Por Igor Mello
Por quatro votos a três, o TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro) absolveu o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL-RJ), seu vice Thiago Pampolha (MDB-RJ) e o presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), o deputado estadual Rodrigo Bacellar (União Brasil-RJ). Eles são acusados de abuso de poder político e econômico no esquema dos cargos secretos da Fundação Ceperj e na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Os desembargadores Marcello Granado, Gerardo Carnevale, Fernando Cabral Filho e Katia Valverde Junqueira opinaram pela absolvição na sessão de hoje. O relator do processo, Peterson Barroso Simão, e os desembargadores Daniela Bandeira de Freitas e Henrique Carlos de Andrade Figueira votaram pela cassação dos três políticos.
O Ministério Público Eleitoral irá recorrer da decisão ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O mesmo pode ocorrer por parte da coligação de Marcelo Freixo (PT-RJ) nas últimas eleições, autora de uma das duas ações julgadas hoje.
Os três, além de outros dez réus, eram acusados de abuso de poder político e econômico, com conduta vedada. O Ministério Público Eleitoral pediu que eles tivessem os diplomas cassados, ficassem inelegíveis por 8 anos e pagassem multa — a exceção é Pampolha, para o qual o MPE não pediu as duas últimas punições.
O ex-presidente da Fundação Ceperj, Gabriel Lopes Rodrigues, também foi absolvido por 4 a 3. Os outros nove réus nas duas ações foram absolvidos por unanimidade.
Cargos secretos: Maioria rejeita uso eleitoreiro
A maioria dos desembargadores eleitorais seguiram a divergência aberta por Marcello Granado, que entendeu não haver provas de que Castro e Bacellar tinham ciência do esquema de corrupção criados na Fundação Ceperj e na Uerj às vésperas da eleição.
Também argumentaram que, embora existam fortes indícios de improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública, não ficou comprovado que as contratações tiveram influência no resultado da eleição.
Segundo ele, “a teoria do domínio do fato serve para definir a autoria, não para suprir falhas na cadeia causal”. “Quem ocupa posição de comando tem que ter de fato emitido a ordem. Isso tem que ser provado”.
“Estou de acordo ao eminente relator de que existem indícios de graves irregularidades em contratações no âmbito do Ceperj e da Uerj”, afirmou, antes de divergir. “Entendo que não há provas robustas o suficiente de que os atos tenham sido praticados para favorecer as campanhas dos candidatos investigados”
Terceira a votar, a desembargadora Daniela Bandeira de Freitas acompanhou o relator e votou pela condenação de Castro e de seus aliados. Ela destacou que, ao contrário do que afirmou o voto de Granado e diversas defesas, as irregularidades não ficaram restritas ao período pré-eleitoral. Isso porque os projetos na Uerj continuaram até dezembro de 2022, abrangendo toda a campanha eleitoral.
“A meu sentir, a injeção de recursos financeiros em projetos já existentes, sem constar no orçamento anual, usar recursos da venda de uma empresa estatal para o pagamento de servidores, políticos e até mesmo fantasmas, como consta no voto do relator”, concluiu ela.
O quarto a votar, Gerardo Carnevale Ney da Silva, seguiu a divergência aberta por Granado e também absolveu todos os réus, empatando novamente o julgamento. “Não vejo como os contratos da Uerj podem ter beneficiado Cláudio Castro”, resumiu ele. “Acho que a improbidade é flagrante, mas não é flagrante a vinculação em relação ao resultado eleitoral”
Fernando Cabral Filho, quinto desembargador a votar, também acompanhou o voto de Granado. “O notável fato do desempenho do candidato [Cláudio Castro] ter melhorado vertiginosamente [nas pesquisas eleitorais] depois da suspensão dos projetos [da Fundação Ceperj] induz à conclusão de que aqueles não estavam atrelados à disputa eleitoral”, argumentou o magistrado.
Responsável por sacramentar o resultado do julgamento, a desembargadora Katia Valverde Junqueira repetiu os argumentos dos colegas. Ela destacou a gravidade dos fatos, mas avaliou que não há provas de que eles tenham influenciado o resultado da eleição.
“Muito embora assombrada pelos valores envolvidos, eu tentei associar essa questão aos resultados das eleições, que é exatamente a grande questão aqui. Eu vejo que é impossível estabelecermos uma responsabilidade com conotações eleitorais sem que haja prova efetiva desse impacto”, disse ela. “Como vamos ter prova efetiva desse impacto se temos uma diferença de mais de 2 milhões de votos? É uma diferença muito grande”.
Último a votar, o presidente do TRE-RJ, Henrique Carlos de Andrade Figueira, destacou que a dificuldade de se obter provas advém da sofisticação do esquema de corrupção.
“Evidentemente não há como fazer prova nesse sentido, de corrupção. Ninguém passa recibo. O modus operandi dos réus foi justamente de pegar dinheiro na boca do caixa e não dar recibo de nada, nenhum contrato foi assinado. Agora, para quem foi esse dinheiro? Os depoimentos de várias testemunhas são no sentido de “eu fui cabo eleitoral”. O Allan [Borges] era o coordenador dos cabos eleitorais. Eles funcionaram claramente no sentido de fazer uma campanha eleitoral com dinheiro público”.
O escândalo dos cargos secretos
O governo Castro criou, às vésperas da campanha eleitoral, mais de 27 mil cargos secretos na Fundação Ceperj e outros 18 mil na Uerj, totalizando o emprego de 45 mil pessoas sem qualquer transparência ou critério objetivo de contratação. O escândalo foi revelado pelos jornalistas Igor Mello e Ruben Berta, no portal UOL, em 2022.
Esses cargos — que chegavam a ter remunerações mensais de até R$ 30 mil– foram utilizados para o emprego generalizado de cabos eleitorais de aliados de Castro, além de funcionários fantasmas.
Houve ainda denúncias de prática de rachadinha (devolução de parte dos salários). Os pagamentos eram feitos em dinheiro vivo na boca do caixa, sem contrato assinado ou comprovação de que os funcionários efetivamente trabalhavam.
O montante movimentado no esquema de corrupção foi bilionário: as folhas dos projetos com cargos secretos na Fundação Ceperj e na Uerj custaram R$ 1,3 bilhão, segundo dados do próprio governo do estado, em um período de menos de 1 ano — entre o segundo semestre de 2021 e o primeiro semestre de 2022.
Investigação do MP-RJ constatou que só os contratados pela Fundação Ceperj sacaram mais de R$ 250 milhões em dinheiro vivo nos meses que antecederam a campanha eleitoral.
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