquanto outros fazem um levantamento detalhado. “Muitos acabam não se esforçando tanto nessa proposta porque sabem que a população não tem o hábito de ler”, observa.
A organização da qual faz parte tem foco na incidência, o chamado advocacy, para qualificar o debate sobre a crise climática dentro da política institucional brasileira e analisou os planos de governo dos três candidatos que estão à frente nas pesquisas de intenção de voto.
“Muitos dos planos focam na área de saneamento ou economia verde, mas não citam a preparação para desastres”, analisa Pagy. O mais próximo desse tópico foi a criação do Fórum Municipal das Mudanças Climáticas, que é mencionado por Rodrigues como uma das novidades da sua gestão, que, segundo ele, levou em consideração instrumentos como o mapeamento das áreas de risco, feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB).
Outro assunto que ficou de fora das propostas, segundo Pagy, é o enfrentamento ao racismo ambiental, que é a forma em que injustiças ambientais impactam populações mais vulneráveis — como quando acontece uma tragédia e comunidades da periferia são atingidas de forma desproporcional. “É um tema transversal, e um bom primeiro passo seria a prefeitura começar a coletar dados racionalizados ou criar cotas voltadas para essas populações dentro de programas públicos como de moradia”, explica.
COP30 é moeda política
A COP30, que será realizada em novembro do ano que vem, é destacada na maioria dos planos de governo, mas principalmente pelo ponto de vista de obras e pelo potencial turístico e de geração de emprego e renda. Estima-se que Belém deve receber pelo menos 50 mil pessoas para a cúpula, entre delegações dos países, empresários, investidores, pesquisadores, organizações intergovernamentais, ONGs, ativistas, grupos religiosos e imprensa, de acordo com estimativas do Itamaraty.
Em seu plano de governo, Rodrigues destaca obras para a COP30 que estão em andamento, como a reforma do Mercado de São Brás, cujo orçamento é de R$ 118,3 milhões e é financiada pela Caixa Econômica Federal e pelo governo federal, via Itaipu Binacional, e já está prevista para ser entregue neste mês. E a reforma do complexo do Ver-O-Peso, de R$ 64 milhões — um investimento também do governo federal, via Itaipu Binacional –, prevista para ser finalizada em agosto de 2025.
Mesmo o candidato bolsonarista Éder Mauro — que é “integrante da bancada do garimpo [no Congresso], crítico de operações contra crimes ambientais e vê ‘exagero’ nas previsões do aquecimento global”, conforme reportagem do jornal Folha de S. Paulo — diz reconhecer a importância da COP.
Atual deputado federal da extrema direita, ele é autor de projetos de lei anti-ambientais, como o PL 5.822/19, que autoriza a exploração mineral de pequeno porte em reservas extrativistas. Ele afirma, porém, ver na conferência uma oportunidade de Belém se destacar no turismo e na geração de emprego e renda, além de “possibilidades de impulsionar investimentos e políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável”, segundo descreve na sua proposta de governo.
No Climômetro, ele disse que pretende priorizar ações para combater as mudanças climática, mas que não concorda nem discorda que a população que se preocupa com as mudanças climáticas deveria votar nele.
O cientista político belenense Rodolfo Marques acredita que a COP30 pode ser um divisor de águas e avalia que tem sido uma bandeira de campanha, independentemente da ideologia defendida pelos candidatos. “O evento já está confirmado e agora é uma moeda política”, salienta.
Apesar de confiar que a conferência vai acontecer independentemente de quem assumir a prefeitura, Marques pondera que “pode ter uma outra característica” se o candidato do PL vencer a eleição deste ano. “Principalmente em relação à infraestrutura e ao gerenciamento do orçamento. Por sua trajetória, ele não é alinhado às pautas ambientais e climáticas, então a COP pode acabar ganhando uma leitura diferente, talvez com as discussões um pouco esvaziadas, em comparação ao que seria com Igor Normando e Edmilson Rodrigues”, analisa.
