O governo de Javier Milei completou cem dias na presidência da Argentina nesta terça-feira (19). O período é marcado por uma intensa atividade nas redes sociais, uma abordagem agressiva para implementar seu sonhado plano de ajuste fiscal e redução de investimentos sociais.
Segundo o G1, enquanto reconstruía as reservas do país e alcançava um superávit fiscal inédito, seu governo enfrentou derrotas no Congresso e crescente tensão social.
Segundo pesquisa da Opina Argentina, a popularidade de Milei permaneceu estável, com uma imagem positiva para 52% dos entrevistados desde o início de seu mandato. Apesar disso, Milei enfrentou dificuldades no Congresso para aprovar seus projetos.
O partido do presidente é minoria, o que resultou na retirada da “lei ómnibus” — projeto de lei com mais de 600 artigos — da pauta na Câmara dos Deputados e na rejeição do megadecreto no Senado. O “decretaço” de Milei se trata de uma medida semelhante a uma medida provisória, que busca revogar ou modificar mais de 300 normas da administração pública do país.
Essas derrotas destacam a dificuldade do presidente em utilizar sua popularidade para influenciar os legisladores e negociar efetivamente com o Legislativo. De acordo com Carlos Malamud, pesquisador do Real Instituto Elcano, o governo de Milei tem enfrentado obstáculos para implementar seu projeto político e econômico na velocidade desejada.
“Milei gostaria de promover o seu projeto político e econômico a 100 km por hora, mas a velocidade de cruzeiro do governo é muito menor”, afirma.

Discurso agressivo contra adversários é uma das marcas do início da era Milei. Foto: Reuters
Atualmente, o destino de seu programa está nas mãos dos deputados, que precisam revisar uma versão enxuta da “lei ómnibus” e decidir sobre seus artigos.
No entanto, mesmo se o texto for aprovado, existem desafios adicionais na Justiça, onde boa parte do “decretaço” está sendo questionada por sua inconstitucionalidade, como apontou o consultor político Carlos Fara ao G1.
“Motosserra” de Milei
O presidente implementou cortes de gastos agressivos, a chamada “motosserra”, suspensão de obras públicas, a não renovação de contratos estatais e redução pela metade de ministérios, desvalorizando o peso em mais de 50%. Essas medidas resultaram em uma inflação de 25,5% em dezembro, embora tenha caído para 13% em fevereiro.
Com a desvalorização da moeda e o aumento dos preços, o poder de compra dos argentinos, especialmente dos aposentados, foi significativamente reduzido. A meta de Milei é alcançar um déficit zero este ano, ultrapassando a solicitada pela Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual a Argentina possui um acordo de crédito de US$ 44 bilhões de dólares.
Consequências do superávit
Apesar das conquistas fiscais, a população enfrenta aumentos de preços e tarifas de serviços públicos, causando tensões sociais. Os cortes afetaram o acesso a medicamentos e programas sociais, levando a protestos e repressão policial.
Javier Milei conseguiu reconstruir as reservas brutas do Banco Central e alcançou um superávit financeiro em janeiro e fevereiro, algo não visto desde 2011. De acordo com a economista Marina Dal Poggetto, “a estabilização da economia está superando as expectativas” iniciais, embora “questões sobre governabilidade” persistam.
Atualmente, Milei está em busca de reunir fundos de US$ 15 bilhões (R$ 74,8 bilhões) com o FMI e entidades privadas para eliminar os controles cambiais até meados do ano, o que tem causado mudanças no dólar. O presidente expressou otimismo em relação ao futuro, afirmando que as “pessoas sabem que estamos passando por um momento muito difícil, mas estão começando a ver uma saída”, disse durante uma entrevista à Rádio La Red.
Enquanto Milei mantém sua popularidade nas pesquisas, o impacto das medidas sobre a vida cotidiana dos argentinos permanece em debate.
Sociedade
No contexto do “ordenamento” promovido pelo governo, surge uma crescente tensão social alimentada por demissões, aumentos de preços e tarifas dos serviços públicos devido à remoção de subsídios. O aumento dos preços dos medicamentos, que superou em 40 pontos percentuais a inflação geral, segundo o G1, levou a uma queda significativa nas vendas, levando muitas pessoas a abandonarem seus tratamentos crônicos em favor das necessidades básicas, como alimentação.
Em fevereiro, enquanto a legislação “ómnibus” era debatida, milhares de pessoas protestaram diante do Congresso, sendo reprimidas pela polícia.
Além disso, a suspensão da entrega de alimentos a quase 40 mil cozinhas comunitárias gerou mais protestos, em um momento em que a pobreza afeta quase 60% da população. O governo justificou essa medida como parte de uma auditoria do sistema, visando fornecer assistência direta de maneira mais eficiente.
Os cortes também impactaram o orçamento das universidades, bem como o apoio estatal ao cinema e à pesquisa em ciência e tecnologia.
Relações Internacionais
Milei adotou uma postura inusitada em suas relações internacionais, voando em linhas comerciais com uma comitiva reduzida e destacando-se em eventos como o Fórum Econômico Mundial em Davos. Sua proximidade com líderes como Donald Trump e o Papa Francisco contrasta com sua suspensão da adesão da Argentina ao bloco dos Brics.
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