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Jessé Souza

Escritor, pesquisador e professor universitário. Autor de mais de 30 livros dentre eles os bestsellers “A elite do Atraso”, “A classe média no espelho”, “A ralé brasileira” e “Como o racismo criou o Brasil”. Doutor em sociologia pela universidade Heidelberg, Alemanha, e pós doutor em filosofia e psicanálise pela New School for Social Research, Nova Iorque, EUA

Censura de livros em Santa Catarina: quando virá a queima em praça pública?

A desculpa oficial é a de adequar o conteúdo a idade, uma desculpa recorrente de censores
10/11/2023 | 06h45

O governador Jorginho Mello, de Santa Catarina, pertencente ao PL e eleito com ajuda de Bolsonaro, determinou a retirada de circulação da rede de ensino pública do Estado de nove livros. A desculpa oficial é a de adequar o conteúdo a idade, uma desculpa recorrente de censores, posto que transforma a censura em suposto cuidado.

Na verdade, várias das obras censuradas abrangem temas relacionados a gênero e sexualidade, como “A química entre nós”, Larry Young e Brian Alexander, ou de questões de “bullying” retratadas em “Os 13 porquês”, de Jay Asher; ou ainda de livros que examinam criticamente o nazismo, como “O Diário do Diabo: Os Segredos de Alfred Rosenberg, o Maior Intelectual do Nazismo”, de Roger Moorhouse.

Esse tipo de censura a livros revela uma das piores facetas do fascismo de direita que se incorporou à vida brasileira e nos mostra o quão difícil será extirpá-lo de nossa vida social. Afinal, existem boas razões para a manipulação de extrema direita. A direita compreende muito melhor que a esquerda que a batalha simbólica pelo domínio dos corações e das mentes é a melhor forma de assegurar o controle material da política e da economia. E consegue isso dividindo a população em setores que não mais se comunicam a partir de uma suposta “batalha de valores”.

O decisivo aqui é opor uma população de pessoas vistas como decentes e representantes da boa moralidade contra outra que passa a ser percebida como inimiga da família e dos valores tradicionais. Para quem não percebe as razões efetivas de sua pobreza e exploração social e é constantemente humilhado, como acontece com os 80% da população brasileira que não é nem elite nem classe média real, resta se agarrar a princípios morais que lhes confere um mínimo de dignidade no seu meio.

Essa “dignidade” forjada com precisão de alfaiate por meio dos algoritmos das redes sociais, permite conferir a essas pessoas uma fuga da humilhação que efetivamente sentem, mas que não é compreendida nas suas causas reais. Para funcionar, essa estratégia precisa de bodes expiatórios: os gays, a “ideologia de gênero”, o “bandido” quase sempre um jovem negro, os beneficiários do bolsa família e assim por diante.

Para quem não tem nada, estar do lado “correto”, leia-se de acordo com a moralidade tradicional dominante, é tudo. Evita a humilhação maior da exclusão social e marginalidade e explica porque é tão eficaz a divisão entre o pobre “honesto” e o pobre tornado “delinquente”. Escolaridade precária e imprensa venal completam o quadro. A extrema direita, desde Hitler, compreendeu aquilo que Hegel ensinou e que é muito pouco compreendido até hoje: a motivação última do comportamento social é moral e não econômica.

Como a esquerda não sabe disso e pensa que um programa econômico de interesse popular basta para conseguir adesão da população – a Lava Jato mostrou o quanto isso é ingênuo – os fascistas surfam na onda do falso moralismo como ninguém. Como os evangélicos da classe C, a famosa classe média do Lulismo, mostraram sobejamente no passado recente, a mera ascensão econômica que não é explicada nas suas razoes políticas vai ser percebida de modo apolítico como benção divina por muitos.

A batalha central a ser travada é a de explicar para a população quem são os reais culpados por serem pobres e humilhados num país que todos sabem ser rico. Essa é uma batalha simbólica urgente de convencimento de uma população imbecilizada pela informação enviesada da grande imprensa e pela ausência de reflexão e de debate público. Parece que ninguém na esquerda percebe esse desafio. E é nesse cenário que o fascismo viceja.

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