Adaptação climática é pouco evidente nas propostas
Lucas Nassar assinala que duas expressões-chave para lidar com a questão climática são pouco mencionadas nas propostas: soluções baseadas na natureza (SBN) e adaptação. As SBN se referem a ações inspiradas e apoiadas na natureza, que proporcionam benefícios ambientais, sociais, econômicos e ajudam a construir a resiliência. O termo somente é mencionado por Rodrigues.
Já a adaptação climática é “o processo de ajustar sistemas naturais e humanos ao comportamento do clima, tanto no presente como no futuro”, conforme informa o governo federal. Nas propostas dos candidatos, apenas Éder Mauro e Thiago Araújo (Republicanos) incluem a expressão, mas sem detalhamento.
Araújo, que é deputado estadual e concorreu à prefeitura em 2020, afirma que pretende elaborar “planos de contingência e medidas de adaptação”. Já Mauro faz menção ao dizer que vai “implantar práticas ambientalmente responsáveis que assegurem a conservação dos recursos naturais, a redução do impacto ambiental e a adaptação para os impactos da mudança climática”.
Os impactos negativos de eventos climáticos extremos já são sentidos pela maioria dos brasileiros, conforme pesquisa do Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) de novembro de 2023. O estudo reflete a necessidade urgente de políticas públicas mais eficazes para que as cidades possam se adaptar a esses desafios, e são os prefeitos os primeiros a precisar lidar com essas emergências.
A arborização das vias e áreas próximas aos “canais” que cortam a cidade — igarapés que foram pavimentados e sufocados pela urbanização — é uma das maneiras de aumentar a resiliência das cidades, apontam especialistas. Belém é a segunda capital com piores indicadores nesse quesito — apenas 22,3% das vias públicas são arborizadas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O tema está presente em todos os planos de governo, com diferentes abordagens, mas Lucas Nassar, do Laboratório da Cidade, alerta que implementar essas medidas não é tão fácil quanto parece. Ele recorda que a gestão atual tem uma parceria em andamento com a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) para a criação de um inventário completo de árvores de Belém e está montando um projeto de arborização para a próxima década, que deve ser entregue até o final do ano.
Nassar explica que esse trabalho é mais complexo do que parece e, por isso, não basta fazer a promessa, mas é preciso detalhar como isso seria feito. “A arborização demanda muitas vezes obras grandes, porque envolve o sistema de esgoto, fiação elétrica e espaços disponíveis para plantar as árvores. Se colocar árvores na calçada, pode reduzir o espaço para os carros. Os prefeitos que propõem esse tipo de iniciativa estão dispostos a arcar com os desafios?”, questiona.
Para aumentar a resiliência urbana, Rodrigues propõe finalizar o Parque Ambiental Gunnar Vingren, reformar o Bosque Rodrigues Alves e criar florestas urbanas e parques lineares ao longo de rios e igarapés. Ele ainda ressalta iniciativas em andamento: o Plano Climático Popular, para mapear áreas de risco, e o inventário dos gases de efeito estufa.
Mauro, por sua vez, apresenta o plano de revitalizar e despoluir os canais de Belém, reurbanizar margens com calçadas e ciclovias e expandir áreas verdes. Além disso, afirma que vai recuperar mananciais com reflorestamento e ampliar programas de arborização. O deputado bolsonarista também promete incentivar o uso de energias renováveis e transformar parques municipais em espaços de conservação, socialização e educação ambiental.
Normando planeja concluir o projeto urbanístico da orla até a UFPA e incentivar práticas sustentáveis em empresas, como aproveitamento de água, telhados verdes e energia solar. Ele propõe o “Programa Cidade Verde”, que condiciona o asfaltamento de vias ao plantio de árvores, e o “Programa Embaixador Ambiental”, que visa capacitar jovens em situação de vulnerabilidade na proteção ambiental.
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